domingo, 11 de dezembro de 2016

Aprendizes de feiticeiro

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 11/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Clássico da animação, Fantasia foi uma das obras que mais ajudou a consolidar os estúdios de Walt Disney. Lançado em 1940, o filme gira em torno de um Mickey que se cansa de suas árduas tarefas como auxiliar de um mago, e decide assumir as funções de seu patrão quando esse está ausente. Incapaz de lidar com os poderes que evoca, Mickey causa um caos tremendo, que só é contido quando o mago retorna. Mesmo sendo uma analogia infantil, é impossível não tê-la em mente diante dos acontecimentos recentes relacionados com as medidas anticorrupção que tramitam no Congresso.
Elaborado pelo Ministério Público Federal entre 2014 e 2015, o conjunto de dez medidas contra a corrupção chegou à Câmara dos Deputados em março de 2016, na forma de um projeto de iniciativa popular subscrito por mais de dois milhões de brasileiros. Esse tipo de apoio popular foi obtido a partir de ampla mobilização da sociedade civil, assim como por intensa atividade nas redes sociais. Mais do que isso, a iniciativa do MPF veio de encontro a uma demanda social urgente: a erradicação da corrupção do meio político. Como explicar, portanto, o tratamento dado pelos deputados a tal projeto de lei?
O interesse corporativo é o primeiro elemento: os deputados, muitos com pendências legais, agiram em defesa própria ao descaracterizar a proposta original do MPF, transformando-a em um instrumento de coação do Judiciário e do próprio Ministério Público. Porém, tal ação corporativa dos parlamentares não explica tudo, pois a pressão política que acompanha projetos de lei de iniciativa popular costuma intimidar bastante os detentores de mandato eletivo, sempre preocupados em serem reeleitos.
A explicação para o ocorrido com o projeto de lei de combate à corrupção reside mais no próprio MPF do que na Câmara. Assim como no filme de Disney, o MPF evocou forças políticas poderosas, sem que tivesse o conhecimento ou o cuidado necessários para conduzir um processo político dessa envergadura.
O momento político vivido pelo Brasil é marcado por tensão, instabilidade e extremo desgaste emocional por parte dos parlamentares. Esse contexto é desaconselhável para se propor mudanças na estrutura do relacionamento entre os poderes Legislativo e Judiciário, especialmente quando as tensões tendem a subir ainda mais com a revelação dos mais de 200 nomes dos beneficiados pela empreiteira Odebrecht.
Quando o MPF propõe que sejam mudadas as regras do jogo, enquanto esse ainda está em andamento, não só revela ausência de senso de oportunidade, como também uma incrível falta de noção de estratégia. Tendo seus oponentes acuados no campo jurídico, o MPF transferiu a iniciativa para o âmbito da política, criando uma formidável chance de revide para os deputados.
A soma de toda essa insensatez, agora, está nas mãos do Senado, cujo presidente acaba de se tornar réu por corrupção. A sociedade se mobiliza novamente, agora para tentar reverter o retrocesso aprovado pela Câmara. Infelizmente, não virá um mago para recolocar tudo em ordem.

domingo, 4 de dezembro de 2016

A PEC 55 e seus filhotes: uma questão federativa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A reunião entre 23 governadores e Michel Temer, realizada recentemente em Brasília, resultou na celebração de um acordo preliminar de ajuda aos estados, que vivem situação fiscal desesperadora. Esse evento, entretanto, traz poucos motivos para alívio: por mais que sejam transferidos recursos para o pagamento dos servidores públicos estaduais, uma análise federativa indica que os vícios mais antigos da federação brasileira permanecem intactos.
Sendo um país de proporções continentais e farto em diversidades, o Brasil se encaixa como um caso típico no qual os mecanismos federativos muito têm a contribuir: combina a autonomia dos governos estaduais para tomar decisões adequadas às suas respectivas realidades, com a força de um governo nacional. Ocorre que, historicamente, equilibrar todas essas partes em um mesmo acordo tem sido difícil.
Pesquisadores apontam o federalismo mais como uma prática de negociação constante do que como uma fórmula institucional específica. No caso brasileiro, entretanto, temos negociações realizadas de forma bastante desigual: cabe à União mais da metade do total arrecadado no país, já descontadas as transferências obrigatórias a estados e municípios. Trata-se de um enorme volume de recursos, disponível para as ações do governo federal. Já os 5.570 prefeitos e 27 governadores dividem entre si a outra metade da riqueza arrecadada por impostos, dispersando os recursos entre tantos governos que pouco sobra para o atendimento das necessidades próprias de cada região.
Não custa lembrar que, pela Constituição de 1988, cabem aos estados a prestação das políticas públicas que mais demandam mão de obra, como a segurança pública e boa parte da educação básica. Assim, a tradicional acusação de que os estados empregam servidores em demasia, mesmo que faça sentido, parte de uma estrutura desfavorável aos governadores.
A União, portanto, reafirma seu poder em momentos como o atual: oferece auxílio fiscal, devidamente condicionado à obediência das diretrizes federais de corte de gastos, quando os estados atingem suas recorrentes bancarrotas. Assim, governadores petistas que perfilaram com Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, como o aguerrido piauiense Wellington Dias e o sutil Fernando Pimentel, agora aderem às condições oferecidas por Temer para obter um naco das receitas federais. Comprometem-se, portanto, a reproduzir em seus estados a mesma lógica do teto fixo nos gastos públicos que, proposta por Temer para o governo federal, motivou entre outros protestos a ocupação de milhares de escolas em todo o país.
A configuração do cenário político nacional, portanto, tende a melhorar para Temer de agora em diante, já que a maioria dos governadores vai dividir com o presidente a impopularidade pelos cortes e congelamento de gastos. Temer esvazia a principal crítica da oposição, pois essa passa em larga medida a reproduzir as mesmas propostas impopulares do presidente: a PEC 55 se reproduz antes de completar sua tramitação no Senado.

domingo, 27 de novembro de 2016

Os políticos contra-atacam

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As cenas de dois ex-governadores do Rio de Janeiro sendo presos e dando encontro à dura realidade do cárcere, ilustram bem a peculiaridade do momento vivido hoje no Brasil. Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, políticos ativos e influentes, representam muito mais do que parlamentares e dirigentes partidários que fizeram carreira na semiobscuridade dos gabinetes; agora detidos, indicam os novos limites entre a influência política e o alcance da lei.
Trata-se de uma mudança considerável na forma como a sociedade se relaciona com o Estado. A lógica privatista, vigente desde o período Colonial, consolidou na cultura brasileira a noção de que posições de poder significam a posse de setores do Estado; decorre dessa ideia a diferença na forma como pessoas “comuns” e políticos eram encarados pelo Poder Público.
Nesse contexto de mudança, vale observar aqueles que ainda não foram afetados diretamente pelo Judiciário, e se movimentam para evitar que isso ocorra. Citados fartamente em delações e investigações, o presidente do Senado Renan Calheiros e o ex-presidente Lula têm seu futuro observado com atenção pelos demais políticos, interessados em descobrir os caminhos a serem seguidos quando também forem acusados.
A tradicional estratégia petista de retratar como perseguição política a tudo o que os desagrada deu escassos resultados. Além de pequenas manifestações, o máximo que os petistas obtiveram foram declarações de Michel Temer e Aécio Neves contrárias à prisão do ex-presidente: algo que além de não ter valor jurídico como defesa, também perde importância política por partir de dois prováveis concorrentes eleitorais de 2018, que não gostariam de enfrentar um Lula “com ares de mártir” no futuro.
Além disso, o pirotécnico recurso feito por Lula ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, a ser avaliado em cinco anos, serve mais como exemplo da sensação de impotência que tomou conta dos políticos: sinal da crença teimosa na existência de uma instância de poder que reconheça sua “distinta natureza” em relação ao restante da população, alçando-os novamente a um patamar além do alcance da Justiça.
Renan Calheiros aproveitou a ocorrência de uma ação da Polícia Federal no Senado para acusar os “desmandos” do Judiciário, e assim preparar o terreno para uma contraofensiva mais objetiva do que a dos petistas. A cruzada que Renan começa a empreender contra os chamados “super salários” do Judiciário representa o caminho encontrado pelo senador para proceder a seu contra-ataque contra as suspeitas e investigações que, cada vez mais, envolvem seu partido e seu próprio nome.
Reeditando a “caça aos marajás” que seu conterrâneo Collor de Mello empreendeu no passado, Calheiros marcou ponto por tocar em um tema de interesse da população. Entretanto, reverter esse capital político em termos jurídicos vai depender do quanto os magistrados brasileiros são ligados a suas posses materiais. Em campos opostos da torcida, se encontram o povo e os muitos políticos com pendências morais e legais.

domingo, 20 de novembro de 2016

Péssimas previsões e ótimas explicações: o efeito avestruz nas eleições dos EUA

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A vitória de Donald Trump nos EUA causou um tipo de choque poucas vezes visto: havia meses que imprensa e crítica previam o sucesso de Hillary Clinton, tendo por fundamento incontáveis pesquisas de opinião. Por exemplo, o tradicional semanário Time estampou na capa de duas de suas edições o “colapso total” da campanha de Trump, ilustrado por uma imagem do rosto do candidato em derretimento. Analistas de política tinham foco sobre o processo de reconstrução do Partido Republicano, após a derrota tida como certa de Trump.
O consenso em torno da vitória de Hillary Clinton resistiu até que os votos começaram a ser contados. Desde então, surgiu uma avalanche de explicações para dar sentido à vitória do republicano, algo que levanta a dúvida: por onde andava todo esse poder de análise durante a campanha eleitoral? A contradição entre péssimas previsões eleitorais e boas explicações pós-eleitorais, separadas apenas por poucos dias, pode ser explicada por um intenso desejo de negação dos fatos, por parte da maioria dos formadores de opinião dos EUA.
Por quase oito anos, o governo de Barack Obama serviu como um atestado de que o povo dos Estados Unidos estava superando seu passado de tolerância em relação ao racismo e à desigualdade social, tudo isso através do funcionamento da democracia ianque. Eleger Hillary, portanto, seria mais um passo na mesma direção. Por isso, durante meses os principais meios de comunicação, personalidades políticas, artísticas e intelectuais reproduziram a ideia de que uma vitória de Trump enviaria os EUA para o domínio da barbárie. É fato que algumas de suas declarações realmente aludiam a essa possibilidade, porém expor o surrealismo dessa plataforma não conta como uma análise política equilibrada. A confusão entre desejo e realidade, portanto, levou boa parte dos EUA a negar fatos importantes e conhecidos, apenas por esses serem incômodos.
O maior exemplo foi a questão industrial: Trump foi o único candidato, em décadas, a prometer protecionismo comercial como forma de recuperar as indústrias, gerando empregos e melhorando salários. Com isso, Trump reacendeu esperanças há muito adormecidas nas decadentes regiões industriais dos EUA, que sofrem os efeitos perversos da globalização, perdendo a concorrência para países que oferecem mão de obra barata.
Colocar em prática tal medida é algo, na visão de muitos, impossível. Porém, em uma campanha política, indicar caminhos e fomentar esperanças é o melhor que um candidato pode fazer. Essa atitude de Trump, também utilizada em seu bizarro programa de imigração, foi percebida pelos analistas políticos como uma inovação capaz de tocar o eleitorado. Mas, nem por isso, reconheceu-se que o republicano tinha chances de vitória.
Também a onipresença de Trump nos noticiários, mesmo que sob manchetes negativas, foi percebida como fato, mas não como ameaça, pelos entusiastas de Hillary. Esses, afinal, recobraram contato com a realidade quando já era tarde demais, e as urnas proclamavam seu veredito. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Muda PT: fora Lula?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O ano de 2016 ainda não chegou ao fim, porém não há dúvida de que entrará para os livros de História. Ainda assim, parece haver muito por vir: surgiu no Congresso Nacional um movimento de deputados petistas interessado em discutir urgentemente a organização e os rumos do partido, principalmente a partir dos desastrosos números que emergiram das urnas no início de outubro. Essa verdadeira rebelião não parece uma simples expressão de descontentamento: além de divulgar um manifesto e adotar o nome Muda PT, esse movimento promete levar as dezenas de deputados que o apoiam a se retirar do partido, caso não sejam tomadas medidas profundas de reforma nessa agremiação.
Por mais que não se declare, o movimento trata diretamente da figura do ex-presidente Lula, líder inconteste no partido desde que foi eleito para o Palácio do Planalto em 2002. Essa data, que marcou o início da mais próspera era na vida eleitoral e política do partido, também o lançou em sua maior decadência do ponto de vista intelectual e institucional: por exemplo, não foram mais realizadas as acaloradas prévias nacionais do PT, nas quais as diferentes facções disputavam abertamente o direito de indicar o candidato do partido nas eleições. Essa prática, que muitos criticavam por acirrar rivalidades, fazia do PT um partido muito diferente dos demais, e foi justamente com base em suas peculiaridades que o partido cultivou a esperança em cada vez mais brasileiros ao longo da década de 1990, até cativar a maioria.
Em contradição com sua trajetória histórica, na última década o PT se tornou progressivamente uma agremiação de cunho personalista, adaptando-se às conveniências pessoais e eleitorais de Lula; chegou ao ponto de reproduzir a relação que existia entre Leonel Brizola e o seu PDT. A escolha de Dilma Rousseff como candidata a presidente em 2010 deixou clara essa situação, uma vez que seu nome contava com a rejeição de praticamente todos, menos de Lula.
Ao longo dos anos, os petistas desenvolveram dois tipos de dependência em relação à figura de Lula: sentimental e eleitoral. Na primeira, trata-se de mais um dos típicos romances que os militantes de esquerda costumam nutrir em relação às figuras públicas de seus partidos: uma dinâmica que parece intrínseca a essa corrente política. Já a dependência eleitoral é de cunho mais concreto, a se baseia na ideia de que o PT talvez não possua outra figura de amplitude nacional que possa obter um bom resultado nas urnas. Ambas tendências se reforçam mutuamente, sedimentando um verdadeiro tabu interno ao PT no que se refere a questionamentos em relação ao nome do ex-presidente Lula.
Arguto como sempre, Lula percebeu que seu futuro está em jogo, e agora se movimenta intensamente para manter voz ativa no processo de transição, e de preferência, também depois desse. De toda forma, o debate iniciado pelo Muda PT é uma boa novidade, pois promete romper um dos dogmas da política nacional, abrindo novamente espaço para a diversidade de pensamentos e opiniões.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Perdedores e ganhadores de 2016

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Os resultados do primeiro turno das eleições de 2016 indicaram a gravidade da derrota sofrida pelo PT. As análises buscavam entender as origens e possíveis desdobramentos desse fenômeno, sobretudo em relação ao panorama de 2018. O que poucos esperavam, porém, é que o segundo turno traria fatos políticos tão significativos: a derrota de João Leite em Belo Horizonte representou um revés profundo na estratégia do senador Aécio Neves para pleitear a Presidência da República dentro de dois anos.
Inicialmente, convém lembrar que o nome de João Leite enfrentava fortes resistências no PSDB mineiro quando o partido discutia os rumos da campanha municipal. Pesavam contra Leite as duas tentativas fracassadas de chegar ao comando da capital mineira, em 2000 e 2004, porém mais importante do que isso era a responsabilidade que estaria em jogo em 2016: qualquer que fosse o candidato apoiado pelo PSDB, esse deveria consolidar a suposta liderança de Aécio Neves sobre o eleitorado de belorizontino, expresso em 2014 pela obtenção de praticamente 70% dos votos válidos.
Apesar de tantos fatores em jogo, a escolha dos tucanos por João Leite acabou acontecendo de maneira um tanto atabalhoada: quando o prefeito Márcio Lacerda anunciou apoio à candidatura de seu correligionário Paulo Brant, interrompendo as negociações com o PSDB em torno de uma chapa unificada, rapidamente Leite ganhou força em seu partido, como reação ao rompimento de Lacerda. Não foi, portanto, o início ideal para a campanha.
A campanha de Alexandre Kalil, proclamando independência em relação a muitas das lideranças políticas que apoiavam Leite, fez com que o senador Aécio Neves estivesse em evidência quase constante, em uma dinâmica diferente da tradicional troca de apoios que caracteriza as alianças eleitorais. É inegável, portanto, a presença de um certo caráter plebiscitário nas eleições de Belo Horizonte, confrontando nomes e estilos tradicionais da política com a relativa novidade encarnada por Kalil.
O desgaste sofrido por Aécio em Belo Horizonte reforça a lembrança da derrota sofrida por ele em Minas dois anos atrás: ambas valem não só pelos números eleitorais, mas principalmente como prova da dificuldade do senador em conseguir votos em sua região de origem. O insistente alheamento de Aécio em relação à política mineira cobra-lhe, novamente, um alto preço. É fato que outros fatores contribuíram para tais resultados, mas a dinâmica da política brasileira valoriza resultados, e não desculpas.
A cúpula do PSDB nacional tem agora motivos de sobra para tirar de cogitação o nome de Aécio das especulações em torno da composição da chapa presidencial tucana de 2018. No mesmo sentido, o surgimento de delações da Odebrecht envolvendo o ministro José Serra abala as pretensões de mais um tucano com força no partido. Agora, o governador paulista Geraldo Alckmin, raro caso de político que conseguiu alavancar a eleição de um novato para cargo relevante em 2016, desponta como o favorito para liderar o PSDB em 2018.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O voto é obrigatório, a participação é essencial

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 30/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Um dos pontos mais destacados a partir dos resultados eleitorais de 2016 é o alto percentual de votos brancos e nulos, assim como o de abstenções. Foram nove as capitais nas quais a soma de votos brancos, nulos e abstenções foi maior do que o contingente que preferiu o candidato mais votado. Em Belo Horizonte, a soma dos votos em João Leite e Alexandre Kalil no primeiro turno foi inferior ao número de votos inválidos e eleitores ausentes. Além de levar ao delírio os pessimistas de plantão, tais números trouxeram à tona o debate da obrigatoriedade do voto.
Inicialmente, vale destacar que o instituto do voto obrigatório não é exclusividade brasileira, sendo praticado em dezenas de países. Na maioria desses, registra-se um passado de instabilidade política, guerras ou redemocratização recente, situação essa que caracteriza o Brasil, onde a democracia voltou em 1985. A obrigatoriedade do voto, portanto, é um instrumento para se tornar mais legítimo o sistema político: afinal, se todos os cidadãos aptos são levados a participar das decisões coletivas, isso os levaria a ter ao menos um nível mínimo de conhecimento sobre as regras básicas de vida em comunidade.
Sob essa lógica, as frustrações que normalmente atingem a diversos grupos sociais podem ser contidas pelo próprio sistema político, levando os insatisfeitos a se mobilizarem em torno de partidos e plataformas, e não de extremismo e armas. Representatividade é a palavra-chave: aqueles que tiverem seu interesses defendidos por alguém, junto às esferas de decisão do Estado, podem nutrir a esperança real de que serão atendidos em algum momento.
Esse mecanismo costuma trazer, ao redor do mundo, resultados positivos. O problema surge quando, em casos como o brasileiro, nem mesmo a obrigatoriedade do voto é capaz de levar uma maioria significativa da sociedade às urnas: nas últimas duas décadas, em eleições nacionais, o percentual de pessoas que não votaram ou não escolheram qualquer candidato ronda perigosamente a casa de 30% do total de eleitores aptos, uma fatia grande da população. Temos dezenas de milhões de pessoas que se encontram à margem do sistema político: além de não encontrarem canal para apresentar suas demandas ao Estado, também são presa fácil para ideias extremistas.
A solução deve estar ligada à superação da ideia, extremamente difundida, que dá papel central ao voto. O envolvimento no cotidiano do Legislativo e dos partidos políticos, por exemplo, continua um canal explorado apenas por uma parcela ínfima da população brasileira; mas é justamente nessas duas instâncias que são formuladas e debatidas as principais propostas de interesse da população. O voto, afinal, representa apenas o momento final, no qual se escolhe entre as opções previamente elaboradas.
A melhoria da política brasileira, portanto, depende muito mais da ação e envolvimento de cada cidadão, do que da conclusão de uma celebrada reforma política que se discute nos desvãos de Brasília, e que “salvaria a pátria” com um só gesto.

PEC 241: Melhor para Temer

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 23/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A aprovação em primeiro turno da PEC 241 na Câmara dos Deputados, medida drástica destinada a controlar o orçamento federal nos próximos 20 anos, despertou intensas discussões políticas. A análise do mérito dessa proposta é complexa, existindo fortes argumentos contrários e favoráveis. Por exemplo, criar limites legais para os gastos públicos, por si só, é um mecanismo válido, sobretudo após uma temporada de descontrole fiscal como a dos últimos cinco anos: trata-se, afinal, do mesmo enredo que levou à criação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, e que permitiu o crescimento do país ao longo dessa década.
Porém, a criação de um limite bruto para o orçamento federal, como propõe a PEC 241, parece uma lógica demasiado simplista para a situação brasileira, que depende de muito mais do que do equilíbrio fiscal. Se assim o fosse, os anos recentes de superávit teriam necessariamente registrado a superação de nossos graves problemas sociais, algo que não ocorreu. A lógica da PEC 241 representa o raciocínio mais primitivo em gestão pública: apenas acompanha valores arrecadados e gastos. É certo que o equilíbrio fiscal é importante, porém sob a vigência da PEC 241, não há qualquer garantia de que dentro de duas décadas teremos o Estado capacitado a oferecer serviços públicos adequados à população; a única certeza que essa medida oferece é que haverá dinheiro em caixa.
A melhoria dos serviços de saúde e educação, por exemplo, será mais resultado da forma como serão distribuídos os recursos existentes entre as diversas áreas possíveis de gasto, do que da possibilidade de aumento bruto do orçamento. Além de não rediscutir as prioridades do Governo Federal, outro ponto crucial que a PEC 241 não toca é a melhoria na eficiência do gasto público: usar melhor os recursos que se tem é um assunto que saiu da agenda federal em 2002, e pelo visto, não parece que deve voltar à pauta sob a batuta de Temer.
À parte a irrelevância técnica da PEC 241 para solucionar os problema do Brasil, o fato é que sua aprovação pelo Legislativo parece questão de tempo. No campo da política, o conteúdo não necessariamente se relaciona com a forma: torna-se lei aquilo que a maioria parlamentar concorda em aprovar, sendo o conteúdo das propostas às vezes questão secundária. Tendo sido Michel Temer presidente da Câmara dos Deputados por dois mandatos, é claro que se trata de alguém hábil no relacionamento com os parlamentares, capaz de agregar maiorias em torno de suas propostas prioritárias de governo. Portanto, caso não ocorra um grande imprevisto, a PEC 241 será mesmo aprovada, a despeito da aguda rejeição de setores da opinião pública.
Nesse sentido, é importante destacar a oportunidade que acaba de se apresentar ao PT: o combate à PEC 241 pode se tornar uma bandeira positiva do partido para encerrar o catastrófico ano de 2016, abandonando assim o discurso estéril do “golpe” contra Dilma. Porém, nota-se apenas figuras esparsas do partido agindo nesse sentido. Melhor ainda para Temer.

Fracasso petista e o tabu da gestão

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 16/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O período pós-eleitoral vem sendo dominado pela constatação do naufrágio eleitoral do PT. Os números são chocantes: nacionalmente, o partido perdeu cerca de dois terços das prefeituras que havia conquistado em 2012, enquanto em Minas Gerais, recuou de um total de 114 cidades para apenas 37. Esse número ainda pode mudar pelo resultado do segundo turno em Juiz de Fora, onde a eterna postulante Margarida Salomão tenta reverter a enorme vantagem obtida pelo atual prefeito. Porém é pouco provável que algum entusiasta do PT termine 2016 comemorando.
Há marcas simbólicas no fracasso petista: pela primeira vez em muitos anos, não há prefeito do partido no Vale do Aço; outras cidades industriais, como Contagem e Betim, também registraram um desempenho pífio dos candidatos petistas, além de Belo Horizonte, onde o representante do partido ficou muito distante de passar para o segundo turno. As principais conquistas do PT mineiro em 2012, Uberlândia e Ribeirão das Neves, foram palco de intenso repúdio popular aos atuais prefeitos: ambos terminaram a disputa em terceiro lugar. Entre as maiores cidades mineiras, o PT apenas conseguiu eleger prefeitos em duas: Alfenas e Teófilo Otoni.
Essa tragédia não pode ser atribuída inteiramente à descoberta recente de esquemas de corrupção bilionários na gestão de empresas públicas, e que tinham como um de seus beneficiários principais a instituição do PT. Se assim o fosse, outros partidos que tiveram lideranças envolvidas nessa parceria criminosa não teriam obtido desempenho positivo no pleito municipal. A crise econômica, que teve efeito crucial para o afastamento de Dilma Rousseff, certamente desgastou a imagem petista, porém esse fato não se comunica diretamente com os temas locais que interessam na disputa pelas prefeituras.
É possível apontar que a decadência petista tenha ocorrido a partir da incapacidade de renovação do partido: diante de um cenário global negativo, o PT e seus filiados não foram capazes de oferecer algo novo ao eleitor, uma esperança que pudesse ser associada aos candidatos do partido. O antigo discurso da participação popular nas decisões da prefeitura, inovação petista do início da década de 1990, foi oferecido novamente ao público, indicando uma desconexão completa do partido em relação ao eleitorado. Não apenas esse tema não representa novidade, como também vem sendo utilizado por candidatos de outros partidos nas últimas eleições.
Mais incrível ainda é a forma como o PT se mantém refratário a novos temas, negando-se a abraçar propostas que compõem de fato as preocupações da população. A eficiência na gestão pública, por exemplo, persiste como um verdadeiro tabu entre as hostes vermelhas, o que sempre permite aos adversários apontar o PT como incapaz de cumprir suas inúmeras promessas de políticas sociais.
Em uma perspectiva ampla, o ocaso do PT pode ser muito mais creditado aos erros recorrentes de suas próprias lideranças, do que à tradicional “conspiração das elites capitalistas” contra o partido.

Pimentel em apuros: e o PMDB não virá ao seu resgate

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 09/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A notícia recente, de que o Governo de Minas Gerais suspendeu por alguns dias o repasse aos municípios da parte que lhes cabe do ICMS, surpreendentemente recebeu pouca atenção da imprensa. Para além das implicações financeiras, dramáticas em um período de crise, a inédita atitude do governo de Fernando Pimentel tem consequências políticas profundas e imediatas. Quando foram regularizadas as transferências financeiras, um grave dano à credibilidade do governador já havia surgido pois, tradicionalmente, a repartição dos impostos arrecadados é algo automático, independentemente de vontade política.
Na federação brasileira, é notória a fragilidade do município: responsável pelo maior número de serviços prestados para a sociedade, ao município brasileiro é reservada uma condição fiscal infeliz. Não só as prefeituras ficam com a menor fatia do bolo dos recursos públicos, como também a forma de se compor esses valores é problemática. Os impostos que podem ser diretamente arrecadados pelos municípios, como o IPTU e o ISSQN, demandam uma estrutura burocrática dispendiosa para serem cobrados. No caso do IPTU, é preciso pessoal técnico para estimar o valor de todos os imóveis da cidade, e assim estipular o valor do imposto a ser pago.
A maior fonte de receitas da maioria dos municípios acaba sendo, portanto, a fatia que lhes é devida dos impostos arrecadados pelos governos federal e estadual. O ICMS, por exemplo, é arrecadado pelos governos estaduais e repartido com seus respectivos municípios de acordo com as regras definidas por cada estado. O precedente aberto por Pimentel, de suspender a repartição do ICMS com os municípios, é grave pois não se trata de valores que chegariam a compor o orçamento estadual, de forma que o argumento da penúria do caixa mineiro não se aplica aqui.
Os prefeitos mineiros, não sem razão, foram tomados pelo pânico, e a incerteza jurídica do episódio deve tomar contornos políticos: especialmente em Minas, os prefeitos constituem a mais importante força aglutinadora de votos. Carentes de recursos, os prefeitos costumam apoiar governadores que os auxiliam na solução de seus problemas, pouco se ligando a alianças partidárias abstratas. Assim, Pimentel ficará sozinho em 2018 se os prefeitos não enxergarem nele um aliado capaz de amenizar suas agruras administrativas. A retenção da fatia do ICMS devida aos municípios, nesse sentido, indica exatamente o oposto: o governador petista se coloca como alguém capaz de gerar ainda mais dificuldades para os sofridos prefeitos mineiros.
O desgaste de Pimentel diante dos prefeitos dificilmente será amenizado pelo PMDB, que em 2014 foi um decisivo fiador do petista no interior. A preciosa capilaridade do PMDB, presente em todos os municípios mineiros, provavelmente não será colocada em risco em nome de uma aliança com o PT, que já desmoronou país afora. Além disso, os gravíssimos problemas de Pimentel com a justiça, além do desgaste nacional do PT, tornam o governador uma figura difícil de ser defendida.

Vem aí mais uma "reforma política"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 02/10/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Uma importante manchete estampará os jornais na semana pós-eleições: vem aí outra “reforma política”. Se não ocorrer imprevisto, o projeto de emenda Constitucional 36/2016 deverá ser votado no Senado nos primeiros dias úteis de outubro, com o objetivo de alterar novamente as regras eleitorais. A julgar pela articulação feita em torno da proposta por seus autores, os senadores Aécio Neves e Ricardo Ferraço, a aceitação por parte dos colegas deve ser rápida, encaminhando a matéria para a Câmara dos Deputados ainda em 2016.
São três os objetivos de tal projeto: endurecer as regras de fidelidade partidária, conter a proliferação de partidos políticos, além de proibir coligações partidárias para cargos de eleição proporcional (deputados e vereadores). Não há dúvida de que, tecnicamente, as medidas que compõem a PEC 36 são apropriadas para a finalidade desejada: dotar o sistema político brasileiro de coerência, dando aos partidos certa identidade ideológica e, assim, colocando as ideias no centro das coalizões políticas. Essa estratégia, não sem razão, parte do pressuposto de que muitos partidos políticos são guiados unicamente pelas possibilidades de ganhos eleitorais e materiais de seus líderes, o que os torna apoiadores políticos dispendiosos e, ainda assim, volúveis. Destacam-se, nesse contexto, os partidos de menor expressão, muitas vezes dispostos a abrigar figuras políticas famosas para se habilitarem a esse jogo.
Entretanto, é preciso ter em mente que sistemas eleitorais influem, mas não determinam a forma como se faz política em uma sociedade: as regras podem facilitar ou dificultar certas artimanhas utilizadas pelos políticos, porém a força determinante em última instância é a avaliação popular dos perfis e propostas apresentados nas urnas.
Por definição, a política é um processo de negociação coletivo para que sejam definidas as ações e prioridades do Estado. Essa dinâmica ocorre de várias maneiras, sendo a mais evidente a vigência do jogo eleitoral: serve como critério decisivo o número de apoiadores que se declaram em favor de cada plataforma. Em poucas palavras, enquanto persistir essa lógica, os valores e crenças da sociedade brasileira continuarão a se expressar claramente nas urnas, pouco influindo o conjunto de regras eleitorais em vigor. Enfim, muito pouco mudará na política brasileira se não mudar, em primeiro lugar, o próprio eleitor brasileiro.
A opinião pública brasileira reproduzirá uma falácia desgastada, se depositar suas esperanças na reforma eleitoral que está por vir. Isso porque não haverá mudança política no Brasil enquanto não for alterada a maneira como a sociedade percebe e participa das questões coletivas. A política, afinal, é reflexo da sociedade, de forma que as mazelas daquela têm raízes em cada indivíduo. Não há, portanto, uma fórmula eleitoral “mágica”, esperando para ser descoberta e testada em nosso país, que seja capaz de reparar a política brasileira. Apenas com engajamento e aprendizado coletivos haverá solução.

Por quê a reforma da Previdência?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 25/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Desde seus primeiros dias, o governo de Michel Temer vem se anunciando como disposto a enfrentar desafios impopulares para equacionar a falência do Estado brasileiro. A reforma previdenciária, dilema a assombrar os governantes das últimas três décadas, se destaca nesse contexto. Hoje, a crise econômica e o envelhecimento da população colocam combustível sobre a fogueira do déficit previdenciário, que vem queimando há décadas.
Porém, é importante destacar que embora estejam relacionadas com o funcionamento do Estado, as questões da previdência social e do colapso das contas públicas federais são problemas separados. O sistema previdenciário foi planejado para pagar aposentadorias e benefícios laborais, tendo por base a contribuição dos empregadores e dos trabalhadores. Ocorre que, quando receitas e despesas não coincidem, o Estado se vê obrigado a suprir o déficit, como forma de evitar que aposentados e demais beneficiários do sistema público sejam abandonados à própria sorte. Anualmente, algumas dezenas de bilhões de reais do orçamento federal são deslocadas para esse fim, deixando de ser empregados em usos como saúde ou segurança pública. Nos anos recentes, de arrecadação farta de impostos, a reforma previdenciária foi relegada a segundo plano, porém agora, o grave desequilíbrio das contas públicas fez com que o governo considerasse prioridade o estancamento desse sorvedouro de recursos orçamentários.
Mesmo assim, a associação entre crise econômica e déficit previdenciário não é necessariamente uma verdade completa. É certo que conter a sangria de recursos fiscais para o equilíbrio da previdência contribui para aliviar as contas federais. Porém, esse não é o único caminho possível, e nem o mais evidente: o corte das despesas de custeio federais tem sido mais retórico do que prático, ficando essas despesas ainda próximas do alto patamar do período petista. A proposta de uma emenda constitucional que restrinja o aumento de gastos federais no futuro, além de sujeita a questionamentos de ordem técnica, também só tende a fazer efeito dentro de alguns anos, quando fossem ocorrer hipotéticos aumentos de despesas. Há, assim, outros cortes de despesas a serem feitos, além da busca pela eficiência nas ações do governo federal, que ainda sequer foi aventada.
O fato é que a reforma da previdência foi eleita prioridade no ataque à crise por fatores políticos, mais do que por razões técnicas. Aqueles que teriam condições de se mobilizar contra tais medidas, como as maiores centrais sindicais, já fariam oposição a Temer de toda forma, dada a intimidade que mantinham com a finada gestão petista. Assim, há pouco risco político envolvido, já que o desgaste sofrido pelo governo seria praticamente o mesmo se não fosse tentada reforma alguma. Quanto aos candidatos à aposentadoria no futuro próximo, esses sofrerão em silêncio: vitimados por um governo indiferente, assim como por representantes que privilegiam o ativismo político em detrimento da defesa dos trabalhadores.

Calvário eleitoral petista será longo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O processo de impeachment de Dilma Rousseff avançou sobre o calendário eleitoral, tirando muito do espaço que as campanhas municipais deveriam ocupar no contexto político brasileiro. Há muito tempo a política nacional não estava tão presente no dia a dia do cidadão médio, incitando discussões que em muito lembram as rivalidades futebolísticas. Nesse contexto, é lógico supor que os temas nacionais contaminem as disputas eleitorais municipais.
Sobre o PT, paira uma ameaça quase palpável. Por enquanto, essa força se materializa pelas medidas preventivas adotadas por candidatos petistas pelo Brasil afora: a tradicional estrela vermelha, ícone do partido desde os seus primórdios, praticamente desapareceu do material usado para divulgação em campanhas. O mesmo pode ser dito da própria imagem do ex-presidente Lula, que costumava ser inserida digitalmente nas fotos de panfletos de candidatos petistas para simular intimidade desses com o poder. Cores neutras e plataformas personalistas: essa estratégia de “contenção de danos”, adotada preventivamente por candidatos petistas em todo o país, precipita o relacionamento entre os ambientes políticos municipais e o nacional. Difícil pensar que prefeitos e vereadores petistas, que se elejam sob essa perspectiva, possam se converter em uma base sólida de apoio para o PT em 2018.
Os primeiros movimentos do PT como oposição indicam que os candidatos municipais que relutam em assumir sua vinculação com o partido podem ter tomado uma atitude acertada. Ao concentrar-se na retórica do golpe contra Dilma Rousseff, as lideranças petistas estão perdendo sintonia com a grande maioria da população, que se encontra aflita com os desdobramentos econômicos da crise. Tanto a impopularidade de Dilma, quanto o apoio à sua remoção do poder, têm bases claras na tragédia econômica que atinge milhões de famílias brasileiras; não custa lembrar que, em momentos de PIB generoso, a própria Dilma registrou os maiores níveis de aprovação popular desde a redemocratização.
Além de destoar dos anseios populares, o PT nacional tem se concentrado em uma mensagem puramente negativa: “ser contra” não se constitui como plataforma política, especialmente porque não ajuda o eleitorado a construir uma perspectiva positiva de futuro. A incitação à histeria coletiva, de que se vive hoje uma reedição de 1964, não tem significado para a população assalariada, que se amedronta mesmo diante do espectro do desemprego.
No passado, a oposição radical do PT ao Plano Real rendeu a Lula duas derrotas para Fernando Henrique Cardoso, ambas em primeiro turno. Apenas a adesão de Lula aos princípios básicos do Real, divulgada em carta durante a campanha de 2002, foi capaz de colocar o petista na disputa pelo poder. Considerando o gosto com o qual as lideranças petistas agora insistem na temática do golpe praticado contra Dilma, é possível prever que voltaram os tempos nos quais o PT se mostrava como o partido “do contra”. O calvário eleitoral dos petistas, assim, será longo.

A arte de vender vento: o PMDB sendo PMDB

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 11/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O encerramento do processo de impeachment de Dilma Rousseff deixou no ar uma sensação estranha: o fracionamento da votação final, entre a cassação do mandato presidencial e a inabilitação de Dilma para ocupar cargos públicos, foi a grande surpresa da sessão de 31 de agosto do Senado, à qual se acresceu a vitória da ex-presidente no segundo pleito. Esse episódio, que promete gerar consequências pelos próximos meses, é ilustrativo para evidenciar a natureza mais intrínseca da política.
Responsável por tornar possível a vida em conjunto, a política é obrigatória sempre que se pretende tomar uma decisão; afinal, como espécie, evitamos viver sozinhos e, ao mesmo tempo, não temos condições de subjugar os demais à nossa vontade. Humanos estão envolvidos na política desde a infância: demandam, argumentam, escolhem, exigem, cedem e, em algum momento, aceitam os termos de um acordo final. Assim, os acontecimentos aparentemente corriqueiros do dia a dia são fruto de milhões de negociações e decisões que são políticas em forma e conteúdo.
As habilidades requeridas pela prática da política são, dessa forma, instrumentos básicos para a existência humana. Quem não as aperfeiçoa, mesmo que dotado de boas intenções e motivações altruísticas, perecerá, sendo subjugado pelos mais hábeis na tarefa de conquistar o apoio dos demais. Esse fato, simples porém muitas vezes cruel, vem sendo pouco lembrado no Brasil.
Na política brasileira, o PMDB encarna perfeitamente a eficiência em vencer o jogo da política, e nada mais do que isso. Estatísticas sobre a hegemonia do PMDB desde a redemocratização de 1985 não cessam de ser divulgadas pela imprensa, surpreendendo aos muitos que ainda não haviam se dado conta de que esse silencioso reinado existia. O poder do PMDB advém, portanto, de sua simples capacidade de fazer política: oferece condições para que os diferentes governos viabilizem os mais tortuosos trâmites no Legislativo, um apoio praticamente irrecusável.
Um pouco dessa espantosa capacidade de articulação do PMDB veio à tona exatamente no episódio do fracionamento da votação do Senado em 31 de agosto: essa proposta criou um “ativo” político onde nada antes existia, e de repente, deu ao PMDB algo a ser oferecido a Dilma em seu momento de ocaso. O partido pintado como traidor pelos defensores da ex-presidente, com um rápido jogo de mãos, logrou se redimir parcialmente junto aos petistas que ainda lutavam pelo mandato da companheira.
A manutenção dos direitos políticos de Dilma Rousseff vem sendo brandida como uma vitória moral da ex-presidente, além de sinal de vacilação dos partidários do impeachment em relação à justeza da causa que apoiavam. O julgamento sobre a validade do fracionamento da votação no Senado, que terá início no STF, servirá para manter à tona o assunto da cassação de Dilma por mais alguns meses, prolongando a dúvida sobre o “pecado original” que marca o início do Governo Temer. O PMDB, afinal, não negou sua natureza: “vendeu vento”, e mais uma vez fez lucro.

Anatomia de uma tragédia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/09/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O julgamento de Dilma Rousseff no Senado Federal não trouxe qualquer novidade em relação ao processo que o antecedeu. Acusação e defesa circularam em torno dos mesmos argumentos, repetindo-se até nos enredos emocionais dos quais se utilizavam para cativar a opinião pública. Essa monotonia de ideias e discursos, entretanto, traz em si a chave para a compreensão da dinâmica que levou ao afastamento de Dilma da vida pública.
Tanto Dilma quanto seus apoiadores, fizeram uso da palavra com vários objetivos, exceto a busca pela conciliação com seus adversários. A retórica petista buscou levantar o apoio da opinião pública, atrair movimentos sociais para as ruas, apresentar os avanços sociais realizados pelas administrações petistas e, de sua forma peculiar, defender-se das acusações que embasavam o processo de impeachment. Porém, não se registrou iniciativa voltada para cativar os senadores a votar pela continuidade do governo de Dilma Rousseff. O que deveria ser o cerne da estratégia do bloco dilmista, a conquista de apoios em um processo político, foi deixado de lado em favor de uma série de fatores que não influiriam no resultado da votação.
A ideia de Dilma, propondo um plebiscito sobre a continuidade de seu próprio mandato, além de ter sido criticada pela direção nacional do PT, não dava aos senadores qualquer perspectiva de estabilidade a partir da qual esses pudessem planejar o futuro. Assim, afastou apoios ao invés de agrega-los.
O descompasso entre Dilma e o ambiente político está latente há anos: em 2012, na cerimônia de encerramento do maior evento municipalista do país, Dilma reagiu rudemente aos tradicionais pedidos por mais recursos do governo federal, o que motivou uma sonora vaia. Sendo os prefeitos os principais cabos eleitorais do Brasil, Dilma nesse momento ganhou a antipatia de mais de três mil prefeitos, de um total de 5.570 existentes no país.
Outro episódio marcante ocorreu nos anos de 2013 e 2014, quando os deputados federais passaram a externar com força sua insatisfação pelo atraso no pagamento de suas emendas parlamentares pela administração de Dilma. Ponto mais sensível para a carreira dos parlamentares, as emendas são a forma através da qual esses podem determinar a realização de benesses em regiões específicas, geralmente aquelas nas quais se pretende obter boas votações no futuro. A eleição de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados, portanto, foi consequência da antipatia que o legislativo nacional já alimentava contra Dilma.
Citado nominalmente por Dilma como culpado pelo processo de impeachment, Eduardo Cunha foi tudo o que a miopia política da ex-presidente a permitiu ver. Reconstituindo os fatos, é possível supor que o que mais faltou a Dilma em seus anos de poder foi humildade, não só para conciliar interesses políticos divergentes, como também para ouvir seus aliados, conselheiros e amigos mais próximos. Afinal, isolamento e solidão, sejam eles pessoais ou políticos, não acontecem repentinamente e nem por acaso.

Saudades da ditadura

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Berlim, capital da Alemanha, é tida por muitos hoje como a mais vibrante cidade do mundo. De fato, dados recentes sobre a Alemanha são impressionantes, e Berlim parece sumarizar tudo isso: crescimento econômico ininterrupto, contas públicas equilibradas, continuidade entre as nações mais ricas da terra, políticas sociais que garantem o bem-estar da população e, contrapondo-se ao resto do mundo, houve a absorção e integração de mais de um milhão de refugiados apenas em 2015.
Mesmo assim, um rápido passeio que vá além dos roteiros turísticos de Berlim permite que se perceba algo curioso: a cidade mais superlativa do mundo vive uma onda de nostalgia pelo período em que existia a República Democrática Alemã, país de regime unipartidário comunista, vinculado diretamente à União Soviética, que existiu formalmente entre os anos de 1949 e 1990.
O Estado comunista alemão é tema de um museu permanente em Berlim, além de ter seu cotidiano como inspiração para uma exposição temática em outro centro cultural. Filmes recentes sobre o finado regime fogem do lugar comum de retratar a opressão política para focar sobre histórias pessoais com nítido toque de saudosismo. Esse movimento pode ser explicado parcialmente por questões geracionais, uma vez que as últimas pessoas com lembranças claras da vida na Alemanha Oriental chegam agora ao poder. Porém, mais curioso é perceber que a Alemanha Oriental foi governada por uma das mais opressivas ditaduras das quais se teve registro. Por exemplo, o serviço de inteligência mantinha até mesmo um departamento dedicado à análise do lixo das pessoas, como forma de exercer vigilância sobre toda a sociedade.
O Brasil também tem considerável apego à ditadura militar que durou de 1964 a 1985. Caso mais intenso que o alemão, por aqui até mesmo aqueles nascidos após o fim do regime suspiram saudades por ele, como se percebe pelas sucessivas gerações que lotam os shows de Chico Buarque, na esperança de que seus versos anasalados, símbolos da oposição à ditadura, os façam viajar no tempo.
O ponto principal das ditaduras do passado é que essas compõem um assunto cuja discussão permite a todos estar certos, de acordo com determinado ponto de vista. No Brasil, os saudosos da ditadura destacam o crescimento da economia e as obras de infraestrutura, deixando de lado a enorme conta legada para a população na década seguinte.
Já a esquerda tem saudades infinitas de quando combater a ditadura era a única atitude correta que se poderia ter. Dilma Rousseff, por exemplo, recorda esse período sempre que fala, convenientemente sonegando o fato de que pretendia apenas substituir uma ditadura por outra, de viés comunista.
Perceber a centralidade que a ditadura ainda ocupa na vida política e social do Brasil indica o quanto nosso debate coletivo está defasado. As manifestações gigantescas de 2013 e 2015 demandam o futuro, enquanto as diferentes lideranças políticas permanecem voltadas para o passado, ao som de acordes que se repetem como um disco arranhado.

Uma eleição no varejo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O cenário político em Belo Horizonte é, hoje, incomum: com 12 candidaturas confirmadas pelas conferências partidárias, e uma já abortada, o contraste em relação aos pleitos recentes é nítido. Antes, havia disputa entre blocos nítidos de poder, já hoje a fragmentação é regra. Mais do que isso, a nova legislação eleitoral impõe obstáculos adicionais aos candidatos: campanha mais curta, limitações à propaganda eleitoral gratuita e restrições às doações são os mais evidentes. Acostumados a pedir votos com ajuda de grandes veículos de mídia, plataformas de comunicação de massa e orçamentos vultuosos, os candidatos ao posto maior do Executivo local encaram agora o desconhecido.
A aposta nas redes sociais tem se destacado como preferência de alguns candidatos, sobretudo através de vídeos de curta duração. Mas é preciso notar, entretanto, a ausência de importantes nomes na utilização desse expediente, o que indica que sua escolha não é consenso.
O desafio de se alcançar o eleitor, o mais tradicional da democracia, persiste. As lições para superá-lo podem vir de onde a política eleitoral preserva suas características mais vivas: as pequenas cidades. Nesses colégios eleitorais, que contam com poucos milhares de eleitores, os principais fatores para a conquista do voto são a confiança e o contato pessoal, ambos intimamente vinculados. Votar, e mais do que isso, confiar em um desconhecido estão praticamente fora de questão nesse ambiente; esse obstáculo só se contorna quando o candidato forasteiro é endossado pessoalmente por alguma liderança já respeitada pela comunidade. Assim, mídias sociais e propaganda eleitoral gratuita podem até contribuir para reforçar atributos do candidato, porém com certeza não são decisivos na hora de conquistar votos.
Para reproduzir tal dinâmica nas grandes cidades, primeiro será demandado um incrível esforço físico dos candidatos a prefeito, movimentando-se para encontrar pessoalmente o maior número possível de eleitores, em uma estratégia para fomentar a confiança interpessoal. Porém, nem mesmo os mais dispostos seriam capazes de se encontrar pessoalmente com centenas de milhares de pessoas em pouco mais de dois meses, quanto mais de conquistar o respeito e admiração desses.
O caminho mais viável, portanto, seria o de fazer uso da capilaridade típica das campanhas para o Legislativo municipal, contando com o apoio massivo de vereadores em busca de reeleição e das centenas de outros candidatos para esse posto. Uma vez que, nem sempre as coligações partidárias para o Legislativo são construídas ou mantidas com rígida observância aos acordos partidários formais, é possível prever que seriam então as articulações pessoais de cada candidato a prefeito as responsáveis por uma campanha eleitoral de sucesso.
Quem souber se coligar, portanto, terá vantagem significativa na campanha atual. Já os candidatos a prefeito que se fiarem apenas em instrumentos de campanha massificados ou estruturas partidárias, podem ser negativamente surpreendidos.

Nós e eles: uma visão do Brasil

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, o comediante britânico John Oliver, em seu programa de humor político em uma emissora norte-americana, dedicou bastante atenção à declaração da presidente afastada Dilma Rousseff na qual ela justificava sua ausência da cerimônia de abertura das Olimpíadas no Rio de Janeiro. Oliver descobriu algo que já é público e notório no Brasil há alguns anos: a falta de nexo das falas de Dilma, que constitui fonte inesgotável de material para piadas. No caso em questão, a presidente afastada se comparou a uma famosa personagem de conto de fadas, se confundindo depois sobre o enredo dessa história e comprometendo totalmente a analogia inicialmente pretendida, para deleite do humorista.
Dificilmente o Brasil recebeu tanta atenção da imprensa internacional como nos últimos meses. Desde a crise econômica e política que culminou com a mudança de governo em maio, passando pelo surto do vírus zika e até a preparação e realização das Olimpíadas, tudo o que ocorre por aqui tem gerado interesse no exterior. Nesse sentido, o patente sucesso representado pela cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos serviu para mudar o humor geral predominante em vários países a respeito do Brasil, que era marcado por desconfiança. Logicamente, essa súbita lua de mel não impediu que os correspondentes estrangeiros se assustassem, por exemplo, com o hábito nacional de gritar e vaiar em exagero quando assistindo a competições esportivas: o que foi visto por muitos como deselegância, para nós representa a liturgia de um momento extremamente importante para o imaginário nacional.
Para além do inusitado da situação, é interessante o debate que ela proporciona: a maneira como somos vistos no exterior cada vez mais tem gerado debates aqui no Brasil. Seriam justas as críticas dos estrangeiros, fruto de simples incompreensão, ou seriam mesmo válidas para nos atentar sobre mazelas que nos acostumamos a ignorar? Em todo caso, o certo é que estamos vencendo mais uma etapa para superar o histórico isolamento brasileiro em relação ao resto do mundo.
A história nacional é marcada por longos períodos de afastamento em relação ao resto do mundo, o que fez que víssemos sempre com um misto de estranhamento e fascínio aquilo que vinha de fora. Desde o período colonial, quando Portugal controlava estritamente a entrada e saída de pessoas e coisas do Brasil, até a segunda metade do século XX, quando era restrita a importação de produtos por motivos de política industrial e falta de divisas, nossa distância em relação aos demais países sempre foi muito mais do que geográfica.
Assim, a colocação do Brasil no centro das atenções produz uma mudança importante na opinião pública nacional: não apenas nos descobrimos capazes de ser protagonistas no mundo, como também somos equiparados aos demais povos, dignos de críticas e elogios. Definitivamente, dois lugares-comuns extremos estão deixando de existir: Deus não é mais “exclusivamente brasileiro”, assim como também não somos os vira-latas da matilha mundial.

Na Turquia, golpe é golpe mesmo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/08/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O golpe militar que sacudiu a Turquia em 15 de julho ainda tem ocupado as manchetes em todo o mundo. Não apenas pela farta cobertura proporcionada por smartphones e redes sociais, mas principalmente pela violência dos insurgentes, que fizeram uso de tanques de guerra e bombardeios aéreos nas maiores cidades do país. Em 24 horas a rebelião estava contida, mas as reflexões apenas começando: para os brasileiros, interessa bastante discutir o conceito de golpe, palavra muito usada por aqui nos últimos meses.
Em comunicado divulgado nas primeiras horas da rebelião turca, os militares que desencadearam a ação acusaram o presidente Recep Erdogan de ameaçar a democracia para se perpetuar no poder, limitando a liberdade de imprensa, intimidando o judiciário e as universidades que lhe foram críticas, além de patrocinar mudanças profundas na constituição turca que o favoreceram imensamente. Nada poderia estar mais correto, uma vez que a trajetória de Erdogan no poder vem preocupando líderes mundiais já há alguns anos. Já vão longe os anos 1990, quando os eleitores turcos puderam eleger a uma mulher como primeira-ministra de seu país, e o discurso islâmico tinha papel bastante periférico na política. Não por acaso, os articuladores do golpe de Estado de 15 de julho também apontaram a crescente presença da religião na política e na vida do Estado como um dos riscos próprios do governo Erdogan, contrário ao secularismo historicamente valorizado pelos turcos.
A validade dos argumentos dos militares golpistas, entretanto, não os justifica. Um brutal golpe de Estado não se torna menos mal por ter sido realizado contra um outro mal. No Brasil de 1964, o golpe militar buscava trazer estabilidade a um país à beira do colapso social, comandado por um dos presidentes mais inábeis e frágeis da história brasileira. Nem por isso, nossos 21 anos de ditadura foram menos duros, ou o rompimento da institucionalidade perdeu seu caráter golpista.
Contido o golpe turco, Erdogan agora parece referendar os argumentos de seus adversários: realiza detenções aos milhares, principalmente de figuras que não parecem estar tão diretamente ligadas ao complô, como professores universitários, juízes e promotores. Além do fechamento de jornais, revistas e emissoras de televisão, também foi anunciada pelo presidente turco a elaboração de uma nova constituição. Erdogan, portanto, está ampliando rapidamente seu controle político sobre a Turquia, acelerando o processo do qual já vinha sendo acusado há alguns anos.
O dilema cruel da Turquia, entre o golpe gradual de Erdogan e o golpe instantâneo dos militares, não guarda qualquer semelhança com a política brasileira atual. Liberdades de imprensa e do Judiciário permaneceram intocadas por aqui, ao mesmo tempo que a legislação aplicada contra Dilma Rousseff já existia há muitos anos. Portanto, chamar por golpe o naufrágio político do PT não passa de uma tentativa de se transferir a outros a culpa por seus próprios erros, tanto políticos quanto criminais.

Nadando contra a correnteza: o desenvolvimentismo mineiro

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/07/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O recente passamento do ex-governador Rondon Pacheco ensejou uma série de retrospectivas de sua trajetória política e administrativa; seu papel fundamental na instalação da indústria automobilística em Minas Gerais foi sempre destacado. Outro fato, divulgado ao mesmo tempo, foi a queda de 25,4% na venda de veículos novos no primeiro semestre do ano, em comparação com 2015. Aparentemente desconexas, tais informações em conjunto ilustram a importância que a indústria automotiva ganhou na economia brasileira nos últimos anos, sendo hoje um dos principais termômetros da crise atual.
Governador de Minas entre 1971 e 1975, Rondon Pacheco foi eleito de maneira indireta pelos deputados estaduais. Afinal, eram os piores anos da ditadura, durante os quais o voto direto só era permitido para o legislativo e para o comando de pequenas e médias cidades. Independentemente da forma como chegou ao poder, Pacheco fez uso desse para colocar em prática um importante programa de dinamização da indústria mineira, crucial para que o estado mantenha até hoje o posto de segundo maior polo industrial do Brasil. A implantação da indústria automotiva foi, na verdade, o ápice de uma estratégia mais ampla.
A fórmula utilizada por Rondon Pacheco não era novidade, pois já vinha sendo utilizada intensivamente no país desde meados da década de 1950. Trata-se do receituário tradicionalmente conhecido como desenvolvimentismo, que ganhou contornos mais precisos após ser sistematizado no final dos anos 1940 pelos economistas da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão da ONU. Com adaptações nacionais, tal roteiro econômico incluía a concessão de benefícios fiscais às indústrias estrangeiras que se instalassem no país, proteção dessas contra a concorrência de produtos importados e, com frequência, a própria participação do Poder Público como financiador ou sócio desse tipo de empreendimento industrial. O sucesso dessa estratégia no Brasil foi retumbante, sobretudo a partir do governo de Juscelino Kubitschek, durante o qual o país se tornou uma nação industrial.
É importante destacar, entretanto, que o desenvolvimentismo no Brasil teve um componente político pouco lembrado em sua origem: em acordo com a elite política paulista para garantir a governabilidade de sua gestão, Kubitschek concordou em concentrar em São Paulo a onda de indústrias que era atraída ao Brasil. Iniciativas como a de Pacheco, duas décadas depois, tiveram o incalculável mérito de contrapor a perversa tendência de concentração da riqueza industrial na capital paulista. O desenvolvimentismo mineiro, quase sempre implementado com pouco apoio do Governo Federal, se destaca não apenas pela autonomia, mas também pela tenacidade em lutar para evitar que Minas naufragasse na pobreza.
É fato que a luta autônoma pelo desenvolvimento de Minas não começou e nem terminou com Rondon Pacheco, mas esse governador sem dúvida foi um de seus destaques. Que seu exemplo inspire a atual geração de gestores públicos mineiros.

Márcio Lacerda e os tucanos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/07/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As articulações para composição das chapas que disputarão as eleições de outubro em Belo Horizonte finalmente estão ganhando corpo. Às vésperas do início do período das convenções partidárias, as polêmicas começam a chegar às manchetes, dividindo espaço com as reviravoltas de Brasília. O destaque cabe ao prefeito Márcio Lacerda, que apontou seu sucessor preferido ao lançar a candidatura de Paulo Brant ao comando da capital pelo PSB, causando certo alvoroço na coalizão governista. Esse movimento, mesmo que não venha a se consolidar em candidatura ou vitória eleitoral, representa muito mais do que uma simples barganha pela liderança da chapa situacionista: deixa exposta a mudança na estrutura do poder político em Minas Gerais, que começou a se desenhar na derrota tucana de 2014.
É forçoso reconhecer que o PSDB tem demonstrado persistente indecisão na escolha de um nome de destaque para figurar como pré-candidato da legenda ao comando da capital mineira. Nem mesmo a presença esporádica do senador Aécio Neves foi capaz de dar rumo às discussões internas dos tucanos. O anúncio da pré-candidatura do deputado João Leite, nesse sentido, parece ter sido muito mais uma resposta ao movimento de Márcio Lacerda em consagrar Paulo Brant, do que fruto do apaziguamento no ninho dos tucanos. Afinal, experiente nas urnas, o nome de João Leite sempre esteve em voga, e mesmo assim não conseguia superar as fortes resistências no seio do partido.
Uma primeira visão leva a crer que a ação independente do PSB e de Márcio Lacerda poderiam ter tido como motivação a própria lentidão dos tucanos em escolher um rumo político próprio. Porém, seguindo tal raciocínio, a escolha do PSDB por João Leite tenderia a resolver a situação, provavelmente acomodando Brant no posto de candidato a vice-prefeito.
Entretanto, há motivos para supor que a questão é mais profunda. A derrota do PSDB em Minas no pleito de 2014 foi arrasadora. Para piorar, o senador Aécio Neves se afastou quase completamente da política mineira, tornando-se figura rara nas Alterosas; isso contribuiu para desmotivar ainda mais sua vasta rede de apoiadores, tanto em Belo Horizonte quanto no interior. O patrimônio político construído pelo PSDB ao longo de 12 anos de governo ficou exposto, pronto a ser tomado por quem percebesse a oportunidade; assim passou a agir Márcio Lacerda, que se lançou em incursões pelo interior a partir de 2015, em busca de aliados entre os órfãos da derrocada do PSDB.
O distanciamento entre Lacerda e os tucanos, portanto, parece indicar muito mais do que uma desavença conjuntural: é possível supor que o prefeito da capital tenha decidido tomar a liderança da coalizão, e não simplesmente rompê-la. Aos tucanos, hoje, Márcio Lacerda parece ter deixado a opção de seguir como coadjuvantes na aliança que já lideraram no passado, ou enfrentar de forma desarticulada à formidável máquina política que o PMDB, força principal do atual governo mineiro, vem estruturando por todo o estado. É pegar, ou largar.

Vem aí um novo Lula

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/07/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A continuidade da operação Lava Jato tem revelado um número cada vez maior de partidos e lideranças políticas envolvidas no desvio de recursos públicos. Entretanto, o Partido dos Trabalhadores segue firme como a agremiação que mais intensamente tomou parte nos ilícitos até agora apurados, com três de seus ex-tesoureiros atrás das grades. Assim, é inegável que o maior dano político será mesmo sofrido pelo PT.
As eleições municipais devem fornecer uma prévia de como o PT foi afetado, porém as atenções se voltam mesmo para a perspectiva de 2018. O ex-presidente Lula, que cada vez assume mais a postura de candidato, representa uma grande incógnita: teria seu carisma pessoal sobrevivido à passagem do tempo, à crise econômica, às investigações ligadas a seu nome e ao profundo desgaste que aflige seu partido?
É fato que, no universo da política, dois anos representam um prazo muito longo para se fazer previsões. Porém, é possível saber muito a partir da estratégia adotada pelas partes envolvidas, e nesse sentido, Lula já está indicando muito de seu jogo. O primeiro elemento é seu distanciamento em relação a Dilma Rousseff: desde antes do afastamento dessa, Lula já direcionava críticas à política econômica do governo, algumas bem incisivas. Agora, se limita a vagas promessas de “não abandonar” Dilma, destituídas da eloquência típica dos seus discursos. A estratégia por detrás desse movimento é simples: evitar a contaminação de seu nome pela impopularidade de Dilma. Tem potencial para funcionar, principalmente se a nova equipe econômica falhar em gerar crescimento e empregos.
A novidade, portanto, reside no plano de Lula para lidar com o desgaste da imagem do PT. Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, desfiando um rosário de críticas ao presidente interino, Lula afirmou que Michel Temer tem feito mudanças profundas em seu curto período de governo, comparando-o pejorativamente a “Fidel Castro e seus guerrilheiros”, que tomaram o poder e lá estão “há 70 anos”. A referência de Lula ao regime cubano de maneira negativa, associando-o a seu maior rival político da atualidade, representa um indício importante da estratégia que o ex-presidente pretende seguir em 2018.
O afastamento que Lula sinaliza em relação ao regime cubano, ícone mais estimado pela esquerda brasileira, pode representar uma tentativa de preservar sua imagem pessoal em meio ao colapso do discurso eleitoral petista. Dotado de sensibilidade política, Lula parece ter percebido que talvez o público brasileiro tenha se fartado da retórica típica da esquerda, tornando-a um empecilho a seu retorno à Presidência: sob essa ótica, é provável que o populismo baseado em programas sociais já não produza apelo popular como na década passada.
Lula, assim, pode estar articulando uma profunda reinvenção de sua imagem política, divorciado da esquerda e talvez até do próprio PT. Faz uso de sua força política e de seu carisma pessoal para se adaptar ao novo cenário político brasileiro que se desenha nos últimos anos.