por Paulo Diniz
(publicado na edição de 11/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Clássico
da animação, Fantasia foi uma das obras que mais ajudou a consolidar os
estúdios de Walt Disney. Lançado em 1940, o filme gira em torno de um Mickey
que se cansa de suas árduas tarefas como auxiliar de um mago, e decide assumir
as funções de seu patrão quando esse está ausente. Incapaz de lidar com os
poderes que evoca, Mickey causa um caos tremendo, que só é contido quando o
mago retorna. Mesmo sendo uma analogia infantil, é impossível não tê-la em
mente diante dos acontecimentos recentes relacionados com as medidas
anticorrupção que tramitam no Congresso.
Elaborado
pelo Ministério Público Federal entre 2014 e 2015, o conjunto de dez medidas
contra a corrupção chegou à Câmara dos Deputados em março de 2016, na forma de
um projeto de iniciativa popular subscrito por mais de dois milhões de
brasileiros. Esse tipo de apoio popular foi obtido a partir de ampla
mobilização da sociedade civil, assim como por intensa atividade nas redes
sociais. Mais do que isso, a iniciativa do MPF veio de encontro a uma demanda
social urgente: a erradicação da corrupção do meio político. Como explicar,
portanto, o tratamento dado pelos deputados a tal projeto de lei?
O
interesse corporativo é o primeiro elemento: os deputados, muitos com
pendências legais, agiram em defesa própria ao descaracterizar a proposta
original do MPF, transformando-a em um instrumento de coação do Judiciário e do
próprio Ministério Público. Porém, tal ação corporativa dos parlamentares não
explica tudo, pois a pressão política que acompanha projetos de lei de
iniciativa popular costuma intimidar bastante os detentores de mandato eletivo,
sempre preocupados em serem reeleitos.
A
explicação para o ocorrido com o projeto de lei de combate à corrupção reside
mais no próprio MPF do que na Câmara. Assim como no filme de Disney, o MPF
evocou forças políticas poderosas, sem que tivesse o conhecimento ou o cuidado
necessários para conduzir um processo político dessa envergadura.
O
momento político vivido pelo Brasil é marcado por tensão, instabilidade e
extremo desgaste emocional por parte dos parlamentares. Esse contexto é
desaconselhável para se propor mudanças na estrutura do relacionamento entre os
poderes Legislativo e Judiciário, especialmente quando as tensões tendem a
subir ainda mais com a revelação dos mais de 200 nomes dos beneficiados pela
empreiteira Odebrecht.
Quando
o MPF propõe que sejam mudadas as regras do jogo, enquanto esse ainda está em
andamento, não só revela ausência de senso de oportunidade, como também uma
incrível falta de noção de estratégia. Tendo seus oponentes acuados no campo
jurídico, o MPF transferiu a iniciativa para o âmbito da política, criando uma
formidável chance de revide para os deputados.
A
soma de toda essa insensatez, agora, está nas mãos do Senado, cujo presidente
acaba de se tornar réu por corrupção. A sociedade se mobiliza novamente, agora
para tentar reverter o retrocesso aprovado pela Câmara. Infelizmente, não virá
um mago para recolocar tudo em ordem.