quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Legalismo aparente

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/08/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O noticiário internacional do mês de agosto proporcionou valiosa lição de política internacional. O refúgio do jornalista Julian Assange, criador do site Wikileaks, na embaixada do Equador em Londres atraiu os olhos do mundo. Porém, o destaque maior veio da ameaça do governo britânico de invadir tal embaixada para prender Assange, se assim achasse necessário. Toda a intensa reação internacional, evocando tratados que protegem a inviolabilidade das representações diplomáticas, foi friamente respondida pelos britânicos com a afirmação de que há uma lei de seu país que permite tal tipo de ação.
Propositalmente ou não, o argumento dos britânicos resume uma lição fundamental das Relações Internacionais: o interesse político de cada país é a principal força do sistema internacional, ditando a conveniência de se obedecer aos acordos firmados entre as nações. Três séculos e meio de estudos no campo da Ciência Política dão lastro a essa visão.
O Direito Internacional, disciplina repleta de belos princípios, carece de um organismo dotado de força, que possa colocar em prática suas decisões. Diferente do ambiente interno de cada país, marcado por um governo que impõe o cumprimento das leis através da força policial, todo ordenamento de caráter jurídico internacional depende da vontade política das partes envolvidas, para que tenha efetividade. Assim, o resultado final não deriva de uma hipotética força própria da lei, mas sim da combinação de variáveis táticas e estratégicas que, analisada pelos governos envolvidos, compõe a conjuntura internacional do momento.
O Direito Internacional fornece baliza importantíssima no cenário político mundial: em relação a suas disposições, pode-se perceber o interesse geral dos países em cumprir, ou não, com a palavra formalmente empenhada. Porém, acreditar que seus princípios e produtos têm força própria, capaz de tolher os Estados na busca de seus interesses, significa abdicar da visão e análise políticas, cruciais para a sobrevivência em um ambiente internacional hostil. Ao longo da história, a sobrevalorização daquilo que é formalizado no papel tem sido a base de um autismo político arriscado, responsável pela crença, por exemplo, de que compromissos legais seriam suficientes para conter a Alemanha nazista na Europa da década de 1930.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Para quem torcer nas eleições norte-americanas?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/08/2012 do jornal Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Há um dito popular que afirma que o cargo de Presidente dos Estados Unidos concentra tanto poder, que na escolha de seu ocupante deveriam votar cidadãos de todo o mundo. Apesar do poderio norte-americano estar  em  franca redução ao longo dos últimos anos, não há como negar que os EUA ainda mantém o posto de nação mais influente do planeta.
A política externa brasileira tem reservado lugar de destaque às relações com os norte-americanos desde que o Império chegou ao fim. Principalmente no que tange ao comércio, tudo o que se refere aos EUA tem grande influência no Brasil. Uma vez que não podemos, como brasileiros, votar nas eleições presidenciais americanas de novembro, para qual dos atuais candidatos devemos direcionar nossa torcida?
A resposta de tal questão está relacionada com a forte tradição bipartidária vigente nos EUA: a oposição entre os partidos Democrata e Republicano é marcada pelas diferenças entre seus programas e estilos de administração. Desde a gestão da economia – mais intervencionista em governos Democratas – até a política externa – mais favorável às ações militares em administrações Republicanas – as diferenças entre os dois principais partidos norte-americanos são nítidas.
Seguindo a tradição de seu partido, o democrata Barack Obama deve muito de seu sucesso eleitoral ao pacote de medidas anti-crise que apresentou na campanha de 2008, e que vem conseguindo executar com resultados favoráveis. Para  o Brasil, apesar da clara redução no fluxo de comércio com os EUA devido à crise, o governo Obama tem sido bastante positivo.
O típico protecionismo comercial norte-americano foi reduzido em vários pontos importantes, com destaque para um dos produtos brasileiros que há mais tempo vinha sendo impedido de competir no mercado dos EUA, o suco de laranja. É simbólica de tal aproximação a flexibilização dos critérios de emissão de vistos para a entrada de brasileiros nos Estados Unidos. A abertura de consulados norte-americanos em Belo Horizonte e Porto Alegre, e mesmo a carismática visita de Obama em 2011 demonstram que, além da mudança no comércio, existe nos EUA um desejo de valorização das relações com o Brasil que não tem paralelo nas últimas décadas. Pensando como brasileiros, assim, devemos definitivamente torcer por uma vitória de Barack Obama.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Eleições em BH: O poder do "aqui e agora"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 23/08/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
 
           Discretos, objetivos e, de forma alguma, carismáticos: os candidatos que polarizam a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte têm bastante em comum. Diferente do embate de 2008, quando estilos pessoais radicalmente opostos se confrontaram, na atual eleição a sobriedade impera. Uma vez que Márcio Lacerda e Patrus Ananias são ambos desprovidos do dom de “incendiar as massas” de eleitores quando estão no palanque, o que cada um deles conseguir agregar à sua imagem fará toda a diferença nas urnas.
O principal trunfo da campanha de Patrus está estampado em todo o material de propaganda petista: o apoio da Presidente Dilma Rousseff e, principalmente, do ex-presidente Lula. São apoios de peso, voltados principalmente para potencializar o maior capital político de Patrus Ananias diante do eleitorado belo-horizontino: sua gestão frente à Prefeitura no início da década de 1990. Nesse sentido, a vantagem do petista sobre Márcio Lacerda é enorme, pois o principal aliado do atual prefeito, o Senador Aécio Neves, pouco tem se envolvido na disputa pelo comando da Capital mineira. Também no campo de Lacerda, o Governador Antônio Anastásia pouco fez além de bebericar um ou dois cafezinhos na Praça Sete, na companhia de seu candidato preferido.
           O eleitor belo-horizontino, entretanto, parece indiferente a tal jogo de forças: em sucessivas pesquisas eleitorais, tem demonstrado apoio significativo a Márcio Lacerda. Uma explicação bastante sensata parece vir do poder que o eleitor atribui ao “aqui e agora”, ou seja, aquilo que se pode ver, sentir e experimentar imediatamente. A grande quantidade de obras realizadas em Belo Horizonte hoje oferece ao cidadão uma imagem muito nítida como poderá vir a ser um segundo mandato de Márcio Lacerda; uma visão naturalmente associada às idéias de progresso e dinamismo.
          A administração de Patrus Ananias à frente da Prefeitura de Belo Horizonte representa, para a maioria das pessoas, um conceito distante da realidade atual: uma inovação como o Orçamento Participativo, por exemplo, só é valorizada por quem vivenciou sua construção de perto. Querer que, para o eleitor, o passado seja mais empolgante que o futuro é, sem dúvida, um exercício de auto-ilusão. No mesmo sentido atuam os apoios de Dilma e Lula, notórios por negarem durante uma década a realização do maior sonho do belo-horizontino, a ampliação do metrô; pior, a dupla de presidentes petistas privilegiou, nesse período, o financiamento de obras semelhantes em várias outras cidades brasileiras, e até na Venezuela.
   
         É bom lembrar que as eleições municipais têm um caráter marcadamente gerencial, sendo relativo o valor de trunfos políticos, históricos e simbólicos. Vivendo o dia-a-dia da cidade, o eleitor belo-horizontino parece basear suas expectativas nos problemas concretos que enfrenta, construindo sua opinião com muito pragmatismo. Em suma, trata-se de um jogo no qual os “coringas” políticos têm poder limitado, sobretudo se confrontados com tratores e rolos-compressores.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O Brasil como ator mundial

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/08/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)


O governo do Haiti solicitou, e foi atendido em julho, assistência formal do Brasil para reconstruir suas forças armadas. Um pacote de medidas de apoio está sendo negociado, a partir da condição brasileira de que os novos militares deverão ser estritamente profissionais, desligados do turbulento cenário político haitiano, e que possam assumir as tarefas hoje desempenhadas pelos soldados da ONU presentes no país.
Comandante da missão das Nações Unidas por ter contribuído com o maior contingente militar, o Brasil não recebeu o pedido haitiano por acaso. Quando a política externa brasileira passou a buscar horizontes mais amplos, sobretudo na década de 2000, não só começaram a surgir compromissos de tipos distintos, como também novas oportunidades políticas e comerciais. Interessante destacar a maturidade da sociedade brasileira para aceitar tal cenário, principalmente em comparação com o ano de 1999, quando houve repúdio generalizado ao envio de um grande contingente brasileiro para a pacificação do Timor Leste.
Faz parte também da nova postura brasileira no mundo o plano de recuperação da indústria bélica nacional, uma série de medidas de incentivo lançada em setembro de 2011 pelo Governo Federal. Grande exportadora nas décadas de 1970 e 1980, a indústria de armamentos brasileira chegou a figurar entre as dez maiores do mundo, abastecendo conflitos como a Guerra Civil de Angola e a Guerra Irã-Iraque. Recuperar o poderio militar brasileiro significa, assim, voltar ao centro do debate sobre a responsabilidade da indústria armamentista na construção da miséria humana.
Não há dúvida quanto ao valor humanitário do trabalho que as tropas brasileiras cumprem no Haiti, principalmente após o terremoto de 2010, quando dobramos o número de soldados para auxiliar as vítimas da tragédia. Também não se pode questionar os ganhos políticos, pois o Brasil é cada vez mais visto como referência por muitos países. Porém, é preciso que a sociedade brasileira participe do debate acerca dos efeitos colaterais dessa nova forma de se posicionar diante do mundo, pois corremos o risco de trocar os valores pacifistas, tão caros a nosso povo, por ganhos econômicos limitados e passageiros. Vale lembrar que, até hoje, a paz tem sido o principal capital político do Brasil diante do mundo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Eleição saudosista

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/08/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

           Quando surgiu no cenário político brasileiro, em pleno processo de redemocratização, o Partido dos Trabalhadores podia ser descrito através de uma palavra: esperança. Repleto de novos nomes e propostas de mudança, o PT foi a grande novidade no panorama partidário brasileiro, quando esse ressurgiu do bipartidarismo artificial imposto pelo regime militar. A atuação do PT na política brasileira representava, muitas vezes, um contraponto indispensável para a evolução das instituições democráticas nacionais: o partido sempre reforçava o lembrete de que havia uma outra forma de se proceder em relação à coisa pública, colocando-se como alternativa ao passado de práticas clientelísticas que marcava a política brasileira.
Quando assume o Governo Federal, em 2003, o PT alcança seu ápice político, deixando para trás o tempo em que era apenas uma promessa. A busca de um novo discurso para o partido deveria ter sido iniciada nesse exato momento, mas isso não ocorreu. Parte considerável do PT se entregou a um pragmatismo sem limites, afirmando ser esse uma parte importante da concretização das esperanças de outrora. Porém, outra parte dos petistas preferiu não abandonar sua “zona de conforto” tradicional, o histórico discurso da esperança.
As eleições de 2012 mostram nitidamente essa tendência. Em São Paulo, o ex-presidente Lula se aliou ao mais simbólico adversário do PT na cidade com o intuito de eleger um de seus protegidos; longe da esperança, o objetivo é a vitória. Belo Horizonte, por sua vez, ilustra o extremo oposto: o candidato Patrus Ananias é símbolo de uma época em que o PT dava seus primeiros passos concretos, conquistava suas vitórias iniciais, alimentando a esperança de que um dia poderia vir a transformar o Brasil.
O tão comemorado consenso do PT belo-horizontino, mesmo se momentâneo e superficial, tem sua base e força na oportunidade que ele dá, aos membros do partido, de reviver os “bons tempos”, nos quais se dedicavam a debater esperanças em tempo integral. A enfadonha rotina administrativa da Prefeitura Municipal, marcada pela metódica execução de projetos, deve contribuir pouco para animar os petistas que se lançam em campanha na capital mineira. Por outro lado, é palpável a vontade dos apoiadores de Patrus de realizar uma campanha como “aquelas de antigamente”, marcada pela “militância na rua”. Bandeiras e faixas, corações e vozes tomando as ruas, compondo a prometida “onda vermelha”.
Tal viés romântico e escapista já é a marca principal da campanha do PT em Belo Horizonte. A despeito de seus méritos gerenciais, o candidato Patrus Ananias desempenha, principalmente, o papel de símbolo de uma época em que não havia mensalões, cachoeiras e cpis a assombrar o sono dos petistas. Patrus é hoje, para seus apoiadores, a lembrança de tempos mais felizes. Cabe a ele, unicamente, mostrar que é mais do que isso, especialmente se quiser contar com o voto dos eleitores que não suspiram por bandeiras do passado, mas sim por ações concretas do Poder Público.