por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/11/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
As
cenas de dois ex-governadores do Rio de Janeiro sendo presos e dando encontro à
dura realidade do cárcere, ilustram bem a peculiaridade do momento vivido hoje
no Brasil. Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, políticos ativos e influentes,
representam muito mais do que parlamentares e dirigentes partidários que
fizeram carreira na semiobscuridade dos gabinetes; agora detidos, indicam os
novos limites entre a influência política e o alcance da lei.
Trata-se
de uma mudança considerável na forma como a sociedade se relaciona com o Estado.
A lógica privatista, vigente desde o período Colonial, consolidou na cultura
brasileira a noção de que posições de poder significam a posse de setores do
Estado; decorre dessa ideia a diferença na forma como pessoas “comuns” e políticos
eram encarados pelo Poder Público.
Nesse
contexto de mudança, vale observar aqueles que ainda não foram afetados
diretamente pelo Judiciário, e se movimentam para evitar que isso ocorra. Citados
fartamente em delações e investigações, o presidente do Senado Renan Calheiros
e o ex-presidente Lula têm seu futuro observado com atenção pelos demais
políticos, interessados em descobrir os caminhos a serem seguidos quando também
forem acusados.
A
tradicional estratégia petista de retratar como perseguição política a tudo o
que os desagrada deu escassos resultados. Além de pequenas manifestações, o
máximo que os petistas obtiveram foram declarações de Michel Temer e Aécio
Neves contrárias à prisão do ex-presidente: algo que além de não ter valor
jurídico como defesa, também perde importância política por partir de dois
prováveis concorrentes eleitorais de 2018, que não gostariam de enfrentar um
Lula “com ares de mártir” no futuro.
Além
disso, o pirotécnico recurso feito por Lula ao Comitê de Direitos Humanos da
ONU, a ser avaliado em cinco anos, serve mais como exemplo da sensação de
impotência que tomou conta dos políticos: sinal da crença teimosa na existência
de uma instância de poder que reconheça sua “distinta natureza” em relação ao
restante da população, alçando-os novamente a um patamar além do alcance da
Justiça.
Renan
Calheiros aproveitou a ocorrência de uma ação da Polícia Federal no Senado para
acusar os “desmandos” do Judiciário, e assim preparar o terreno para uma contraofensiva
mais objetiva do que a dos petistas. A cruzada que Renan começa a empreender
contra os chamados “super salários” do Judiciário representa o caminho
encontrado pelo senador para proceder a seu contra-ataque contra as suspeitas e
investigações que, cada vez mais, envolvem seu partido e seu próprio nome.
Reeditando
a “caça aos marajás” que seu conterrâneo Collor de Mello empreendeu no passado,
Calheiros marcou ponto por tocar em um tema de interesse da população.
Entretanto, reverter esse capital político em termos jurídicos vai depender do
quanto os magistrados brasileiros são ligados a suas posses materiais. Em
campos opostos da torcida, se encontram o povo e os muitos políticos com
pendências morais e legais.