terça-feira, 30 de abril de 2013

Mais do que vizinhos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 30/04/2013 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais- e na edição de 16/06/2013 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais)

Recentemente, o Uruguai tem frequentado as manchetes dos jornais devido às posições adotadas por sua sociedade em relação a temas controvertidos da atualidade. Aborto, casamento homossexual e liberação da maconha são exemplos recentes de uma história que remonta a 1907, quando esse foi o primeiro país do continente a legalizar o divórcio. Para além de tais características peculiares, o Uruguai tem outras qualidades que o tornam especial, principalmente para o Brasil.
Passado o ímpeto de integração que tomou o Cone Sul na década de 1990, o bloco comercial que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai cumpriu com dificuldade a tarefa de sobreviver durante a década seguinte. As constantes querelas comerciais entre os principais sócios do Mercosul, Brasil e Argentina, ditaram o ritmo de um impasse que, atualmente, se busca superar através da incorporação da Venezuela ao grupo. Entretanto, não é possível tratar o contexto geral apenas a partir do viés econômico, esperando que as condições de mercado naturalmente produzam consenso entre os governos. É essencial que as decisões políticas venham em primeiro plano, constituindo a base para os demais desenvolvimentos.
Os benefícios comerciais do Mercosul são concretos, entretanto, a falta de um diálogo político profundo mantém o bloco em estado de subdesenvolvimento institucional. Outras instituições internacionais de caráter semelhante, como a União Européia, se consolidaram em torno de compromissos políticos, capazes de perdurar por anos, resistindo às intempéries da economia. O conturbado cenário político de Argentina e Paraguai dificulta a criação desse tipo de consenso no Mercosul. Faz-se necessária uma etapa intermediária de desenvolvimento institucional, que reúna os membros mais estáveis do bloco: Brasil e Uruguai.
No contexto de desgaste prolongado pelo qual passam as relações entre Brasil e Argentina, a tradicional estabilidade política do Uruguai o credencia como parceiro preferencial para a construção do debate no Cone Sul. A identidade  histórica em comum com o Brasil é notável: não só o desenvolvimento da pecuária uruguaia se deu em integração com a do sul do Brasil, na segunda metade do século XIX, como também, alguns anos antes, sequer havia fronteira, pois se tratava do mesmo país. Hoje, a presença de população de ascendência africana e a abundância de sobrenomes de origem portuguesa no Uruguai são marcas da matriz comum lusa que une esse país ao Brasil. Mais do que curiosidades históricas, tais elementos são bases para o entendimento político, e de forma mais ampla, para a construção de um eixo de estabilidade no âmbito do Mercosul. 
Logicamente, medidas concretas devem seguir-se aos entendimentos políticos, e nesse sentido são inúmeras as possibilidades de cooperação. Independentemente da chancela institucional do Mercosul, é necessário que o Brasil tenha no Uruguai uma de suas prioridades políticas, reafirmando a tradição histórica de sermos mais do que simples vizinhos.

sábado, 13 de abril de 2013

A rede dos sonhos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/04/2013 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 13/04/2013 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e na edição de 07/08/2013 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)


O noticiário político nacional tem pontuado, recentemente, alguns dos contratempos que marcam o processo de criação do novo partido de Marina Silva, a Rede Solidária. Além da dificuldade em reunir as assinaturas necessárias, a questão financeira chama a atenção, já que a inexistência de cadastro junto às instâncias fazendárias impede a captação de recursos. Tais problemas não estão relacionados unicamente com dificuldades operacionais, mas principalmente, com as propostas centrais que inspiram essa nova empreitada política.
Os quase 20 milhões de votos obtidos por Marina Silva em 2010 são clara mostra de seu potencial eleitoral. Porém, erra quem interpreta tais números como um endosso à pessoa da ex-senadora acreana. Marina obteve sucesso não por ser quem é, mas por quem poderia vir a ser: acendeu fortes esperanças de renovação do cenário político, ao mesmo tempo que se mostrava capaz de dialogar com empresários e se movimentar pelo ambiente político. Dessa forma, o lançamento da Rede Sustentável constitui retrocesso no caminho de Marina: se em 2010 foi vista como uma alternativa realista de renovação, as propostas que inspiram a Rede retiram o realismo da equação. 
Inicialmente, a idéia de se apresentar como um "não-partido" pode, em uma análise superficial, soar agradável aos ouvidos populares, especialmente devido ao desgaste que atinge o sistema partidário nacional. Porém, apenas negar a realidade, sem apresentar opções viáveis constitui um grave erro. Por exemplo, a rejeição ao sistema de financiamento partidário é valida, porém contar principalmente com pequenas doações de eleitores significa investir em uma ferramenta que fracassou em 2010. É justamente por não acreditar na forma como é feita a política hoje que o eleitor dificilmente irá ajudar a financiá-la: assim, a Rede depende de uma solução que não existe, pois o próprio partido visa a construí-la no futuro.
Também a fórmula de se criar  novo partido guarda pequenas chances de gerar resultados positivos: por configurar uma das poucas exceções à regra da fidelidade partidária, as novas agremiações tendem a atrair descontentes e oportunistas de todos os matizes. Como irá a Rede impedir tal invasão de seu espaço por um grande número de políticos pragmáticos, uma vez que o novo partido inaugura justamente o conceito de militância livre? Difícil evitar o desvirtuamento dos ideais da Rede, sobretudo por parte dos políticos que podem vir a cobiçar para si uma fatia da popularidade de Marina Silva.
É bom lembrar, nesse contexto, que a política é o espaço da discussão, da negociação, da convivência com os opostos e da busca pelo consenso. As propostas que animam o partido de Marina Silva, marcadas pela abundância de proibições e restrições à atuação de seus membros, não apontam na direção do diálogo. Em uma perspectiva global, a Rede Solidária parece ter surgido para dar sustentação aos sonhos, nos quais se refugiam seus fundadores para pontificar sobre uma pureza moral excludente e isolacionista.