terça-feira, 30 de junho de 2015

A vez da Índia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Quatro anos atrás, a imprensa internacional vivia um caso de amor pelo Brasil: destacava o país que crescia em meio à crise internacional, gerava emprego para seus nacionais e para milhares de estrangeiros, além de estar prestes a explorar gigantescas reservas de petróleo. Previa-se, no exterior, que o Brasil se tornaria rapidamente uma potência mundial decisiva. Hoje esse cenário de euforia permanece, porém tem como protagonista a Índia, país com a segunda maior população do mundo e um produto interno bruto 12% menor que o brasileiro.
Uma das justificativas para a animação em torno da Índia é sua economia, que na última década cresceu acima de 5% em nove anos, enquanto o Brasil só ultrapassou esse patamar em três ocasiões. Assim como o Brasil, a Índia conta com um grande mercado interno como propulsor autônomo de seu crescimento econômico, especialmente porque alguns milhões de novos consumidores têm deixado a pobreza extrema e se transformado em ávidos novos consumidores.
No caso brasileiro, as expectativas de crescimento se frustraram sobretudo devido às deficiências estruturais do país: faltou energia, mão de obra qualificada, um sistema de transportes barato e eficiente, ao mesmo tempo em que sobraram impostos, burocracia e altas taxas de juros.
A Índia tem diante de si desafios semelhantes aos que frearam o Brasil, porém, a diferença reside no fato de que no país do Oriente vem sendo implementado um ambicioso plano de reforma no setor público, voltado para aumentar a eficiência do Estado e agilizar o ambiente de negócios. Diferente do Brasil, na Índia não existe o estigma ideológico contra a busca pela eficiência no setor público, que por aqui a condenou como “neoliberal e antipopular”. Enquanto abandonamos as reformas no final dos anos 1990, os indianos investem justamente nesse caminho.
O atual mandatário da Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi, é saudado pela imprensa internacional por buscar aproximação indistinta das nações mais desenvolvidas, sendo que muitos qualificam essa atuação como benéfica para o próprio cenário político mundial. Quando esteve diante de oportunidade semelhante, o Brasil decepcionou: pautou-se por linhas ideológicas, priorizando os regimes da esquerda hispano-americana e limitando suas opções políticas, e pior, emprestou sua credibilidade a favor da legitimação de algumas das ditaduras mais brutais do mundo, como a de Kadafi na Líbia, Assad na Síria e dos irmãos Castro em Cuba. Assim, o Brasil saiu da cena mundial muito menor do que entrou.

Por fim, uma das principais discrepâncias entre Brasil e Índia se encontra em seus panoramas federativos: ex-governador, Modi aposta no fortalecimento do equilíbrio da federação como um dos pontos chave para o avanço da Índia; já o Brasil, federação extremamente desigual em que o governo central fica com mais da metade dos recursos fiscais, não tem esse assunto sequer como tópico da discussão pública. Não será preciso esperar o futuro para perceber quem está no caminho certo.

domingo, 21 de junho de 2015

O mito do golpismo no Brasil

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A democracia brasileira completou três décadas de restauração. Nesse momento, coube ao Governo Federal um silêncio constrangedor, motivado pela pequeneza cívica de suas lideranças, temerosas de que ao homenagear Tancredo Neves acabariam por promover seu neto Aécio. Em meio a esse cenário, nunca se falou tanto que a democracia brasileira estaria sob ataque, o que demanda uma discussão detalhada.
O setor governista do PT, aquele que ainda defende politicamente Dilma Rousseff, identifica duas ameaças à democracia: as lideranças da oposição que defendem o impeachment da presidente, e os cidadãos que aproveitam as manifestações antigoverno para pedir por nova intervenção militar. Inicialmente, é preciso destacar o profundo processo de mudança pelo qual passaram as Forças Armadas desde 1985: carregando a culpa por lançar o país à pior crise de sua história, os militares buscaram se afastar do ativismo político, iniciado com o golpe que implantou a república e culminou com o de 1964.
Difícil cogitar uma nova intervenção militar na política, de fato, quando os próprios militares não demonstram interesse pelo assunto; os poucos que fazem eco aos clamores golpistas são remanescentes amargurados de eras passadas, sem função efetiva atual. Esses indivíduos, entretanto, têm seus diálogos disfuncionais amplificados ao máximo por setores ligados ao governo, com o claro objetivo de deslegitimar as queixas de milhões de manifestantes descontentes com as ações de Dilma. É esse jogo midiático que representa uma afronta à democracia, pois busca invalidar a expressão de amplos setores da sociedade.
A demanda pelo impeachment guarda ainda menos relação com o golpismo. Regulamentado desde 1950, o impedimento de presidente eleito parte do pressuposto de que as urnas não detém o poder canônico de absolver os pecados cometidos perante a legislação vigente. Assim, o argumento segundo o qual é imperativo aceitar ao resultado das urnas soa desrespeitoso aos mais básicos princípios da lógica: equivale a aceitar a existência de lei que, há seis décadas, legitimaria o golpismo no Brasil.
A entronização do ato do voto, comum em amplos setores da esquerda brasileira, reduz o escopo da democracia. O exercício dos direitos políticos inclui a tolerância à divergência e a preservação do espaço de atuação política das minorias oposicionistas. Que sirva de exemplo o último regime ditatorial do Brasil, que conviveu com eleições diretas para quase todos os cargos do Executivo e com o funcionamento do Legislativo quase ininterrupto: enquanto as urnas foram bastante usadas, liberdade e democracia pouco tinham a ver com o cotidiano nacional.
A julgar pelo funcionamento das instituições brasileiras, como a liberdade de imprensa, o Judiciário e o Legislativo, pode-se a firmar que a democracia brasileira vive hoje momento de evolução. Afinal, nosso regime político vem sendo capaz de superar os maiores desafios: aqueles postos por quem se dispõe a salvar a democracia nacional de ameaças imaginadas.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A minoridade da razão

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O conflito constante entre Executivo e Legislativo federais no Brasil está prestes a ter mais um capítulo: a discussão em torno da redução da idade de maioridade penal para o limite de 16 anos. O Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, assumiu a mudança na legislação como uma meta pessoal, traçando rota de colisão com o governo. Esse antagonismo indica a principal característica do debate que está por vir: a contaminação da questão técnica pela disputa partidária. O resultado final, portanto, vai depender mais de articulações políticas de bastidores, do que dos reais efeitos da responsabilização criminal dos menores para a redução da violência urbana no Brasil.
Estatísticas de diversas origens mostram que a violência no Brasil tem se agravado cada vez mais. A participação de jovens nessa tendência, mesmo que questionada em suas proporções por diversos especialistas, também é fato concreto. Entretanto, talvez por causar mais choque do que os crimes praticados por adultos, os atos dos menores infratores acabam por receber intensa cobertura da imprensa, o que aumenta seu impacto sobre as multidões amedrontadas das metrópoles. Isso explica, portanto, o amplo apelo popular da proposta de redução da maioridade penal, que em alguns levantamentos se aproxima de 90% do público; números demasiado atraentes para a maioria dos integrantes da classe política.
O argumento mais evidente hoje no Brasil se relaciona com endurecimento da repressão policial, apoiado em exemplos de países estrangeiros. O que não se menciona, entretanto, é que os EUA, baluartes da abordagem de “tolerância zero” contra o crime, também têm a questão da delinquência juvenil fora de controle. Ainda pior do que o Brasil, os EUA ainda têm que lidar com uma enorme e dispendiosa população carcerária, composta tanto por adultos quanto por jovens.
O outro extremo do debate encampa a tese marxista de que o comportamento humano se resume à reprodução de relações econômicas: assim, credita-se aos baixos níveis de renda a violência no país e o envolvimento dos jovens nesse quadro. Típica dos anos 1980, essa argumentação também não guarda sozinha solução do problema: afinal, o consistente aumento da renda média e do nível educacional dos brasileiros nos últimos vinte anos deveria, sob essa lógica, ter reduzido os índices nacionais de criminalidade.
Longe da sede de vingança popular e do romantismo da visão socioeconômica defendida por setores governistas, reside o caminho mais promissor para o problema: a prevenção da violência, sumamente desprezada no atual debate. Essa perspectiva considera os múltiplos aspectos do universo juvenil que contribuem para que os menores se envolvam com o crime, oferecendo soluções que vão desde perspectivas profissionais e econômicas até modelos de comportamento sociais nos quais se espelhar. Assim, não será por falta de alternativa que a redução da maioridade penal será aprovada no Brasil, mas sim pela busca de popularidade rápida por parte de muitos políticos.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Lula e os evangélicos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O recente episódio no qual o ex-presidente Lula fez comentários desrespeitosos a pastores evangélicos, por mais que se assemelhe com uma gafe a mais no longo histórico do líder petista, na verdade é pleno de significado. Adepto da informalidade em suas falas, Lula chegou a dizer, em viagem oficial à Namíbia, que a limpeza e organização desse país eram tamanhas que não parecia se tratar de uma nação africana. A diferença, agora, é que o tropeço de Lula não pode mais ser creditado à conta do pitoresco e folclórico: acreditando ser seu partido vítima de uma injustificada campanha de ódio, o ex-presidente revida com postura agressiva, típica do início de sua carreira política. Acaba por agredir, assim, não apenas o respeito à diversidade religiosa, mas principalmente a estrutura política e social que permitiu a vitória petista de 2002.
Indignado, o senador capixaba Magno Malta divulgou vídeo em resposta aos comentários jocosos do ex-presidente: o parlamentar lembrou seu esforço pessoal para romper as ressalvas que o eleitorado evangélico tinha em relação a Lula antes de 2002, dizendo-se amargamente arrependido hoje. No mesmo sentido, o popular pastor Silas Malafaia trouxe à tona os escândalos de corrupção que envolveram as gestões federais petistas. Percebe-se, assim, que o PT perde o apoio de um importante grupo social que contribuiu para a histórica ascensão de Lula ao poder.
Outra engrenagem comprometida na estrutura de apoio ao PT é o PMDB: de aliado decisivo para a chegada e manutenção do poder, o maior partido do país passou recentemente ao posto de líder da coalizão governista. Comandando ambas as casas do Legislativo federal, o PMDB não só impõe uma agenda própria sobre o governo, como também dá sustentação a boatos cada vez mais consistentes sobre o lançamento de candidatura própria à Presidência da República em 2018.
A crise econômica e o ajuste fiscal, por sua vez, completam o cenário de mudança. No passado recente, o aquecimento geral da economia e a situação de pleno emprego da mão de obra nacional, somados às medidas de estímulo ao consumo adotadas pelo governo, contribuíram para criar um clima de otimismo na população, astutamente reivindicado pela administração petista como seu mérito único e exclusivo. Agora, a maré contrária na economia leva o povo a creditar ao governo até mesmo os reveses nos quais esse não tem culpa ou participação; essa dinâmica, inclusive, motivou um dos polêmicos comentários de Lula em relação aos evangélicos. Fica a dúvida, afinal, se o tradicional jeito petista de governar pode ser praticado também em um contexto de restrição de gastos, ou se apenas é viável em tempos de bonança.

Considerando a complexidade dos novos desafios que se colocam diante do PT, assim como o tempo gasto nas décadas de 80 e 90 para superar tais dilemas, é possível afirmar que o partido do governo deverá encontrar enormes dificuldades para se manter no poder: não só na sucessão presidencial de 2018, mas principalmente, no intervalo até lá.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Os novos reacionários

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/05/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O momento político atual do Brasil, como mostra o noticiário diário, destoa da estabilidade que costuma marcar o panorama nacional. Além do choque de forças políticas, podemos ver agora mudanças na forma como a sociedade lida com os acontecimentos do mundo do poder.
A campanha eleitoral de 2014, intensamente debatida nas redes sociais, foi assumida por boa parte dos brasileiros como questão pessoal, sendo inúmeros os casos nos quais relacionamentos pessoais foram afetados por discussões de cunho político. Esse envolvimento popular na política pode ser associado às manifestações populares antigoverno do início de 2015: do panelaço aos protestos de rua de março e abril, trata-se de um novo público que se envolve com a ação política direta, composto principalmente pelas famílias de classe média. Dessa forma, a diversificação da participação política passa a refletir melhor os diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira.
Nesse contexto, chama a atenção um movimento de reação que visa desacreditar a atuação política da classe média, geralmente veiculado por atores formais do sistema político e pelas redes sociais. Assim, por se tratar de grupos que reagem a uma nova pressão social, com o objetivo de manter a situação vigente, podem então ser classificados como “reacionários”; mesmo sendo esses, em sua maioria, filiados à esquerda governista, autodenominada progressista.
O argumento principal dos novos reacionários é o de que a legitimidade para a participação em manifestações políticas é variável, de acordo com o grupo social: carências sociais básicas habilitam quem as sofre a reivindicar ao Estado publicamente; já a população que não se encontra em estado de indigência, por definição, é menos legítima para colocar a público suas queixas. Essa lógica, além de supor uma situação de emergência administrativa constante, que apenas permitiria ao Estado atender às demandas sociais mais extremas, também solapa um dos princípios mais importantes da democracia: a igualdade, que deve permitir a todos a expressão de seus pontos de vista e o acesso uniforme à arena política.
Há também um componente estrutural em jogo: durante as últimas décadas, coube à esquerda o papel principal na realização de manifestações de rua no Brasil, constituindo um monopólio que hoje é cada vez mais contestado. Tanto em 2013 quanto em 2015, as multidões que tomaram as ruas fugiam completamente do estereótipo do militante partidário: jovem e continuamente mobilizado, além de cada vez mais ligado a cargos na burocracia federal das administrações petistas.

Ao classificar seus antagonistas como burgueses e “coxinhas”, os novos reacionários realizam a mais baixa forma de jogo partidário: buscam impedir a entrada de opositores no cenário político, diminuindo de forma antidemocrática a oposição ao partido que ocupa o poder. Com isso, afinal, lutam principalmente para garantir seu lugar ao sol: tanto como porta-vozes do conjunto da sociedade, quanto como beneficiários dos favores do poder.