segunda-feira, 8 de junho de 2015

Lula e os evangélicos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/06/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O recente episódio no qual o ex-presidente Lula fez comentários desrespeitosos a pastores evangélicos, por mais que se assemelhe com uma gafe a mais no longo histórico do líder petista, na verdade é pleno de significado. Adepto da informalidade em suas falas, Lula chegou a dizer, em viagem oficial à Namíbia, que a limpeza e organização desse país eram tamanhas que não parecia se tratar de uma nação africana. A diferença, agora, é que o tropeço de Lula não pode mais ser creditado à conta do pitoresco e folclórico: acreditando ser seu partido vítima de uma injustificada campanha de ódio, o ex-presidente revida com postura agressiva, típica do início de sua carreira política. Acaba por agredir, assim, não apenas o respeito à diversidade religiosa, mas principalmente a estrutura política e social que permitiu a vitória petista de 2002.
Indignado, o senador capixaba Magno Malta divulgou vídeo em resposta aos comentários jocosos do ex-presidente: o parlamentar lembrou seu esforço pessoal para romper as ressalvas que o eleitorado evangélico tinha em relação a Lula antes de 2002, dizendo-se amargamente arrependido hoje. No mesmo sentido, o popular pastor Silas Malafaia trouxe à tona os escândalos de corrupção que envolveram as gestões federais petistas. Percebe-se, assim, que o PT perde o apoio de um importante grupo social que contribuiu para a histórica ascensão de Lula ao poder.
Outra engrenagem comprometida na estrutura de apoio ao PT é o PMDB: de aliado decisivo para a chegada e manutenção do poder, o maior partido do país passou recentemente ao posto de líder da coalizão governista. Comandando ambas as casas do Legislativo federal, o PMDB não só impõe uma agenda própria sobre o governo, como também dá sustentação a boatos cada vez mais consistentes sobre o lançamento de candidatura própria à Presidência da República em 2018.
A crise econômica e o ajuste fiscal, por sua vez, completam o cenário de mudança. No passado recente, o aquecimento geral da economia e a situação de pleno emprego da mão de obra nacional, somados às medidas de estímulo ao consumo adotadas pelo governo, contribuíram para criar um clima de otimismo na população, astutamente reivindicado pela administração petista como seu mérito único e exclusivo. Agora, a maré contrária na economia leva o povo a creditar ao governo até mesmo os reveses nos quais esse não tem culpa ou participação; essa dinâmica, inclusive, motivou um dos polêmicos comentários de Lula em relação aos evangélicos. Fica a dúvida, afinal, se o tradicional jeito petista de governar pode ser praticado também em um contexto de restrição de gastos, ou se apenas é viável em tempos de bonança.

Considerando a complexidade dos novos desafios que se colocam diante do PT, assim como o tempo gasto nas décadas de 80 e 90 para superar tais dilemas, é possível afirmar que o partido do governo deverá encontrar enormes dificuldades para se manter no poder: não só na sucessão presidencial de 2018, mas principalmente, no intervalo até lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário