sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Desafio pop das FARC

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/09/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

     As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), grupo armado que sustenta uma guerra civil pelo controle desse país desde 1964, surpreenderam o mundo com seu mais recente comunicado. O conteúdo em si já seria interessante, a retomada das negociações com o governo colombiano, porém a forma do comunicado foi o que chamou mais a atenção: um videoclipe de rap, no qual um casal de guerrilheiros declara em rimas as novas posições do movimento. Após a fase de associação ao tráfico de drogas e a utilização de seqüestros para obtenção de fundos, a empreitada das FARC pelo universo pop guarda algum significado especial?
     Surgidas durante a Guerra Fria, as FARC contaram durante décadas com a comodidade de um ambiente político dicotômico: recebiam recursos e apoio político por exclusão, simplesmente por representarem uma oposição socialista ao governo da Colômbia. A década de 1990 trouxe fim à oposição entre capitalismo e socialismo, deixando a extrema esquerda órfã do patrocínio político e financeiro do bloco soviético. A utilização de práticas criminosas, como seqüestros e tráfico de drogas, pode ter sido eficaz na arrecadação de fundos, mas representou um golpe mortal para a popularidade das FARC. O mundo que surgiu nas duas últimas décadas é extremamente complexo: a formação da identidade da população, essencial para que qualquer movimento tenha seguidores, hoje depende de inúmeros fatores, e não mais da simples simpatia aos ideais da esquerda ou da direita.
     Quando apresenta sua mensagem através de um clipe de rap, as FARC buscam seguidores entre os adeptos da cultura pop: ser socialista não mais basta, é preciso um elemento a mais para gerar afinidade e identificação com a população. Assim, percebe-se que a motivação das FARC para negociar com o governo da Colômbia não tem origem apenas em suas recentes derrotas militares, mas principalmente na dificuldade que um movimento com suas características encontra hoje para conquistar adeptos e, assim, manter sua viabilidade política.
     As mudanças recentes do mundo, que redefiniram a forma como o homem enxerga a si mesmo, tornaram muito mais complexo o ambiente político mundial. Calcadas na antiga utopia esquerdista revolucionária, as FARC têm mesmo que dançar conforme a música atual para vencer o desafio da sobrevivência.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Muito além do “Veta, Dilma!”

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 05/09/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

          A Presidente Dilma Rousseff foi surpreendida, recentemente, ao saber que seu governo havia chegado a um acordo com o Congresso a respeito da redação final do novo Código Florestal. Atônita, Dilma trocou bilhetes durante um evento com suas ministras do Meio Ambiente e das Relações Institucionais, buscando mais informações e, logo após, discursou desautorizando toda e qualquer decisão tomada em seu nome. Prosaico, esse episódio representa o resultado do movimento “Veta, Dilma!”, que mobilizou a sociedade civil brasileira nos meses de abril e maio para levar a Presidente a se opor ao texto do Código Florestal já aprovado pelo Congresso.
Hoje, os poderes Executivo e Legislativo continuam a medir forças em torno do polêmico assunto da preservação ambiental, que voltou a despertar pouca atenção na sociedade desde que retornou para o campo dos deputados e senadores. Na verdade, essa indiferença não é geral: os grupos interessados na aprovação de uma legislação ambiental mais permissiva se movimentam intensamente para influenciar os debates no Congresso, fazendo valer na prática o conceito de “democracia representativa” que temos institucionalizado no Brasil. A grande parte da população não se envolve mais, contente apenas por ter forçado a chefe máxima do Executivo a dizer um sonoro “não” à lei aprovada pelos parlamentares e devolvendo a esses mesmos, logo em seguida, a responsabilidade de rediscutir a questão.
A preferência do brasileiro pelo Poder Executivo é histórica e fartamente estudada pelos sociólogos e cientistas políticos nacionais. Porém, a perpetuação desse padrão de comportamento tem gerado distorções graves na democracia brasileira, sobretudo na forma como essa capta e reproduz os interesses populares; essa função não cabe, primordialmente, ao Presidente da República, mas sim a de colocar em prática – de forma eficiente – as decisões tomadas pela coletividade, através dos legisladores que a representam.
Apesar de louvável, por ter rompido a inércia popular, o movimento “Veta, Dilma!” partiu dessa lógica equivocada, que sobrevaloriza o Poder Executivo. Assim, levou a sociedade a participar da discussão tarde demais e, mesmo assim, foi voltado apenas para a negação de uma proposta já elaborada anteriormente; ao invés de construir opções de ação, programou-se apenas para as destruir.
Mirando o Legislativo, e mais do que isso, concentrando suas atenções sobre o seleto grupo de parlamentares responsável pela condução dos trabalhos, a mobilização popular teria contribuído para produzir uma proposta melhor, além de injetar um novo ânimo sobre os debates do Congresso Nacional. Dessa forma, não teríamos hoje a triste surpresa de ver o futuro ambiental brasileiro ser discutido através de bilhetinhos trocados em segredo.
É sempre bom lembrar que os direitos políticos são construídos com a prática constante, cujo lugar privilegiado é o Poder Legislativo. Um futuro mais promissor pode começar em outubro próximo, a depender das escolhas dos eleitores para as Câmaras Municipais e, principalmente, da forma como iremos nos relacionar com nossos representantes durante os próximos quatro anos.