por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/11/2013 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 04/12/2013 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais - e no portal Harpia Defense and Security - harpiadefense.com.br)
Crise na Síria,
escândalo de espionagem norte-americana, articulação das economias emergentes:
por detrás desses acontecimentos recentes da política internacional, um ator se
destaca como chave importante para a compreensão do mundo em que vivemos.
Trata-se da Rússia, país de superlativos, cuja história é marcada por uma forma
típica de se fazer uso do poder.
Notória pelo status
de superpotência, adquirido durante a Guerra Fria, a Rússia sempre figurou
entre o seleto grupo de países centrais à política mundial: suas colossais
dimensões geográficas, que passam por 11 fusos horários, e seu poderio militar
garantiram sempre aos russos essa posição de destaque. Estendendo-se do
leste da Europa ao norte do Pacífico, os interesses russos acabam por ser
obrigatoriamente mundiais, já que a simples defesa de suas fronteiras envolve
dezenas de diferentes cenários geopolíticos.
Para além da grandeza
física, outra continuidade da história russa é o autoritarismo político: o
milenar regime absolutista dos czares deu lugar, em 1917, à cruel ditadura comunista
que durou até 1991, quando cedeu espaço ao modelo atualmente vigente de “democracia
iliberal". A Rússia de hoje, uma federação pluripartidária, realiza
eleições periódicas e tem a presença da oposição em seu parlamento. Porém, é
notório o cerceamento à imprensa, as prisões injustificadas dos críticos mais
incisivos do governo e a repressão intensa sobre algumas minorias, como os
homossexuais. O resultado dessa equação política é a manutenção no poder, desde
1999, de um mesmo grupo político, liderado ostensivamente por Vladimir Putin.
Este conjunto de
fatores tem efeito direto na forma como a Rússia se comporta no cenário
internacional. Tradicionalmente, os russos exercem seu poder de maneira
bastante livre, não se retraindo devido a considerações públicas de natureza
ética ou moral, como frequentemente fazem os Estados Unidos em relação a
valores como a democracia e os direitos humanos. Livre para perseguir seus
interesses, a Rússia é sempre um oponente formidável nos impasses
internacionais: na recente crise na Síria, apoiou decisivamente o ditador
Bashar al-Assad, como forma de evitar uma ação norte-americana na região, o que
tornaria vulnerável seu flanco sudoeste. Apesar de toda a crítica mundial, a
Rússia prevaleceu, garantindo não só uma solução de consenso que evitou a ação
militar liderada pelos EUA, como também dando sobrevida do regime sírio; esse,
certamente, mais alinhado a Moscou agora do que em qualquer outro momento.
Contrasta com essa
eficiência e liberdade de ação, a extrema discrição com a qual a Rússia age no
mundo: diferente da era comunista, os russos agora não têm mais interesse em
propagar os benefícios de uma doutrina política em especial. Sendo
assim, engana-se quem espera pelo ressurgimento da Rússia à posição de potência
mundial como um acontecimento histórico marcante, divulgado ao estilo de eras
passadas. Na verdade, com a sutileza atual, o novo poderio russo já é uma
realidade.