terça-feira, 10 de outubro de 2017

Lula 2018: A medida do novo será a medida do sucesso

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/10/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, o Datafolha divulgou dados cujos pontos principais estão relacionados ao ex-presidente Lula: 35% dos brasileiros estão dispostos a elegê-lo novamente para a Presidência da República, enquanto cerca de 55% preferem que o destino do líder petista seja o cárcere. Tais percentuais são suficientes para agradar a ambos os extremos do espectro político, cada um destacando aquilo que mais lhe agrada eleitoralmente. Entretanto, convém ler tais números sob uma perspectiva equilibrada. Os 35% de intenção de voto declarada em Lula sem dúvida constituem vantagem significativa para o petista.
A origem desse capital eleitoral, entretanto, tem suscitado interpretações conflitantes. Por um lado, há quem veja o apoio a Lula como fruto dos resultados colhidos por seus dois governos: o eleitorado, portanto, faria uma escolha racional pela recuperação de um padrão de governo. Sob esse viés, haveria muito potencial de crescimento para a candidatura de Lula em 2018, já que o público beneficiado por suas políticas, grosso modo, seria bem maior do que a terça parte do eleitorado nacional que já se declarou a favor do petista. Assim, bastaria construir uma campanha relembrando o que foi feito entre 2003 e 2010, para depois receber de braços abertos os votantes que voltarem e reconhecer os louros do passado.
Outra vertente interpreta os 35% de intenção de votos em Lula como fruto de sua exposição prolongada aos olhos de todos, tanto como presidente quanto como protagonista em sete eleições nacionais. Seguindo essa linha, o crescimento das intenções de voto em Lula não será necessariamente fácil na campanha de 2018: afinal, se todos o conhecem, por quê a aprovação de seu nome não seria ainda maior?
Avançando para além dessas duas visões, é importante recordar que o PT e seus candidatos costumam contar com público cativo no Brasil, que oscila em torno de 30% do eleitorado. Dessa forma, se Lula conta hoje com aproximadamente 35% de eleitores, algo que podemos ter como válida é a persistência da fidelidade dos eleitores tradicionalmente simpáticos ao PT. Trata-se de uma vitória, principalmente dentro do contexto atual pelo qual passa o partido.
Como o desafio do PT sempre foi o de convencer o público indeciso a aderir à sua plataforma, hoje persiste essa tarefa. Para analisa-la, vale a pena considerar o outro número de destaque da pesquisa Datafolha: os 55% dos brasileiros que querem Lula atrás das grades. Diferente de outros momentos, agora não há uma massa de indecisos, dispostos a ouvir propostas para formar opinião: há, sim, uma oposição aguda à figura de Lula, que abarca mais da metade dessa população.
É possível perceber, assim, que o futuro de Lula não está tão ligado ao seu ponto de partida, mas sim ao tortuoso caminho que tem pela frente. Enquanto outros nomes encontram rejeição do eleitorado, Lula tem diante de si o desejo popular de que ele seja preso. Trata-se, afinal, de um novo patamar de impopularidade, difícil de ser revertido.
As fórmulas utilizadas no passado dificilmente repetirão o mesmo sucesso, pois não foram concebidas para reverter um ambiente tão hostil. A medida na qual Lula buscar se reinventar, na imagem que projeta e nos métodos que pratica, vai indicar o potencial de sucesso do petista em 2018. Até agora, os sinais indicam que o PT se prepara para reprisar os enredos do passado, o que lhes direciona para o pior prognóstico possível.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Nos bastidores do mundo, a Coreia do Norte continua ativa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/10/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A tensão entre Estados Unidos e Coreia do Norte continua a crescer a cada semana. Enquanto nenhuma das partes busca reduzir a agressividade de seus discursos, o parlamento da Coreia do Sul aprovou uma ajuda emergencial de US$ 8 milhões à sua vizinha do norte, em uma tentativa de recuperar a estratégia de apaziguamento que funcionou muito bem durante a segunda metade dos anos 1990. Nesse contexto, uma notícia passou quase despercebida: Angola e Moçambique, países com os quais compartilhamos profundos laços culturais e históricos, estão sob investigação das Nações Unidas por supostamente desrespeitarem as sanções comerciais impostas por essa organização internacional à Coreia do Norte.
De acordo com a denúncia, ambos os países africanos fizeram negócios recentemente com empresas de propriedade do governo norte-coreano. No caso de Angola, por exemplo, a relação entre o governo norte-coreano e a empresa Green Pine é tão explícita, que os funcionários dessa são credenciados como servidores da embaixada norte-coreana nesse país. Suspeita-se que Angola tenha contratado serviços do país asiático para treinamento de suas tropas de elite, além de ter se envolvido em uma negociação de compra de navios de guerra que não prosperou.
No caso de Moçambique, foram adquiridos mísseis, um sistema de defesa antiaérea e um radar junto à empresa norte-coreana Haegeumgang. Enquanto as Nações Unidas aguardam respostas das duas nações africanas, registram também uma circulação atípica de cidadãos norte-coreanos pela África, provavelmente prospectando ou já conduzindo outros negócios desse tipo.
Essa situação é ilustrativa do quão limitados são os instrumentos de pressão utilizados por organismos multilaterais como as Nações Unidas. Na ausência de um efetivo governo de caráter internacional, capaz de impor suas decisões pela força de seus próprios meios e ultrapassar as soberanias dos países, qualquer decisão coletiva acaba sempre dependendo da boa vontade dos governos nacionais para produzir efeitos.
Assim, enquanto houver atores interessados em obter ganhos a partir do descumprimento de orientações de órgãos como a ONU, a efetividade desses será bem limitada. É bem provável que os governos de Angola e Moçambique obtiveram preços e condições mais vantajosos em seus negócios com a Coreia do Norte do que encontrariam no mercado legítimo de bens e serviços militares. Por qual outro motivo, então, arriscariam suas reputações ao negociar secretamente com um regime malquisto por quase todos?
Gostem ou não os idealistas, o mundo do século XXI não difere muito em sua essência da estrutura política internacional vigente, por exemplo, em meados do século XVII: tem-se como regra um conjunto de Estados nacionais soberanos, entregues à busca de seus interesses egoístas e que só podem ser contidos pela força de outros Estados igualmente soberanos cujos interesses conflitem com os seus. Qualquer variação em relação a isso é temporária, pontual e não passa de estratégia para produzir os melhores resultados a um custo inferior ao que teria uma ação puramente militar.
Nos bastidores do mundo político internacional há muito mais acontecendo do que no palco das organizações internacionais. A pergunta mais importante do momento atual é: quão habilitada está a equipe de novatos escolhida por Donald Trump para atuar nos bastidores da política mundial? A resposta, por enquanto, parece desanimadora.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Lula vs Bolsonaro: o feitiço que pode se voltar contra o feiticeiro

por Paulo Diniz (publicado na edição de 26/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Em passagem por Belo horizonte, o deputado Jair Bolsonaro conseguiu o que nenhum outro pré-candidato à Presidência da República obteve até agora: ampla, detalhada e exaustiva cobertura da imprensa. Essa exposição extrema à mídia não foi acidental: Bolsonaro se esforçou bastante para chegar às manchetes. Além das tradicionais declarações de apoio à ditadura, violência policial e posicionamentos radicais em relação a todos os assuntos polêmicos, o deputado prometeu ainda trazer o mar a Minas Gerais. Não satisfeito, Bolsonaro também causou tumulto em uma universidade da capital, onde seus apoiadores e detratores trocaram as agressões verbais e físicas de praxe. Assim, mesmo munido de discurso pobre e comportamento repetitivo, Jair Bolsonaro conquistou todas as atenções.
Os afoitos de plantão podem mencionar alguma teoria da conspiração que aponte para conluios secretos entre Bolsonaro, a sanha internacional do capitalismo ianque e a totalidade da imprensa brasileira: interesses sempre unidos contra a indefesa esquerda nacional. Entretanto, antes assumir esse discurso fácil, é importante lembrar o incrível trabalho de divulgação que a esquerda vem prestando a Bolsonaro nos últimos meses: desde os militantes que se encarregam de tumultuar todos os eventos do deputado fluminense até o ex-presidente Lula, todos parecem concentrar esforços para tornar Bolsonaro cada vez mais famoso.
O fascínio petista por Bolsonaro, entretanto, não pode ser creditado unicamente a erros na estratégia de comunicação. O partido de Lula busca se colocar como o principal adversário capaz de defender o país da catastrófica chegada de Bolsonaro ao poder; para tanto, seria indispensável mostrar ao público o quão terrível pode ser o deputado fluminense. Trata-se de uma estratégia que tem dado certo desde 2006, quando o PSDB ocupava o papel de vilão nacional. Hoje Jair Bolsonaro ocupa com vantagens a função de nêmesis petista: se opõe a quase todas as bandeiras defendidas pelo PT, é agressivo e antipático, foi militar e elogia torturadores do período da ditadura. Bolsonaro toca voluntariamente em todas as discussões que os petistas gostam de debater e nas quais acreditam ter bons argumentos.
O problema surge quando os petistas supõem que o povo brasileiro pensa como seu partido, e que ficaria naturalmente a seu lado no caso de confrontação de imagens e ideias polêmicas. Por exemplo, o discurso de Bolsonaro pelo uso de força extrema no combate ao crime, rechaçado pelo PT, tem enorme apelo popular. Em geral, por contar com a vantagem de quem nunca comandou o Executivo, Bolsonaro também não precisa mostrar números de sucesso para poder criticar sem piedade os resultados obtidos pelas gestões petistas.
Elevando Bolsonaro à categoria de “inimigo a ser batido”, os petistas ignoram a hipótese de que muitos eleitores podem estar exatamente buscando um anti-heroi em quem votar: promovendo o adversário, o PT acabaria por indicar o caminho pelo qual os eleitores podem expressar seu descontentamento com os políticos tradicionais. É bom lembrar também que Jair Bolsonaro até agora passou incólume pelo turbilhão de denúncias que assolam o Brasil nos últimos anos, o que permite um contraponto agudo em relação ao PT. Dessa forma, se insistirem no duelo entre Lula e Bolsonaro, os estrategistas do PT podem estar levando a plataforma eleitoral do partido para nada menos que a aniquilação em 2018.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Porto Rico e Venezuela: não há ideologia no fracasso

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A crise na Venezuela, desastre humanitário que agora se aproxima de um desfecho militar, teve origem no descontrole dos gastos públicos durante o período de alta nos preços do petróleo e foi agravada pela desordenada expansão do Estado para controlar a economia. Esse receituário, que resulta da adoção pelo regime venezuelano de ideais alegadamente socialistas, foi o mesmo roteiro que levou à ruina dos países europeus que praticaram o chamado “socialismo real” até o final dos anos 1980. Essa tradicional cartilha socialista, preocupada em distribuir riqueza, falhava por não ensinar como produzi-la.
Mesmo que nem todo movimento de controle estatal da economia traga uma carga ideológica, é exatamente por esse viés que a crise venezuelana tem sido colocada em evidência. O colapso do regime bolivariano tem sido apresentado como uma vitrine do futuro que esperava o Brasil caso prosseguissem os governos petistas. Entretanto, vale lembrar que há mais de um caminho para chegar ao fundo do poço, e a ilha caribenha de Porto Rico tem potencial para se tornar uma versão capitalista da tragédia venezuelana.
Sendo oficialmente um “Estado associado” aos EUA, Porto Rico preservou para si atributos de um país independente, ao mesmo tempo que manteve laços íntimos com a nação ianque: por exemplo, os porto-riquenhos são cidadãos norte-americanos, utilizam o dólar como moeda e não possuem forças armadas. O curioso estatuto legal desse país foi considerado por seus habitantes, durante décadas, como uma vantagem estratégica em relação aos países vizinhos e aos próprios estados que compõem os EUA. Dessa forma, fazendo uso da peculiaridade legal de Porto Rico, foram concedidos benefícios fiscais para a atração de indústrias a partir da década de 1970, isenções de impostos para quem comprasse títulos da dívida porto-riquenha dos anos 1990 em diante, e na década seguinte, foram aprovadas novas exceções de impostos com o objetivo de transformar a ilha no novo endereço dos ricos e famosos dos EUA.
Todas essas medidas de estímulo à economia buscavam potencializar o efeito de forças já existentes no mercado. Por exemplo, os compradores de títulos da dívida porto-riquenha tinham a garantia, na constituição desse país, de que receberiam seu pagamento mesmo que o governo não conseguisse custear serviços básicos à população. Assim, a incerteza do investidor era um problema maior do que o bem-estar do povo para o governo da ilha. Voluntariamente submetida às demandas do capitalismo liberal, hoje Porto Rico possui uma dívida de US$ 78 bilhões, baixa capacidade de arrecadação de impostos e enfrenta constante perda de indústrias para países asiáticos. Por não se tratar de um estado norte-americano, a ilha não pode decretar falência e pedir apoio federal, e por isso tem fechado escolas e hospitais para reunir recursos e custear suas dívidas.
Os chamados “fundos abutres”, que lucram a partir da cobrança judicial de títulos de nações falidas, já controlam cerca de 30% dos papéis porto-riquenhos e arrastam o futuro da ilha para os tribunais dos EUA. Enquanto isso, dezenas de milhares de pessoas deixam o país a cada ano, incluindo uma média de um médico por dia, e 45% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Assim, vê-se que não existe ideologia capaz de salvar os países de suas próprias condutas equivocadas: Venezuela e Porto Rico se equivalem, no descaso de seus governos com o povo.
 

O efeito “vote em nenhum dos três”: O eleitor brasileiro pode escolher por exclusão em 2018

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Uma antiga comédia norte-americana tinha como enredo a seguinte situação: o pobre e decadente protagonista, para herdar a fortuna deixada por um parente distante, tinha que cumprir o desafio de gastar uma parte desse valor em pouco tempo, sem acumular patrimônio ou destruir bens. Diante da tarefa, o personagem vivido pelo genial Richard Pryor decide se lançar como candidato a prefeito de Nova York, criando uma campanha milionária sob o slogan de “vote em nenhum dos três”; afinal, não tinha qualquer pretensão em seguir carreira política. Surpreendentemente, o anti-heroi em questão desponta como favorito do eleitorado, o que faz com que ele renuncie da disputa fictícia que vinha empreendendo. Por mais que essa trama tenha pouca chance de ocorrer na vida real, o comportamento dos eleitores do filme não parece tão estranho como prognóstico para as eleições nacionais brasileiras de 2018.
A rejeição aos políticos tradicionais, percebida desde as massivas manifestações populares de 2013 no Brasil, já é tida como fator inevitável para o pleito do ano que vem. Os índices de não comparecimento, de votos brancos e nulos atingiram patamares muito altos nas eleições de 2014 e 2016, de forma que mesmo previsões conservadoras esperam que essa tendência seja acentuada pela divulgação recente de vários escândalos de corrupção. Há discussões importantes sendo feitas atualmente sobre os efeitos práticos de um sistema político do qual participam pouco mais de dois terços da população: como iriam repercutir, por exemplo, entre os estratos da sociedade que não votam, as medidas tomadas por um governo que lhes é totalmente estranho? O potencial para violência é grande, uma vez que a falta de participação cada vez mais afasta a política de seu papel de representação dos ideais, desejos e necessidades da sociedade perante os mecanismos do Estado.
O problema da baixa representatividade no sistema político brasileiro, por outro lado, tem um importante aspecto que poucos consideram: o efeito produzido pelo desengano com a política naquela parte do eleitorado que, efetivamente, ainda vota e pretende continuar a fazê-lo. Trata-se de dois terços da população apta a votar, que irá efetivamente produzir um resultado nas urnas em outubro do ano que vem, e que se encontra em grande risco de ser dominada pelo efeito “vote em nenhum dos três”, tal como na comédia de Pryor. É possível prever, sob esse prisma, que muitos brasileiros podem vir a escolher em quem votar por um processo simples de exclusão: não mais buscarão um candidato que os agrade, mas instintivamente, tenderão a apoiar o que menos lhes causar repulsa.
Tomando a lógica do “vote em nenhum dos três” como pano de fundo, poderemos ter uma campanha presidencial que demande dos candidatos posicionamentos inovadores em 2018, algo que nenhum dos pré-candidatos de maior destaque tem sequer ensaiado até agora. A caravana realizada pelo ex-presidente Lula pelo interior do Nordeste, por exemplo, representa a repetição de um roteiro datado da década de 1990, reencenado por alguém que protagoniza a política nacional desde o final dos anos 1980. No mesmo sentido, os opositores em potencial desse discurso envelhecido também indicam disposição para reeditar tramas do passado, repetindo o antagonismo antipetista que é capaz de enfastiar até os eleitores mais motivados.
À medida que se desenha no horizonte um enfrentamento entre PT e PSDB, repetindo não só os papeis como os atores que os ocupam, cresce ainda mais a possibilidade de que o efeito “vote em nenhum dos três” desempenhe função decisiva nas urnas; afinal, os eleitores têm assistido a esse mesmo enredo desde 1994. Instintivamente, candidatos como o radical Jair Bolsonaro contam com essa dinâmica política de exclusão das figuras tradicionais pelo eleitor, para nutrir suas próprias esperanças de poder. Porém, o cenário pode não ser tão simples assim, uma vez que figuras extremas são tradicionais no folclore político brasileiro, sem que a notoriedade alcançada as tenha alçado a mais do que postos isolados no Congresso Nacional; o médico Enéas Carneiro, nesse caso, desponta como o maior exemplo.
O efeito “vote em nenhum dos três”, dessa forma, pode acabar levando ao poder o candidato que causar menos repulsa ao eleitor, podendo ser esse uma novidade política ou também o político mais insosso que se colocar à disposição de um eleitorado desgastado e desmotivado.

domingo, 27 de agosto de 2017

Jogos de palavras: a realidade da chamada “reforma política”

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/08/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Circulam atualmente várias análises que apontam na mesma direção em relação ao movimento político de alteração de regras eleitorais: não se trata de uma reforma e, menos ainda, vai produzir mudanças significativas na política nacional. Entretanto, ainda que muitos tenham consciência do quão impróprio é o termo, mesmo esses acabam fazendo concessão à praticidade e empregando cotidianamente a expressão “reforma política”. Esse ato inocente de comunicação acaba por gerar consequências reais: a repetição do termo “reforma política” transmite para a sociedade a mensagem equivocada de que a política brasileira estaria prestes a passar por mudanças importantes. Isso beneficia os atuais detentores de mandato no Legislativo nacional, pois cria-se a perspectiva junto ao público de que os políticos atuais seriam capazes de solucionar os problemas da política brasileira. Esse jogo de palavras, portanto, pode ser visto como uma tentativa dos políticos tradicionais renovarem sua imagem perante o eleitorado, colocando-se como parte do futuro desejado por todos.
Difícil saber quantos parlamentares federais participam dessa articulação que busca um tipo de salvação coletiva, mas é possível ver uma rara aproximação entre a maioria das lideranças partidárias quando o tema é a chamada “reforma política”. A discordância que se nota, sobretudo na Câmara dos Deputados, envolve principalmente o grupo que não goza de tanta notoriedade, o chamado baixo clero.
Outros jogos de palavras também funcionam no mesmo sentido que o conceito geral de “reforma política”: a proposta de outros modelos de financiamento de campanha, por exemplo, suscita a ideia de que estariam sendo combatidas as relações espúrias de pagamentos de grandes empresas a partidos políticos em troca de favores desonestos. Essa lógica parte do pressuposto de que a culpa pelos malfeitos residiria nas leis, e não nos homens que as descumpriram durante anos; assim, bastaria uma nova legislação para sanar o problema da corrupção.
Ocorre que as doações eleitorais ilegais do passado significam que empresas e partidos políticos estavam dispostos a burlar a lei para cumprirem com seus objetivos: essa motivação, que coloca o sucesso acima de qualquer medida ética, não irá desaparecer com qualquer lei que o Congresso aprove. O erro dos homens se corrige com a punição e substituição desses, e não com a troca das normas que, desrespeitadas no passado, podem novamente ser burladas no futuro.
No mesmo sentido, discutir as doações empresariais feitas a partidos e políticos de forma legítima é menos importante do que aparenta. A conduta desonesta dos políticos, independentemente do fator que as motivou, é que deveria ser foco das atenções: como proceder para evitar que um deputado literalmente venda seu voto, alugue sua participação em uma CPI ou assuma na tribuna posições que nada têm a ver com os interesses de seus eleitores? Essas perguntas, voltadas para o comportamento do político eleito, deveriam ser centrais a uma “reforma política” que fosse digna desse nome.
Fica claro, portanto, que as alterações na legislação eleitoral que provocam tanto alarde no Brasil têm pouco a ver com os maiores problemas da política atual. A chamada “reforma política” não é muito mais do que alguns jogos de palavras encobrindo medidas que, ao que tudo indica, tendem a beneficiar justamente àqueles que criaram a crise na qual se encontra o país.