segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Discursos que não debatem

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/10/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Um dos consensos entre os analistas políticos durante a atual corrida presidencial é a pobreza do debate mantido entre os candidatos: poucas são as ocasiões nas quais um questionamento dá origem a uma resposta por parte do adversário.  A situação atual merece análise não só por se tratar da anatomia da discordância entre as principais correntes políticas, mas sim por evidenciar estratégias de campanha que, deliberadamente, rejeitam o diálogo em favor de discursos unilaterais ensaiados.
A troca de declarações unilaterais gira em torno de poucos pontos. Quando confrontada com os escândalos de corrupção que marcaram as três gestões petistas no Governo Federal, Dilma destaca a eficiência e liberdade de ação dos órgãos de fiscalização e combate ao crime, o que não só deixa a afirmação inicial sem resposta, como também a reforça, confirmando tacitamente que havia muita corrupção. No mesmo sentido, as delações dos envolvidos no desvio de verbas da Petrobrás recebem como resposta a acusação de que, na década de 1990, o então presidente Fernando Henrique Cardoso cogitou privatizar a maior estatal brasileira, o que novamente ilustra a forma como não se instaura uma dinâmica de pergunta e resposta na discussão entre Aécio e Dilma.
O campo governista enumera os programas sociais em funcionamento, promete ampliação e acusa o oponente de querer cancelar tais iniciativas, enquanto ao PSDB cabe o papel de proclamar a autoria das atuais políticas sociais, negar intenção de cancelá-las e, assim como os petistas, prometer ampliação dos benefícios. Em relação à proposta de reforma gerencial defendida por Aécio Neves, a equipe de campanha do PT traz à tona as vicissitudes econômicas pelas quais passou o Brasil durante a consolidação do Plano Real na década de 1990, o que não só desloca o foco do futuro para o passado, como também permite que se mantenha o tema da eficiência na gestão pública sob o completo domínio do tucano.
Assim, os debates promovidos por cadeias de televisão se assemelham a versões resumidas da propaganda eleitoral, nas quais há apenas uma sucessão de afirmações sem resposta. É clara a impressão de que cada parte julga estar no comando da dinâmica eleitoral: a confiança total nos poderes do marketing político acaba sendo a principal responsável pelo extermínio do debate político clássico no Brasil.
É preciso atenção, entretanto, pois o repertório de frases feitas lançadas ao eleitor tende a enfastiar os ouvintes, gerando desinteresse ao invés de popularidade. Nesse sentido, o discurso petista apresenta um grau maior de vulnerabilidade, pois usa a comparação com os mandatos de FHC como argumento principal de campanha pela quarta eleição consecutiva, o que reduz definitivamente o efeito de tais ideias sobre o eleitorado. O risco de ousar, saindo do roteiro das afirmativas ensaiadas, tende a ser mais compensador para Aécio Neves, considerando o desgaste natural da argumentação petista; a proposta de mudança e renovação, assim, deve ter início no discurso.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Um tímido começo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 19/10/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As discussões que têm marcado a disputa presidencial, por mais que apresentem muitos pontos em comum com pleitos anteriores, demonstram uma característica peculiar: a presença de tópicos relacionados à forma como o Brasil se posiciona no mundo. Em democracias como os EUA e a Alemanha, por exemplo, as linhas de política externa dos candidatos ao comando do país são tão vivamente discutidas pelos eleitores quanto questões econômicas e programas sociais. Mesmo tímida, a presença de temas de política externa pôde ser notada durante o primeiro turno de forma constante, o que demanda um olhar mais atento.
O protagonismo coube aos candidatos de oposição: em relação à segurança pública, o atual governo foi acusado de privilegiar a afinidade ideológica, adotando uma postura condescendente em relação a países vizinhos que se destacam na produção de drogas, com destaque para a Bolívia. Também sob o argumento de privilegiar a lógica partidária, os governos do PT sofreram desgaste devido aos investimentos em infraestrutura realizados em Cuba e na Venezuela, fato que mesmo gerando demanda para as grandes empreiteiras brasileiras, tem sido atacado pela oposição devido à demanda por obras desse mesmo tipo em solo nacional. Esses tópicos representam um interesse crescente da esfera política brasileira pelo que acontece no exterior; independente da profundidade da discussão, merece destaque a existência do debate em si.
A ausência, entretanto, foi a missão militar brasileira no exterior: mantendo mais de 1.400 soldados no Haiti desde 2004, o Brasil comanda a operação militar das Nações Unidas nesse país, tendo sofrido 22 baixas e gasto R$ 1,3 bilhão. Como consequência, o Brasil se tornou ponto final de um circuito de imigração que trouxe quase 18 mil refugiados haitianos ao país. Mesmo considerando as proporções desse quadro, não foi possível perceber que os candidatos a presidente tenham abordado o tema. Há potencial eleitoral a ser explorado: em 1999, quando o Brasil foi instado a colaborar com o processo de independência da ex-colônia portuguesa do Timor Leste, lideranças parlamentares de destaque converteram o custo estimado da ação militar brasileira em termos de casas populares ou postos de saúde que poderiam ser construídos. Diante de tal possibilidade de desgaste, o então presidente optou por enviar apenas algumas dezenas de policiais, contribuindo com a organização do trânsito na nova nação asiática.
Como os demais campos da ação do Estado nas políticas públicas, a política externa é capaz de gerar ônus e bônus à população brasileira. Porém, por um desenvolvimento histórico peculiar, que envolve questões de sigilo e segurança, esse campo da ação governamental evoluiu de forma afastada dos olhos da população. É preciso que a dinâmica eleitoral, a partir da relação direta que estabelece entre o poder instituído e os cidadãos, modifique essa trajetória definitivamente, trazendo mais transparência quanto aos meios utilizados e os fins buscados pelo Brasil no mundo.

domingo, 12 de outubro de 2014

O velho charme da extrema esquerda

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/10/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Encerrado o primeiro turno da campanha presidencial, tem fim uma etapa interessante da disputa eleitoral: o momento em que as lideranças dos maiores partidos brasileiros disputam o mesmo espaço que os candidatos de agremiações menos expressivas. Perfis tão distintos, quando confrontados, são responsáveis por produzir debates antológicos, tanto da perspectiva do choque de ideias quanto do folclore político. Dentre os candidatos que representam os menores partidos, um grupo tem passado por mudanças significativas nas últimas décadas: são os oriundos da extrema esquerda, que merecem atenção especial por terem crescido substancialmente desde a redemocratização brasileira.
As eleições de 1989 tiveram apenas um candidato que poderia ser associado ao ideário da esquerda revolucionária, que então tinha o Leste Europeu e a União Soviética como referenciais claros de sociedades organizadas pelo socialismo real. A partir da década de 1990, entretanto, desfez-se esse norte, pois tais países abraçaram o capitalismo; restaram apenas os questionáveis exemplos do socialismo chinês e cubano. Mesmo assim, no Brasil as propostas de aplicação do credo socialista ganham cada vez mais adeptos: no atual pleito, havia quatro candidatos a presidente que se posicionavam nesse extremo do espectro político, um grupo ao qual nunca pertenceu o PT.
Essa tendência coincide com um momento singular na América Latina: nunca tantos governantes de esquerda estiveram no poder simultaneamente. Se a esquerda moderada tem, por um lado, encontrado boa recepção nas urnas, essa desagrada profundamente às facções mais ortodoxas do pensamento socialista. Certamente, o caminho para se chegar ao poder é feito de concessões, e as mudanças geradas no socialismo são prova de que não se obtém o consenso democrático sem praticar a moderação. Porém, é exatamente essa dinâmica de negociação e adaptação a um contexto social mais amplo que fomentou o apelo da extrema esquerda: a conquista do poder se revelou como uma decepção para esse grupo político minoritário, pois não se concretizaram seus conceitos particulares de justiça e igualdade.
Diante da frustração pelos objetivos não realizados, muitos rejeitaram o socialismo moderado que alcançou o poder: alguns buscando manter à tona referenciais alternativos de sociedade, e outros apegados à conveniência de continuar vivendo seus sonhos. Aparentemente, pertencem ao segundo grupo os atuais candidatos de extrema esquerda, uma vez que suas propostas, como a criação de milícias populares e o rompimento com o sistema financeiro internacional, ultrapassam os limites de qualquer pauta de demandas progressista. Se o apelo desses candidatos decorre do desejo coletivo de habitar a dimensão do imaginário, então há motivos para preocupação: o exercício do delírio na política não só tem o efeito de deseducar o eleitorado, habituando-o com um padrão irreal e imediatista de demandas, como também o torna público cativo de lideranças pouco propensas à negociação democrática.