terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

PSD: Os desafios ainda estão por vir

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/02/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

  O ano de 2011 teve como um de seus acontecimentos políticos mais marcantes a criação do Partido Social Democrático, capitaneada pelo prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. A crítica foi praticamente unânime, externada por meio de incontáveis artigos e análises motivados pelo fato de que Kassab assumidamente abandonou o mais emblemático partido de oposição ao Governo Federal, para fundar uma agremiação que já nasceu aliada a esse.
  Seguiu-se acalorada discussão sobre as possíveis falhas estruturais do sistema partidário brasileiro, principalmente sua inconsistência em matéria ideológica. Todo esse questionamento, entretanto, cessou repentinamente: o novo partido obteve sucesso não só no intrincado processo legal necessário para seu registro, como também ganhou adesões de peso em todo o país. Rapidamente, o PSD passou da condição de “símbolo de todos os males da política brasileira”, para o status de potência média do contexto partidário nacional. Enfim, virou um fato mais do que consumado.
  Entretanto, apesar de ter conquistado espaço inegável no Parlamento e em governos por todo o país, a curta história do PSD ainda não pode ser considerada como um sucesso. A diversidade de elementos que ele atraiu para si em seu processo de formação pode gerar uma dificuldade grande para a coordenação interna, principalmente para a tomada de decisões em escala mais ampla, como as estaduais e a federal. Quem se arriscar a estabelecer a comparação com o PMDB, deve lembrar que esse partido tem uma base histórica considerável, que remete ao antigo MDB, e a seu corajoso, transparente e frontal combate feito contra o regime ditatorial. Esse legado, mesmo distante, é sempre lembrado e exaltado pelos peemedebistas, o que garante ao partido um certo potencial de união. Esse tipo de componente é totalmente ausente da genética do PSD, tendo sido essa falta de “elementos ideológicos”, inclusive, anunciada com uma ponta de orgulho por Kassab quando do lançamento nacional do partido, em abril de 2011.
  A necessidade de coordenação interna geralmente não surge com destaque nas eleições locais, mas sim nas estaduais e nacionais, que virão em 2014. É fato que o pleito do presente ano já representa um grande desafio ao PSD, pois ganhar força e capilaridade em todo o país são indispensáveis para uma legenda com grandes planos, mas nem todo o sucesso nessa tarefa pode preparar o PSD para o desafio de 2014. Esse pedirá coordenação, coerência, uma hierarquia interna clara, enfim, todos elementos não mencionados ainda por Kassab, que até agora se preocupa principalmente em deixar à vontade os novos companheiros de agremiação. Em poucas palavras, como formar e unir um time coeso e focado, se a proposta partidária, desde o princípio, é a da liberdade quase total? Pela frente, o PSD tem ainda um grande desafio, que deve ser equacionado na esfera institucional; o sucesso das urnas de outubro, se vier, pode apenas cristalizar graves defeitos de origem.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

As Várias europas e seus problemas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/02/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e na edição de 25/02/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)

O recrudescimento da crise na Grécia – evidenciado por protestos populares e pela redução da economia em 7% em 2011 – deixa claro que não se pode usar o nome Europa no singular. A existência de diferenças abissais entre os países que compõem a União Européia – sempre existente, mas camuflada durante a última década por uma certa “euro-euforia” – obriga a uma reflexão detida sobre o nítido retrocesso da integração do continente europeu.
Antes de mais, a posição ocupada hoje por Alemanha, França e Reino Unido deve ser compreendida como fruto de posicionamentos responsáveis – tanto de governos, quanto das sociedades – não só em relação ao futuro, mas principalmente no que tange ao presente, e às dificuldades que esse muitas vezes apresenta. Os países que ocupam as posições “centrais” no contexto europeu enfrentaram desafios os mais diversos durante as últimas décadas, sem com isso lançarem mão de gastos desproporcionais em relação às suas riquezas; hoje, contraditoriamente, financiam os desequilíbrios fiscais alheios.
O déficit das contas públicas gregas, portuguesas e espanholas não é assunto recente, tendo sido profundamente debatido dez anos atrás, quando da implantação do Euro como moeda comum dos países da EU. A essas nações periféricas foi dada a oportunidade de participar do grupo de adotantes da nova moeda, porém mediante o compromisso de mudança no padrão de gastos governamentais; foram estabelecidos prazos e cronogramas diversos, para que se pudesse atingir, de maneira gradual, a velha máxima de “gastar apenas aquilo que se tem” (ou, chegar o mais próximo possível disso). Tudo em vão, pois a última década foi marcada apenas pelo grande afluxo de investimentos – privados e públicos – para as nações periféricas da União Européia, que se preocuparam somente em usufruir de tal momento favorável.
Pode-se argumentar a respeito da complexidade de tal mudança de padrão de gastos governamentais, que envolveria a adoção de uma nova relação entre o Estado e a sociedade. Porém, data também do princípio da década de 2000 o início da vigência no Brasil da Lei de Responsabilidade Fiscal, que tinha o mesmo objetivo daquele exigido de Grécia, Portugal e Espanha, ou seja, o equilíbrio entre arrecadação e gastos governamentais. Hoje, a aversão ao endividamento faz parte da cultura administrativa brasileira, sendo recitada de cor até pelos servidores dos mais humildes municípios brasileiros. Teria sido essa, então, uma missão impossível para gregos, portugueses e afins?
A história recente da integração européia deixa clara, desde já, uma lição: não existe mecanismo para o desenvolvimento econômico que dispense o compromisso com diretrizes de atuação política responsáveis; em outras palavras, não há como superar um atraso secular sem um alto grau de comprometimento e trabalho árduo. Assim ocorreu com Alemanha e França, que hoje financiam a bancarrota alheia por apreço que têm à integração política do continente como um todo; porém, para qualquer resultado que esses busquem atingir, a conta a ser paga já está ficando muito cara.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A gestão pede estabilidade política

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/02/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

A recente renúncia do Ministro das Cidades, Mário Negromonte, deixou parte da crítica política nacional em dúvida se trata-se de mais um caso de afastamento por suspeita de corrupção, ou se o que ocorreu já foi o primeiro sinal da reforma de governo prometida pela presidente Dilma Rousseff para o início de 2012. A esse questionamento, é útil agregar o fato de que a própria montagem da equipe de governo se arrastou por todo o ano de 2011, com disputas por cargos de segundo e terceiro escalão ganhando repercussão inédita em nossa história recente. A confusão aparente entre a montagem da equipe de governo, a suposta crise desse e a realização de sua primeira reforma coloca em destaque a pergunta: o que está acontecendo com o Governo Federal?
Inicialmente, podemos distinguir claramente que a esfera técnica da administração federal não parece ter sido atingida por tal crise: a gestão econômica permanece sob controle, o combate à corrupção tem se intensificado e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mantém seu ritmo. A turbulência vem mesmo é da sustentação política do governo.
É fato notório que Dilma Rousseff dedica atenção especial – quase carinho – à gestão do Estado em seus aspectos mais administrativos. A política ocupa posição secundária em suas prioridades – algo que a presidente não se preocupa em esconder –, e isso a diferencia radicalmente de seu antecessor, Luís Inácio Lula da Silva. Não são incomuns as análises que qualificam Dilma como uma “política apolítica”, que assim como o governador mineiro Antônio Anastasia e o prefeito belo-horizontino Márcio Lacerda, marcariam uma nova geração da política nacional: sucedendo a líderes de grande popularidade e apoiados por amplas bases partidárias, delegam a articulação de suas bases de sustentação política a outras lideranças, já mais afeitas a essa lida. A importância dada a grandes “projetos especiais” também é marca típica dessa nova safra de governantes, que apostam muito nos resultados de suas ações prioritárias.
Tal estilo de gestão política pode se tratar de uma opção pessoal, talvez mesmo voltada para a preservação da imagem do governante. Porém, os resultados – sobretudo no Governo Federal – não têm sido satisfatórios, e devem afetar o funcionamento da própria administração, dentro de um certo tempo. Afinal, não há como manter indefinidamente uma administração em funcionamento apenas através de projetos especiais – como o próprio PAC – ou de pequenos núcleos de excelência – como com a área econômica do governo. É preciso estabilidade e continuidade no funcionamento dos ministérios formais e tradicionais, assim como a racionalização da grande quantidade existente desses, que hoje são quase 40. A escolha dos ministros é um ato político, mas também administrativo: se Dilma e seus partidos de apoio não negociarem e se entenderem de forma direta e definitiva, os resultados do governo acabarão por serem afetados, e não bastará transferir a culpa genericamente à classe dos políticos.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

As escolhas da Argentina

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/02/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e de 07/02/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

O governo da presidente argentina Cristina Kirchner deve colocar em prática, no mês que se inicia, uma série de medidas com o intuito de dificultar a entrada de produtos estrangeiros em seu país. Considerando a proximidade geográfica e o grande volume de comércio, fica claro que o alvo de Cristina é o Brasil, o que deixa no ar uma pergunta: que sentido há, para uma nação que atravessou uma década de crise sem precedentes, em se afastar da sexta maior economia do mundo?
Não é necessário enveredar pelas bizantinas discussões dos economistas – com suas comparações entre modelos de desenvolvimento e séries históricas – para se concluir que a história recente da Argentina gira em torno de escolhas, e das oportunidades que essas viabilizaram – ou impediram. A transição da década de 80 para a de 90 trouxe ao país a estabilização econômica antes que essa ocorresse no Brasil; do mesmo período data também a opção pela integração ao Brasil, que gerou o Mercosul. A aproximação entre as economias dos dois países colocou em contato seus setores produtivos, levando empresários a desenvolverem estratégias de integração dinâmicas e modernas: concentrados nos pontos fortes de cada país, criaram bases de competitividade de padrão mundial em vários setores.
Entretanto, no que se refere às posições de governo, as escolhas argentinas não seguiram por esse caminho: enquanto o Brasil realizou reformas politicamente indigestas na área do controle de gastos e da regulação do sistema bancário, nossos vizinhos passaram ao largo de tais questões, optando por sorver os benefícios – sobretudo políticos – da bonança da década de 90. Quando a crise dos anos 2000 se abateu sobre o continente, o Brasil manteve seus objetivos fiscais e expandiu exponencialmente seus programas de transferência de renda às camadas mais carentes da população, o que fortaleceu em muito o mercado consumidor interno. Por sua vez, a Argentina escolheu fazer uso de um arsenal de medidas de curto prazo – como tabelamentos de preços, confiscos bancários e até a fabricação de índices fictícios de inflação – que não têm produzido resultados concretos, mas que geram ganhos políticos imediatos aos seus líderes.
Agora nossos vizinhos têm mais uma oportunidade: retomar a integração com o Brasil – hoje um dos pólos de dinamismo da economia mundial –, e assim alavancar a recuperação econômica a partir de uma relação política acessível e próxima. O grande potencial agropecuário dos dois países, aliado ao bom momento desses produtos no mercado mundial, estimula ainda mais a parceria. Essa aproximação, entretanto, parece não ser a opção de Cristina Kirchner, que se volta para a defesa da arcaica indústria dos – populosos – arredores de Buenos Aires, enquanto sobrecarrega de impostos os produtores rurais das – pouco povoadas – províncias do interior. Enquanto o ganho eleitoral imediato – que recentemente garantiu fácil reeleição à atual mandatária – permanecer como o principal critério nas escolhas dos líderes argentinos, nuvens de tempestade continuarão a pairar sobre o futuro de nossos vizinhos austrais.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

As coligações municipais e a vontade do eleitor

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/01/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - na edição de 02/02/2012 do Correio de Uberlândia - Uberlândia, Minas Gerais -, na edição de 09/02/2012 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais - e na edição de 23/02/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)

  As eleições municipais de outubro deverão trazer à tona uma série de aspectos curiosos que marcam a diversidade dos 5.565 municípios brasileiros, geralmente bastante divulgados pela imprensa: cidades que registram empate entre candidatos, chapas únicas disputando prefeituras em todo o país, slogans de campanha inusitados, dentre outros aspectos fora do comum. Entretanto, ocorrências de um tipo específico são equivocadamente incluídas nesse conjunto de “curiosidades da política local”: trata-se das alianças formadas, em várias cidades, entre partidos que são adversários em âmbito estadual ou federal. Aparentemente sem importância, esse erro leva à valorização de uma visão centralizadora da representação popular na esfera política, o que equivale a dizer, em poucas palavras, que só os grandes nomes da política estadual e federal seriam capazes de perceber os verdadeiros desejos do povo.
  Para compreender como se dá tal inversão de valores, é preciso ter em consideração que a esfera municipal é aquela mais próxima do dia-a-dia do cidadão; quando se trata de cidades de pequeno porte, inclusive, a interação entre eleitos e eleitores é direta e diária. Dessa maneira, fica tremendamente mais fácil a representação dos interesses da população pelas lideranças políticas locais: se é criada uma coligação de partidos, é forte a possibilidade de que essa tenha sido reunida em torno de propostas específicas para a cidade, enfim, de um projeto de governo. Afinal, as disputas locais são sempre mais acirradas, e as queixas da população, mais enfáticas e constantes.
  Por outro lado, as lideranças partidárias de âmbito estadual e federal não possuem tal contato direto com a população; até mesmo pelo fato de que representam grupos de cidadãos muito maiores e dispersos pelo território. Sendo assim, as afinidades entre partidos estão muito mais relacionadas com o cotidiano da política – como a troca de apoios mútua e constante que viabiliza a sustentação de um governo – do que com projetos de ação em especial. Infelizmente, são poucos os exemplos – em estados e na esfera federal – de projetos que contaram com apoio suprapartidário, de forma que no Brasil a linha divisória entre governo e oposição é extremamente rígida, fazendo poucas exceções a questões técnicas.
  Tendo esse quadro em vista, como questionar a legitimidade e a consistência das coalizões municipais que se formarão para as eleições de outubro? Mesmo a mais polêmica delas – reunindo PT e PSDB – certamente se baseia muito mais no conteúdo progressista de ambos os partidos, do que as alianças que esses fazem com outras forças políticas em âmbito federal e estadual.
  A dinâmica de alianças vigente nos municípios, longe de constituir a aberração que muitos apontam, está de fato focada em plataformas e projetos de interesse comum, que acabam por concretizar a ideologia em esfera local. Essas coalizões representam, assim, maior proximidade em relação à vontade popular, o que deveria inspirar a formação das bases políticas para as eleições estaduais e federais de 2014.