por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/12/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Uma
das mais agudas rivalidades da política brasileira atual, entre o deputado Jair
Bolsonaro e a ministra Maria do Rosário, voltou a ocupar as manchetes que
encerram o noticiário político do ano de 2014. O parlamentar carioca tem sua
conduta investigada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por proferir
um comentário de lógica tortuosa, envolvendo a ministra gaúcha e o estupro como
forma de punição. Diferente de outras vezes em que Bolsonaro e Rosário trocaram
farpas, o entrevero atual envolve questões que vão além dos valores pessoais e
políticos dos protagonistas da cena: trata-se do próprio parlamento brasileiro,
posto em cheque na sua condição de espaço de livre representação do pensamento.
Ao
longo da legislatura que se encerra, foram travadas batalhas na Câmara dos
Deputados em torno de temas como família, sexualidade, religiosidade e direitos
das minorias: por agressivos que se mostrassem os envolvidos, esses se batiam
por valores fundamentais para a sustentação da visão de mundo dos grupos sociais
por eles representados. Nada mais legítimo, portanto, que a Câmara seja palco
da disputa entre diferentes estilos de vida, exemplos da diversidade da
sociedade brasileira, devidamente representada. A democracia brasileira cresceu
a partir desses conflitos: é sintomático, portanto, que todos os parlamentares
envolvidos nos debates polêmicos do último quadriênio tiveram suas votações
ampliadas no pleito de 2014, sejam esses integrantes da bancada religiosa,
defensores dos direitos das minorias ou, como o próprio Bolsonaro, adeptos de
medidas enérgicas no combate à violência urbana. O sinal, assim, foi bastante
claro, indicando a aprovação do eleitor pela forma como seus interesses vêm
sendo representados diante do Estado.
Há
uma importante questão, entretanto, a ser considerada: os limites da democracia
representativa. Em uma democracia plena, a vontade popular desempenha papel
central, devendo ser preservada com todo afinco; porém, nem todo desejo popular
é lícito e, mesmo representando a vontade da maioria, não deve ser incorporado
pelo Estado. Grandes atrocidades da história ocorreram a partir da representação
democrática da vontade das maiorias, contando como exemplo maior a ascensão de
Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Assim, um dos conceitos mais importantes
para a definição de uma democracia não se refere à medida na qual as maiorias
são ouvidas, mas sim às condições disponíveis para que as minorias se façam
representar e possam garantir uma sobrevivência digna perante a vontade
esmagadora da maioria.
O
fato de Bolsonaro ter sido o mais votado deputado federal no Estado do Rio de
Janeiro não tem, dessa forma, importância alguma: a partir do momento que usa
seu mandato para fazer referência a um crime comum, ultrapassa o limite
democrático do poder que lhe foi concedido. Os limites institucionais que
restringem a liberdade total do deputado são, dessa forma, tão democráticos
quanto os mais de 460 mil votos que ele recebeu em outubro.