domingo, 24 de setembro de 2023

Sob nova direção

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

(publicado na edição de 26/09/2023 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)


Já há alguns meses que a imprensa tem constantemente uma pergunta na ponta da língua quando o assunto é Romeu Zema: será o governador mineiro candidato à Presidência da República em 2026? A resposta é sempre evasiva, mas nunca a ponto de colocar uma pedra sobre o assunto. Como ainda estamos distantes de definir o quadro eleitoral, qualquer resposta do governador já é suficiente.

Porém, como já dito nesta coluna em outras oportunidades, a política se faz no campo do óbvio. Qualquer plano secreto, não tem qualquer relevância enquanto permanece secreto – e assim que começa a ser colocado em prática, está visível aos olhos de todos. As ações de Zema nos últimos meses têm toda a veemência que falta às suas palavras. O governador entregou o comando de sua gestão ao vice, Mateus Simões, e partiu para uma bem planejada trajetória de construção de imagem – de acordo com os padrões de gosto nacionais, e não mais apenas para paladares mineiros.

Um exemplo é a recente viagem a Nova York, no momento que todos os olhos estavam voltados para a abertura dos trabalhos anuais da Assembleia Geral das Nações Unidas. Mais do que estar sob os holofotes, Zema em Nova York puxa para si um pouco das atenções que estão concentradas em Lula – não chega a ofuscar o Presidente, mas certamente desafia sua hegemonia sobre o noticiário brasileiro.

É bom lembrar que Zema acabara de retornar de uma quinzena em terras italianas, onde produziu uma profusão de imagens de dinamismo e sofisticação – além do carismático encontro com o Papa Francisco. Desconstruir a imagem folclórica do mineiro introspectivo e pouco ambicioso, pejorativo no imaginário dos brasileiros, é a importante meta que Zema vem se dedicando a realizar nesse momento de sua trajetória nacional.

É possível medir o compromisso de Zema com sua ambição presidencial a partir do quanto a gestão mineira assumiu novos contornos em 2023: abertura de espaço no governo para lideranças da política tradicional, relacionamento estável com o Legislativo, abertura progressiva em relação às Prefeituras Municipais, além de vários outros sinais de menor envergadura – como rearranjos no quadro de lideranças operacionais. Em poucas palavras, a atual gestão mineira é muito mais política, e menos empresarial, o que indica que Mateus Simões não apenas ocupa o espaço vago enquanto Zema se ausenta – o vice-governador efetivamente governa, dando cada vez mais a sua assinatura à atual gestão.

Em uma leitura ainda temporária e superficial, levando em conta o histórico administrativo do período 2019-2022, é possível arriscar que esse novo arranjo governativo representa uma melhoria para Minas Gerais.

De carreira pública, Matheus Simões dá sinais de que vai aproveitar bem melhor o potencial da burocracia estadual mineira – de longe, a mais competente e inovadora do país – assim como dos especialistas em gestão pública do nosso estado. Àqueles que ascenderam por recitar de cor os slogans superficiais do primeiro mandato, talvez caiba um espaço no palanque.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

À prova de argentinos

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

(publicado na edição de 29 de agosto de 2023 de O Tempo, Belo Horizonte, Minas Gerais)


Impossível não falar de Javier Milei nas últimas semanas: o candidato a Presidente menos ortodoxo na história argentina despontou como favorito quando foi o mais votado das prévias eleitorais. Mais difícil é evitar repetir as obviedades que foram ditas a respeito de Milei: seu extremismo político, seu plano para implantar o dólar como moeda oficial da Argentina e até sua preferência pelo esoterismo.

Algo que ainda não foi repercutido no Brasil é que a plataforma econômica de Javier Milei fracassará, deixando a Argentina na maior crise econômica de todas. Esse prognóstico é feito a partir da longa entrevista dada pelo economista chefe da equipe de Milei, Emilio Ocampo, ao canal Todo Notícias.

Ocampo esclareceu vários aspectos operacionais do plano de dolarização da economia argentina, inclusive em relação à maneira como essa medida irá impactar a população de baixa renda. De toda forma, a proposta de Milei e Ocampo é factível, apesar de complexa. O grande problema reside na conceituação que sustenta todo o projeto.

A dolarização é, em si, apenas uma ferramenta para conter rapidamente a inflação: retira-se de circulação o peso argentino – desvalorizado, entre outros motivos, por circular em quantidade excessiva – e lança-se uma nova moeda, mais valorizada por existir em menor quantidade. O raciocínio é simplista – pois a inflação pode ter várias origens, para além do excesso de moeda em circulação – porém, não está incorreto; deve ser capaz de resolver parte do problema inflacionário. Restará sem solução, por exemplo, a inflação derivada das distorções dos sistemas produtivo e de distribuição de mercadorias, assim como a chamada “cultura inflacionária”, que se define pelo hábito de aplicar mecanismos de correção monetária a todos os preços.

Esse roteiro não é novidade: o Brasil já trocou sua moeda diversas vezes para conter a inflação, inclusive utilizando a URV como moeda de transição, para desacostumar a população da inflação “cultural”. Por quê, então, Milei e Ocampo não agem assim?

Porque uma nova moeda argentina também poderia ser manipulada, no futuro, para financiar os excessivos gastos do Estado. Com a adoção do dólar, apenas emitido pelo governo dos EUA, desapareceria a possibilidade de emissão de mais dinheiro para cobrir o rombo do orçamento argentino e, assim, a inflação não ressurgiria.

Em outras palavras, Milei e Ocampo propõem um plano econômico que seja “à prova de argentinos”: assumem a incapacidade de seu povo cuidar de si próprio, e pretendem amarrar as próprias mãos como medida de segurança. Esse fundamento surreal já garante o fracasso da plataforma econômica de Javier Milei – para não mencionar o plano de cortes dos gastos públicos, segundo o qual bastaria “eliminar regalias” dos políticos.

É impossível proteger uma sociedade das consequências das suas escolhas, como se a democracia pudesse funcionar como um videogame. Inclusive, caso elejam Javier Milei em outubro, não vai haver proteção aos argentinos contra a pior crise da história.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

A próxima facada

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 15/08/2023 de O Tempo (Belo Horizonte, Minas Gerais)


 

Desde outubro de 2022, muito se especula sobre o futuro de Jair Bolsonaro e de sua influência na política brasileira. Nessa coluna, já foi dito que os caminhos de Bolsonaro e da direita nacional não precisam mais coincidir, já que essa vertente ideológica pode manter sua força defendendo pautas pontuais que fazem mais sentido para o eleitor conservador do que o culto a um indivíduo específico.

Porém, a eminência da prisão de Jair Bolsonaro necessariamente puxa os holofotes sobre o ex-presidente. É um fato novo, que obriga que sejam refeitos muitos cálculos e previsões da política que já pareciam definitivos.

Isso se dá porque, quanto mais Bolsonaro é objeto passivo da ação de outros, mais cresce como símbolo, passando a representar tudo aquilo que se espera dele – assim, ganha progressivamente força e popularidade. Já quando age e fala por conta própria, Bolsonaro se perde em brigas por temas menores, desgastando a si mesmo e perdendo capital político.

Quando Bolsonaro foi atacado à faca, retirando-se da própria campanha, ele se tornou um símbolo, povoando o imaginário de todos que desejavam mudanças drásticas para o país. Calado, Bolsonaro não podia frustrar as expectativas que eram depositadas sobre ele, e o resultado foi sua vitória.

Em contraste com essa dinâmica, temos os episódios nos quais – já presidente – Bolsonaro interagia com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada: sempre com declarações agressivas e polêmicas, ele frustrava continuamente diferentes parcelas da sociedade.

A prisão de Bolsonaro pode ser dada como certa a partir de um cálculo político, e não jurídico. A forma como vêm sendo liberadas para divulgação as informações sobre supostos ilícitos do ex-presidente – de maneira gradual, contínua e com emoção crescente – facilita com que a opinião pública construa sua própria narrativa sobre a culpa de Bolsonaro. Em uma época de informações fartas e compreensão escassa, faz toda diferença que o destino de Bolsonaro seja revelado como em uma novela – aos poucos. Assim, o público já estará familiar com a ideia de prisão do ex-presidente, quando essa efetivamente ocorrer.

Contribui com essa construção de narrativa a libertação, nos últimos dias, de dezenas de envolvidos nos atos de oito de janeiro: suaviza a imagem do Judiciário e dos responsáveis pelo processo em questão. Faz mais sentido entender essa sequência de fatos como uma estratégia de comunicação planejada para construir um determinado contexto político, do que como fruto de mero acaso.

Tendo como certa – até o momento – a prisão de Jair Bolsonaro, é possível supor que ele voltará ao protagonismo na direita. Contido e sem acesso ao discurso, voltará a ser uma folha em branco, na qual diferentes facções da direita escreverão os enredos que acharem mais convenientes – sempre tendo como pano de fundo os valores básicos e justiça e da liberdade. Nessa sequência de discursos passionais, não vai haver lugar para avaliação do mandato ou mesmo para a consideração dos motivos da prisão.

domingo, 30 de julho de 2023

O caso da Flórida

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 1º de agosto de 2023 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais


O caso da Flórida

 

Considerando um ponto de vista científico, sempre foi questionável a associação entre a eleição de Donald Trump nos EUA em 2016 e a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018. Afinal, é difícil conjecturar que dezenas de milhões de eleitores brasileiros se inspirem nos EUA no momento de decidir em quem votar.

Porém, tendo em vista as coincidências, é interessante manter um olhar atento sobre o cenário pré-eleitoral dos EUA. No final de agosto, ocorrerá o primeiro debate entre os pré-candidatos à Presidência pelo Partido Republicano: nos Estados Unidos, quem decide as candidaturas definitivas de cada partido são os eleitores, em votação direta.

O ex-presidente Donald Trump é favorito, clamando por vingança contra a imaginada fraude eleitoral que o vitimou em 2020 – enfim, traz mais do mesmo. Seu principal opositor dentro do Partido Republicano, entretanto, é uma figura essencial para a compreensão dos caminhos futuros da direita ideológica nos EUA – e, quiçá, também no Brasil. Ron De Santis é governador da Flórida, cumprindo seu segundo mandato; além de trazer crescimento econômico inédito para seu estado, De Santis também é responsável pela efetivação de políticas conservadoras que beiram o extremismo.

Fiscalização do conteúdo dos livros infantis de todas as escolas públicas, banimento da realização de abortos em gestações de mais de seis semanas, proibição de atletas trans em competições esportivas: essas são algumas medidas de cunho conservador que De Santis propôs e conseguiu aprovação junto ao Legislativo Estadual. Esses são temas extremamente importantes para o eleitorado de direita nos EUA, e o governador da Flórida mostra realizações concretas nesse sentido. Ao mesmo tempo, Trump continua seus discursos desconexos e rancorosos nas redes sociais, em conflito até mesmo com seu próprio legado presidencial.

O sucesso de Ron De Santis é fruto de seu estilo pessoal: meticuloso no planejamento e agressivo na execução, envolveu-se profundamente nas eleições legislativas, conseguindo não apenas maioria absoluta, como fidelidade total de sua base de deputados estaduais. Todo e qualquer espaço de poder foi ocupado por partidários de De Santis – incluindo conselhos escolares – o que garantiu poder absoluto ao governador. Políticos republicanos de outros estados já foram à Flórida para aprender com De Santis seu “estilo de governo”, e isso tem garantido a ele espaço de sobra na mídia nacional.

Porém, os apoiadores do Partido Republicano ainda confiam mais na algazarra de Trump do que na eficiência metódica de De Santis: o ex-presidente tem a preferência de 52% de seus correligionários, enquanto o governador da Flórida recebe o apoio de apenas 15% dos eleitores de seu partido em escala nacional.

Esse pequeno panorama pode nos dizer, portanto, que o eleitorado da direita talvez se guie mais pela aparência do que pelo conteúdo, mais pelo coração do que pela razão. Se for válida também para o Brasil, essa tendência tem que estar presente em nosso radar político.

sábado, 29 de julho de 2023

Placebo contra a ansiedade

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 25/07/2023 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais


Os conceitos de presente e de futuro se tornaram bem confusos na modernidade ultra-acelerada na qual vivemos. Planejamento, previdência, provisionamento e ansiedade nervosa se fundiram em um bloco só – que atingiu em cheio a mais humana das atividades, a política.

Há pouco mais de dois meses, nessa coluna, apontei que a campanha eleitoral de 2024 para a Prefeitura de Belo Horizonte já tinha nomes, grupos e uma dinâmica própria em andamento – como se já estivessem próximas as convenções partidárias. Carlos Viana e Bruno Engler polarizavam o quadro, enquanto Duda Salabert e Gabriel Azevedo testavam posturas eleitorais de quando em vez.

Com esses quatro nomes em voga, já havia personagens e conteúdo suficiente para uma grande trama eleitoral. O futuro, então, havia sido antecipado e começava a acontecer.

Porém, o futuro virou passado em poucas semanas, e agora se desenha um quadro bem mais complexo na disputa pelo comando da capital mineira – não só pela quantidade de personagens que surgiram, como também pela densidade política desses novos nomes.

Fuad Noman, atual prefeito de Belo Horizonte, vinha se mantendo em um grau de discrição que beirava a apatia política, mesmo enquanto outros já cobiçavam abertamente sua posição. Era razoável pensar, até mesmo, que Noman não deveria disputar a reeleição – afinal, o comandante da máquina pública precisa de muito pouco para se manter em evidência, e ainda assim, o atual prefeito pouco fazia para se mostrar. Agora, esse quadro mudou, e Fuad se tornou figura fácil nos meios de comunicação. Mais do que isso, passou a falar como protagonista de propostas e soluções para a cidade – um requisito indispensável para quem pretende passar pelo teste das urnas.

Outro nome que ressurgiu com força é o de João Leite, que conta com três campanhas municipais anteriores como reforço natural de sua imagem. Derrotado no segundo turno em 2000 e em 2016, João Leite já mostrou ser capaz de ganhar muitos votos e de incorporar as esperanças dos eleitores – peca pela falta de algum detalhe, nos momentos finais da disputa. Em um ambiente político já desgastado pelos extremismos, o perfil sóbrio de Leite pode ser exatamente o que procura o belorizontino em 2024.

Por fim, chama atenção a movimentação virtual intensa que assumiu o ex-vice-governador Paulo Brant, agora filiado ao PSB. Caso siga no ritmo atual, Brant terá estrutura partidária e um histórico de equilíbrio político a seu favor, o que pode ser valioso se a rejeição ao extremismo político tiver peso em 2024.

Com sete postulantes viáveis, a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte se tornou imprevisível. Para cada corrente ou estilo político, haveria no mínimo dois candidatos dividindo o mesmo espaço – isso, para não mencionar o usual conflito entre perfis distintos. A quantidade de variáveis em jogo é tamanha, que qualquer prognóstico que se faça hoje não passa de placebo contra a ansiedade.

Um novo futuro se desenhou, sem dar chance para que as previsões anteriores se concretizassem.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Lula 2018: A medida do novo será a medida do sucesso

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/10/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, o Datafolha divulgou dados cujos pontos principais estão relacionados ao ex-presidente Lula: 35% dos brasileiros estão dispostos a elegê-lo novamente para a Presidência da República, enquanto cerca de 55% preferem que o destino do líder petista seja o cárcere. Tais percentuais são suficientes para agradar a ambos os extremos do espectro político, cada um destacando aquilo que mais lhe agrada eleitoralmente. Entretanto, convém ler tais números sob uma perspectiva equilibrada. Os 35% de intenção de voto declarada em Lula sem dúvida constituem vantagem significativa para o petista.
A origem desse capital eleitoral, entretanto, tem suscitado interpretações conflitantes. Por um lado, há quem veja o apoio a Lula como fruto dos resultados colhidos por seus dois governos: o eleitorado, portanto, faria uma escolha racional pela recuperação de um padrão de governo. Sob esse viés, haveria muito potencial de crescimento para a candidatura de Lula em 2018, já que o público beneficiado por suas políticas, grosso modo, seria bem maior do que a terça parte do eleitorado nacional que já se declarou a favor do petista. Assim, bastaria construir uma campanha relembrando o que foi feito entre 2003 e 2010, para depois receber de braços abertos os votantes que voltarem e reconhecer os louros do passado.
Outra vertente interpreta os 35% de intenção de votos em Lula como fruto de sua exposição prolongada aos olhos de todos, tanto como presidente quanto como protagonista em sete eleições nacionais. Seguindo essa linha, o crescimento das intenções de voto em Lula não será necessariamente fácil na campanha de 2018: afinal, se todos o conhecem, por quê a aprovação de seu nome não seria ainda maior?
Avançando para além dessas duas visões, é importante recordar que o PT e seus candidatos costumam contar com público cativo no Brasil, que oscila em torno de 30% do eleitorado. Dessa forma, se Lula conta hoje com aproximadamente 35% de eleitores, algo que podemos ter como válida é a persistência da fidelidade dos eleitores tradicionalmente simpáticos ao PT. Trata-se de uma vitória, principalmente dentro do contexto atual pelo qual passa o partido.
Como o desafio do PT sempre foi o de convencer o público indeciso a aderir à sua plataforma, hoje persiste essa tarefa. Para analisa-la, vale a pena considerar o outro número de destaque da pesquisa Datafolha: os 55% dos brasileiros que querem Lula atrás das grades. Diferente de outros momentos, agora não há uma massa de indecisos, dispostos a ouvir propostas para formar opinião: há, sim, uma oposição aguda à figura de Lula, que abarca mais da metade dessa população.
É possível perceber, assim, que o futuro de Lula não está tão ligado ao seu ponto de partida, mas sim ao tortuoso caminho que tem pela frente. Enquanto outros nomes encontram rejeição do eleitorado, Lula tem diante de si o desejo popular de que ele seja preso. Trata-se, afinal, de um novo patamar de impopularidade, difícil de ser revertido.
As fórmulas utilizadas no passado dificilmente repetirão o mesmo sucesso, pois não foram concebidas para reverter um ambiente tão hostil. A medida na qual Lula buscar se reinventar, na imagem que projeta e nos métodos que pratica, vai indicar o potencial de sucesso do petista em 2018. Até agora, os sinais indicam que o PT se prepara para reprisar os enredos do passado, o que lhes direciona para o pior prognóstico possível.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Nos bastidores do mundo, a Coreia do Norte continua ativa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/10/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A tensão entre Estados Unidos e Coreia do Norte continua a crescer a cada semana. Enquanto nenhuma das partes busca reduzir a agressividade de seus discursos, o parlamento da Coreia do Sul aprovou uma ajuda emergencial de US$ 8 milhões à sua vizinha do norte, em uma tentativa de recuperar a estratégia de apaziguamento que funcionou muito bem durante a segunda metade dos anos 1990. Nesse contexto, uma notícia passou quase despercebida: Angola e Moçambique, países com os quais compartilhamos profundos laços culturais e históricos, estão sob investigação das Nações Unidas por supostamente desrespeitarem as sanções comerciais impostas por essa organização internacional à Coreia do Norte.
De acordo com a denúncia, ambos os países africanos fizeram negócios recentemente com empresas de propriedade do governo norte-coreano. No caso de Angola, por exemplo, a relação entre o governo norte-coreano e a empresa Green Pine é tão explícita, que os funcionários dessa são credenciados como servidores da embaixada norte-coreana nesse país. Suspeita-se que Angola tenha contratado serviços do país asiático para treinamento de suas tropas de elite, além de ter se envolvido em uma negociação de compra de navios de guerra que não prosperou.
No caso de Moçambique, foram adquiridos mísseis, um sistema de defesa antiaérea e um radar junto à empresa norte-coreana Haegeumgang. Enquanto as Nações Unidas aguardam respostas das duas nações africanas, registram também uma circulação atípica de cidadãos norte-coreanos pela África, provavelmente prospectando ou já conduzindo outros negócios desse tipo.
Essa situação é ilustrativa do quão limitados são os instrumentos de pressão utilizados por organismos multilaterais como as Nações Unidas. Na ausência de um efetivo governo de caráter internacional, capaz de impor suas decisões pela força de seus próprios meios e ultrapassar as soberanias dos países, qualquer decisão coletiva acaba sempre dependendo da boa vontade dos governos nacionais para produzir efeitos.
Assim, enquanto houver atores interessados em obter ganhos a partir do descumprimento de orientações de órgãos como a ONU, a efetividade desses será bem limitada. É bem provável que os governos de Angola e Moçambique obtiveram preços e condições mais vantajosos em seus negócios com a Coreia do Norte do que encontrariam no mercado legítimo de bens e serviços militares. Por qual outro motivo, então, arriscariam suas reputações ao negociar secretamente com um regime malquisto por quase todos?
Gostem ou não os idealistas, o mundo do século XXI não difere muito em sua essência da estrutura política internacional vigente, por exemplo, em meados do século XVII: tem-se como regra um conjunto de Estados nacionais soberanos, entregues à busca de seus interesses egoístas e que só podem ser contidos pela força de outros Estados igualmente soberanos cujos interesses conflitem com os seus. Qualquer variação em relação a isso é temporária, pontual e não passa de estratégia para produzir os melhores resultados a um custo inferior ao que teria uma ação puramente militar.
Nos bastidores do mundo político internacional há muito mais acontecendo do que no palco das organizações internacionais. A pergunta mais importante do momento atual é: quão habilitada está a equipe de novatos escolhida por Donald Trump para atuar nos bastidores da política mundial? A resposta, por enquanto, parece desanimadora.