terça-feira, 26 de setembro de 2017

Lula vs Bolsonaro: o feitiço que pode se voltar contra o feiticeiro

por Paulo Diniz (publicado na edição de 26/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Em passagem por Belo horizonte, o deputado Jair Bolsonaro conseguiu o que nenhum outro pré-candidato à Presidência da República obteve até agora: ampla, detalhada e exaustiva cobertura da imprensa. Essa exposição extrema à mídia não foi acidental: Bolsonaro se esforçou bastante para chegar às manchetes. Além das tradicionais declarações de apoio à ditadura, violência policial e posicionamentos radicais em relação a todos os assuntos polêmicos, o deputado prometeu ainda trazer o mar a Minas Gerais. Não satisfeito, Bolsonaro também causou tumulto em uma universidade da capital, onde seus apoiadores e detratores trocaram as agressões verbais e físicas de praxe. Assim, mesmo munido de discurso pobre e comportamento repetitivo, Jair Bolsonaro conquistou todas as atenções.
Os afoitos de plantão podem mencionar alguma teoria da conspiração que aponte para conluios secretos entre Bolsonaro, a sanha internacional do capitalismo ianque e a totalidade da imprensa brasileira: interesses sempre unidos contra a indefesa esquerda nacional. Entretanto, antes assumir esse discurso fácil, é importante lembrar o incrível trabalho de divulgação que a esquerda vem prestando a Bolsonaro nos últimos meses: desde os militantes que se encarregam de tumultuar todos os eventos do deputado fluminense até o ex-presidente Lula, todos parecem concentrar esforços para tornar Bolsonaro cada vez mais famoso.
O fascínio petista por Bolsonaro, entretanto, não pode ser creditado unicamente a erros na estratégia de comunicação. O partido de Lula busca se colocar como o principal adversário capaz de defender o país da catastrófica chegada de Bolsonaro ao poder; para tanto, seria indispensável mostrar ao público o quão terrível pode ser o deputado fluminense. Trata-se de uma estratégia que tem dado certo desde 2006, quando o PSDB ocupava o papel de vilão nacional. Hoje Jair Bolsonaro ocupa com vantagens a função de nêmesis petista: se opõe a quase todas as bandeiras defendidas pelo PT, é agressivo e antipático, foi militar e elogia torturadores do período da ditadura. Bolsonaro toca voluntariamente em todas as discussões que os petistas gostam de debater e nas quais acreditam ter bons argumentos.
O problema surge quando os petistas supõem que o povo brasileiro pensa como seu partido, e que ficaria naturalmente a seu lado no caso de confrontação de imagens e ideias polêmicas. Por exemplo, o discurso de Bolsonaro pelo uso de força extrema no combate ao crime, rechaçado pelo PT, tem enorme apelo popular. Em geral, por contar com a vantagem de quem nunca comandou o Executivo, Bolsonaro também não precisa mostrar números de sucesso para poder criticar sem piedade os resultados obtidos pelas gestões petistas.
Elevando Bolsonaro à categoria de “inimigo a ser batido”, os petistas ignoram a hipótese de que muitos eleitores podem estar exatamente buscando um anti-heroi em quem votar: promovendo o adversário, o PT acabaria por indicar o caminho pelo qual os eleitores podem expressar seu descontentamento com os políticos tradicionais. É bom lembrar também que Jair Bolsonaro até agora passou incólume pelo turbilhão de denúncias que assolam o Brasil nos últimos anos, o que permite um contraponto agudo em relação ao PT. Dessa forma, se insistirem no duelo entre Lula e Bolsonaro, os estrategistas do PT podem estar levando a plataforma eleitoral do partido para nada menos que a aniquilação em 2018.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Porto Rico e Venezuela: não há ideologia no fracasso

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A crise na Venezuela, desastre humanitário que agora se aproxima de um desfecho militar, teve origem no descontrole dos gastos públicos durante o período de alta nos preços do petróleo e foi agravada pela desordenada expansão do Estado para controlar a economia. Esse receituário, que resulta da adoção pelo regime venezuelano de ideais alegadamente socialistas, foi o mesmo roteiro que levou à ruina dos países europeus que praticaram o chamado “socialismo real” até o final dos anos 1980. Essa tradicional cartilha socialista, preocupada em distribuir riqueza, falhava por não ensinar como produzi-la.
Mesmo que nem todo movimento de controle estatal da economia traga uma carga ideológica, é exatamente por esse viés que a crise venezuelana tem sido colocada em evidência. O colapso do regime bolivariano tem sido apresentado como uma vitrine do futuro que esperava o Brasil caso prosseguissem os governos petistas. Entretanto, vale lembrar que há mais de um caminho para chegar ao fundo do poço, e a ilha caribenha de Porto Rico tem potencial para se tornar uma versão capitalista da tragédia venezuelana.
Sendo oficialmente um “Estado associado” aos EUA, Porto Rico preservou para si atributos de um país independente, ao mesmo tempo que manteve laços íntimos com a nação ianque: por exemplo, os porto-riquenhos são cidadãos norte-americanos, utilizam o dólar como moeda e não possuem forças armadas. O curioso estatuto legal desse país foi considerado por seus habitantes, durante décadas, como uma vantagem estratégica em relação aos países vizinhos e aos próprios estados que compõem os EUA. Dessa forma, fazendo uso da peculiaridade legal de Porto Rico, foram concedidos benefícios fiscais para a atração de indústrias a partir da década de 1970, isenções de impostos para quem comprasse títulos da dívida porto-riquenha dos anos 1990 em diante, e na década seguinte, foram aprovadas novas exceções de impostos com o objetivo de transformar a ilha no novo endereço dos ricos e famosos dos EUA.
Todas essas medidas de estímulo à economia buscavam potencializar o efeito de forças já existentes no mercado. Por exemplo, os compradores de títulos da dívida porto-riquenha tinham a garantia, na constituição desse país, de que receberiam seu pagamento mesmo que o governo não conseguisse custear serviços básicos à população. Assim, a incerteza do investidor era um problema maior do que o bem-estar do povo para o governo da ilha. Voluntariamente submetida às demandas do capitalismo liberal, hoje Porto Rico possui uma dívida de US$ 78 bilhões, baixa capacidade de arrecadação de impostos e enfrenta constante perda de indústrias para países asiáticos. Por não se tratar de um estado norte-americano, a ilha não pode decretar falência e pedir apoio federal, e por isso tem fechado escolas e hospitais para reunir recursos e custear suas dívidas.
Os chamados “fundos abutres”, que lucram a partir da cobrança judicial de títulos de nações falidas, já controlam cerca de 30% dos papéis porto-riquenhos e arrastam o futuro da ilha para os tribunais dos EUA. Enquanto isso, dezenas de milhares de pessoas deixam o país a cada ano, incluindo uma média de um médico por dia, e 45% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Assim, vê-se que não existe ideologia capaz de salvar os países de suas próprias condutas equivocadas: Venezuela e Porto Rico se equivalem, no descaso de seus governos com o povo.
 

O efeito “vote em nenhum dos três”: O eleitor brasileiro pode escolher por exclusão em 2018

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Uma antiga comédia norte-americana tinha como enredo a seguinte situação: o pobre e decadente protagonista, para herdar a fortuna deixada por um parente distante, tinha que cumprir o desafio de gastar uma parte desse valor em pouco tempo, sem acumular patrimônio ou destruir bens. Diante da tarefa, o personagem vivido pelo genial Richard Pryor decide se lançar como candidato a prefeito de Nova York, criando uma campanha milionária sob o slogan de “vote em nenhum dos três”; afinal, não tinha qualquer pretensão em seguir carreira política. Surpreendentemente, o anti-heroi em questão desponta como favorito do eleitorado, o que faz com que ele renuncie da disputa fictícia que vinha empreendendo. Por mais que essa trama tenha pouca chance de ocorrer na vida real, o comportamento dos eleitores do filme não parece tão estranho como prognóstico para as eleições nacionais brasileiras de 2018.
A rejeição aos políticos tradicionais, percebida desde as massivas manifestações populares de 2013 no Brasil, já é tida como fator inevitável para o pleito do ano que vem. Os índices de não comparecimento, de votos brancos e nulos atingiram patamares muito altos nas eleições de 2014 e 2016, de forma que mesmo previsões conservadoras esperam que essa tendência seja acentuada pela divulgação recente de vários escândalos de corrupção. Há discussões importantes sendo feitas atualmente sobre os efeitos práticos de um sistema político do qual participam pouco mais de dois terços da população: como iriam repercutir, por exemplo, entre os estratos da sociedade que não votam, as medidas tomadas por um governo que lhes é totalmente estranho? O potencial para violência é grande, uma vez que a falta de participação cada vez mais afasta a política de seu papel de representação dos ideais, desejos e necessidades da sociedade perante os mecanismos do Estado.
O problema da baixa representatividade no sistema político brasileiro, por outro lado, tem um importante aspecto que poucos consideram: o efeito produzido pelo desengano com a política naquela parte do eleitorado que, efetivamente, ainda vota e pretende continuar a fazê-lo. Trata-se de dois terços da população apta a votar, que irá efetivamente produzir um resultado nas urnas em outubro do ano que vem, e que se encontra em grande risco de ser dominada pelo efeito “vote em nenhum dos três”, tal como na comédia de Pryor. É possível prever, sob esse prisma, que muitos brasileiros podem vir a escolher em quem votar por um processo simples de exclusão: não mais buscarão um candidato que os agrade, mas instintivamente, tenderão a apoiar o que menos lhes causar repulsa.
Tomando a lógica do “vote em nenhum dos três” como pano de fundo, poderemos ter uma campanha presidencial que demande dos candidatos posicionamentos inovadores em 2018, algo que nenhum dos pré-candidatos de maior destaque tem sequer ensaiado até agora. A caravana realizada pelo ex-presidente Lula pelo interior do Nordeste, por exemplo, representa a repetição de um roteiro datado da década de 1990, reencenado por alguém que protagoniza a política nacional desde o final dos anos 1980. No mesmo sentido, os opositores em potencial desse discurso envelhecido também indicam disposição para reeditar tramas do passado, repetindo o antagonismo antipetista que é capaz de enfastiar até os eleitores mais motivados.
À medida que se desenha no horizonte um enfrentamento entre PT e PSDB, repetindo não só os papeis como os atores que os ocupam, cresce ainda mais a possibilidade de que o efeito “vote em nenhum dos três” desempenhe função decisiva nas urnas; afinal, os eleitores têm assistido a esse mesmo enredo desde 1994. Instintivamente, candidatos como o radical Jair Bolsonaro contam com essa dinâmica política de exclusão das figuras tradicionais pelo eleitor, para nutrir suas próprias esperanças de poder. Porém, o cenário pode não ser tão simples assim, uma vez que figuras extremas são tradicionais no folclore político brasileiro, sem que a notoriedade alcançada as tenha alçado a mais do que postos isolados no Congresso Nacional; o médico Enéas Carneiro, nesse caso, desponta como o maior exemplo.
O efeito “vote em nenhum dos três”, dessa forma, pode acabar levando ao poder o candidato que causar menos repulsa ao eleitor, podendo ser esse uma novidade política ou também o político mais insosso que se colocar à disposição de um eleitorado desgastado e desmotivado.