por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/09/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Uma
antiga comédia norte-americana tinha como enredo a seguinte situação: o pobre e
decadente protagonista, para herdar a fortuna deixada por um parente distante,
tinha que cumprir o desafio de gastar uma parte desse valor em pouco tempo, sem
acumular patrimônio ou destruir bens. Diante da tarefa, o personagem vivido
pelo genial Richard Pryor decide se lançar como candidato a prefeito de Nova
York, criando uma campanha milionária sob o slogan de “vote em nenhum dos
três”; afinal, não tinha qualquer pretensão em seguir carreira política.
Surpreendentemente, o anti-heroi em questão desponta como favorito do eleitorado,
o que faz com que ele renuncie da disputa fictícia que vinha empreendendo. Por
mais que essa trama tenha pouca chance de ocorrer na vida real, o comportamento
dos eleitores do filme não parece tão estranho como prognóstico para as
eleições nacionais brasileiras de 2018.
A
rejeição aos políticos tradicionais, percebida desde as massivas manifestações
populares de 2013 no Brasil, já é tida como fator inevitável para o pleito do
ano que vem. Os índices de não comparecimento, de votos brancos e nulos
atingiram patamares muito altos nas eleições de 2014 e 2016, de forma que mesmo
previsões conservadoras esperam que essa tendência seja acentuada pela
divulgação recente de vários escândalos de corrupção. Há discussões importantes
sendo feitas atualmente sobre os efeitos práticos de um sistema político do
qual participam pouco mais de dois terços da população: como iriam repercutir,
por exemplo, entre os estratos da sociedade que não votam, as medidas tomadas
por um governo que lhes é totalmente estranho? O potencial para violência é
grande, uma vez que a falta de participação cada vez mais afasta a política de
seu papel de representação dos ideais, desejos e necessidades da sociedade perante
os mecanismos do Estado.
O
problema da baixa representatividade no sistema político brasileiro, por outro
lado, tem um importante aspecto que poucos consideram: o efeito produzido pelo
desengano com a política naquela parte do eleitorado que, efetivamente, ainda
vota e pretende continuar a fazê-lo. Trata-se de dois terços da população apta
a votar, que irá efetivamente produzir um resultado nas urnas em outubro do ano
que vem, e que se encontra em grande risco de ser dominada pelo efeito “vote em
nenhum dos três”, tal como na comédia de Pryor. É possível prever, sob esse
prisma, que muitos brasileiros podem vir a escolher em quem votar por um
processo simples de exclusão: não mais buscarão um candidato que os agrade, mas
instintivamente, tenderão a apoiar o que menos lhes causar repulsa.
Tomando
a lógica do “vote em nenhum dos três” como pano de fundo, poderemos ter uma
campanha presidencial que demande dos candidatos posicionamentos inovadores em
2018, algo que nenhum dos pré-candidatos de maior destaque tem sequer ensaiado
até agora. A caravana realizada pelo ex-presidente Lula pelo interior do
Nordeste, por exemplo, representa a repetição de um roteiro datado da década de
1990, reencenado por alguém que protagoniza a política nacional desde o final
dos anos 1980. No mesmo sentido, os opositores em potencial desse discurso
envelhecido também indicam disposição para reeditar tramas do passado,
repetindo o antagonismo antipetista que é capaz de enfastiar até os eleitores
mais motivados.
À
medida que se desenha no horizonte um enfrentamento entre PT e PSDB, repetindo não
só os papeis como os atores que os ocupam, cresce ainda mais a possibilidade de
que o efeito “vote em nenhum dos três” desempenhe função decisiva nas urnas;
afinal, os eleitores têm assistido a esse mesmo enredo desde 1994.
Instintivamente, candidatos como o radical Jair Bolsonaro contam com essa
dinâmica política de exclusão das figuras tradicionais pelo eleitor, para
nutrir suas próprias esperanças de poder. Porém, o cenário pode não ser tão
simples assim, uma vez que figuras extremas são tradicionais no folclore
político brasileiro, sem que a notoriedade alcançada as tenha alçado a mais do
que postos isolados no Congresso Nacional; o médico Enéas Carneiro, nesse caso,
desponta como o maior exemplo.
O
efeito “vote em nenhum dos três”, dessa forma, pode acabar levando ao poder o
candidato que causar menos repulsa ao eleitor, podendo ser esse uma novidade
política ou também o político mais insosso que se colocar à disposição de um
eleitorado desgastado e desmotivado.
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