domingo, 26 de junho de 2016

De olho no "baixo clero"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/06/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O noticiário político recente tem se concentrado sobre o processo de cassação de Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados, o que coloca em evidência figuras pouco conhecidas do público. Personagens como a baiana Tia Eron, deputada federal que desapareceu no momento de proferir o voto derradeiro sobre o futuro de Cunha no Conselho de Ética da Câmara, hoje impressionam a opinião pública com seus padrões de comportamento pouco apropriados para alguém que recebeu a confiança de mais de cem mil pessoas. A representatividade do sistema político brasileiro, portanto, é tema que precisa ser bastante discutido.
O principal componente da democracia não é apenas sua capacidade para escutar as maiorias, mas sim a maneira como permite a participação das minorias no exercício do poder. Nesse sentido, a democracia representativa brasileira mostra condições formais para cumprir com tal função: nossa sociedade é diversa, e não há dúvida de que o Legislativo Nacional já reflete uma parte desses extremos e contradições.
A questão, portanto, é: quais interesses representam personagens como Tia Eron? Trata-se, basicamente, de uma componente do grande grupo denominado “baixo clero”, ou seja, aqueles que não ocupam qualquer lugar de destaque no Parlamento. É possível imaginar que tais parlamentares sequer têm pretensões de alcançar fama e glória na política.
A principal preocupação dos deputados que compõem o “baixo clero” parece ser mesmo a de se manter no cargo, o que os leva a mirar constantemente na próxima eleição. Dessa forma, procuram de todas as formas mostrar resultados apenas para as pessoas que votaram neles no pleito passado. O horizonte limitado desses parlamentares não é, por definição, um problema: na pior das hipóteses, ajudam a manter a situação atual, que lhes permitiu a chegada ao poder.
A questão principal não se relaciona tanto com a ação dos políticos, mas sim com a ausência de ação do eleitorado. A prática da representação pressupõe que o público tenha consciência do sistema político, e assim faça uso desse para levar à atenção do Poder Público suas demandas. O entrave brasileiro reside, portanto, nessa equação aparentemente simples: em um país com mais de 35% de analfabetos totais e funcionais, qualquer transmissão de conhecimento se torna uma tarefa extremamente difícil. Uma grande parte da população, assim, tem sua participação na política condicionada pelo jogo de aparências realizado por muitos candidatos, especialmente os membros do “baixo clero”.
Esse fenômeno tem efeitos que vão além da baixa representatividade de parte da população brasileira junto ao poder. Quando um deputado não se sente vigiado por seus eleitores, passa a se comportar de acordo com uma dinâmica individualista, o que dita os rumos da Câmara como um todo: não se forma maioria sem o consentimento desse grande grupo, o que obriga qualquer governo a atender às vontades pontuais e superficiais do “baixo clero”. Dependemos, assim, da educação para romper esse ciclo

domingo, 19 de junho de 2016

Marina Silva: eterna novidade

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 19/06/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Nos momentos de tensão política, já virou lugar comum questionar o paradeiro de Marina Silva. Assim, não causa surpresa o sumiço quase completo da ex-senadora durante a crise política pela qual passa o Brasil. Poucas foram as opiniões dadas, e menor ainda foi seu comprometimento com qualquer facção política. Sobre a economia o silêncio foi absoluto. O que vale a pena perguntar, agora, é sobre a viabilidade política dessa estratégia de desaparecimento quase completo, que claramente está voltada para a disputa presidencial.
É fato que há bastante tempo o eleitorado está carente de novos nomes e propostas. Marina Silva tem buscado atender a essa demanda desde 2010, quando obteve um incrível terceiro lugar na votação geral. Em 2014, apesar dos percalços, Marina teve a confirmação da avidez do público por mudanças: liderou as pesquisas de intenção de voto por muito tempo, sucumbindo apenas ao final, diante do jogo baixo dos dois principais partidos tradicionais. Está provado, portanto, que Marina semeia em solo fértil, e que tem plena consciência disso.
O que muitos veem como sinal de alheamento de Marina Silva em relação à realidade, tem se mostrado a longo prazo como uma estratégia acertada na disputa pelo eleitorado brasileiro. Por exemplo, a inércia da candidata acreana ao sofrer uma brutal campanha difamatória por parte de Dilma Rousseff em 2014 pode ter lhe custado a vitória; porém, o infortúnio público e político da presidente afastada hoje tem o efeito de destacar Marina como a vencedora natural desse debate. No atual contexto, todo o discurso feito contra Marina durante a eleição mudou de significado: por exemplo, a desvinculação da ex-senadora de uma grande coalizão partidária, argumento atirado contra ela no passado, hoje aparece como uma vantagem para a imagem de Marina; afinal, todos os grandes partidos estão profundamente desgastados junto à população.
É claro que não faz sentido pensar que a ex-senadora sacrificou suas chances reais em 2014 em favor de uma vitória futura, mas é certo que sua postura de evitar envolvimento com as tramas e personagens da política tradicional fortalece sua imagem de “diferente” com o passar do tempo.
É nítida a percepção de que Marina Silva não tem pressa para chegar à Presidência da República: a persistência de Lula é um exemplo do qual ela, inclusive, participou. Sendo assim, os longos sumiços de Marina Silva nos períodos não eleitorais têm o sentido de preservar a aura de novidade em torno de seu nome, principal trunfo a seu favor no cenário atual de desgaste dos políticos e partidos tradicionais.
Os riscos que Marina corre ao adotar tal estratégia não são muitos. À parte de um improvável esquecimento de seu nome pelo eleitorado, ela poderia ser superada na preferência popular por um inesperado candidato novato, que atrairia ainda mais as esperanças populares do que a ex-senadora. Entretanto, agora que seu nome surge associado a doações irregulares de campanha, resta saber se esse plano de ação vai se sustentar.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Michel Temer com a faca e o queijo na mão

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/06/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Em menos de um mês de funcionamento, o governo de Michel Temer já perdeu dois de seus ministros devido à divulgação de gravações que os colocavam em posição de suspeita de corrupção e obstrução da justiça. Para boa parte da crônica política, isso é sinal de que o governo interino enfrenta sua primeira crise. Para os dilmistas remanescentes, subitamente partidários do vazamento pela imprensa de trechos de investigações e processos judiciais, eis a prova de que o novo governo é tão corrupto quanto o anterior; um argumento, aliás, que aos olhos do público nunca contribuiu para engrandecer os líderes petistas e suas gestões.
Provavelmente, cada uma dessas perspectivas guarda certo grau de validade. Porém, o ponto mais importante vem sendo deixado de lado: o fato de que tem ficado nítida a habilidade política dos integrantes do novo governo. Por exemplo, a rapidez com que os ministros Romero Jucá e Fabiano da Silveira foram afastados de seus cargos foi marcante, podendo ser contada em uma questão de horas. O contraste em relação às gestões petistas é radical: nessas, sob o argumento de que suspeitas não necessariamente levam a condenações, os protagonistas de escândalos eram mantidos indefinidamente em seus cargos, a serviço de Lula e Dilma. Dessa forma, os efeitos do escândalo da vez se prolongavam no tempo, contribuindo inclusive para reforçar a percepção popular de que as administrações petistas foram incrivelmente mais corruptas do que todas as demais. No caso de Temer, a demissão do protagonista do escândalo tem permitido que a sucessão de fatos do noticiário se encarregue de diluir os efeitos políticos de cada crise, enviando Jucá e Silveira ao passado. Essa dinâmica tende a se reforçar porque a pauta do combate à crise econômica costuma dominar as atenções.
Outro ponto importante, que passou despercebido para muitos: indicado por Renan Calheiros para o governo, Silveira foi visto por muitos como um nome “blindado”, cuja demissão poderia gerar constrangimento com o presidente do Senado e, com isso, a perda de importante apoio político. Tal impressão durou pouco, pois rapidamente Renan Calheiros divulgou nota afirmando que não havia feito qualquer indicação para o ministério de Temer: assim, deu sinal verde tanto para a exoneração do ministro suspeito, quanto para a contenção da crise. O mais importante a ser destacado, nessa situação, é o entrosamento interno do PMDB, fato raro, mas que torna o partido extremamente poderoso.
O contraste com o governo anterior é gritante: Temer é dotado de habilidade política considerável e a tem colocado em prática para fortalecer seu governo. Some-se a isso a coesão do PMDB e o poder para definir os gastos públicos federais, e é possível prever que o presidente em exercício tem “a faca e o queijo na mão” para se garantir no cargo até dezembro de 2018. A aprovação pelo Congresso Nacional de matérias complexas como a nova meta fiscal, deficitária em R$ 170 bilhões, é sinal prévio da solidez da nova plataforma de poder.

Tudo pode piorar na economia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/06/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)


A divulgação do rombo nas contas públicas federais pelo governo de Michel Temer, de cerca de 170 bilhões de reais, joga luz sobre pontos da gestão de Dilma Rousseff que não faziam parte de sua propaganda oficial. Nos bastidores do Planalto, sob o disfarce de uma onda aparentemente infinita de otimismo, acumulavam-se descontrole e dívidas.  O pagamento dessa conta, compromisso do novo governo, representa uma notícia bastante desagradável a todos os cidadãos, que terão que bancar o reequilíbrio do Estado à custa de impostos e cortes nos serviços públicos. Nesse sentido, o único ponto que se pode levantar em defesa do PT é que, dentre suas propostas, nunca constaram a busca pelo equilíbrio e eficiência na gestão pública.

Mas, como reza o ditado popular: nada está tão ruim a ponto de não poder piorar um pouco mais. O cenário eleitoral dos EUA, rompendo uma tendência centenária, tem hoje como um de seus tópicos mais importantes a criação de barreiras comerciais que dificultem a entrada de produtos estrangeiros em seu mercado. Tal mudança é surpreendente porque os norte-americanos, sinceros ou não em seu discurso, sempre pregaram em favor do livre comércio entre as nações como um fator de desenvolvimento mundial. Destoando totalmente em relação aos europeus, e muitas vezes também em relação ao Brasil, os EUA atuam como força liberalizante na economia mundial: frequentemente vinculam, nos debates internacionais, a abertura de seu mercado à possibilidade de poder vender livremente seus produtos nos mercados dos países com os quais negocia. Essa postura já permitiu até que o Brasil cobrasse tratamento justo na entrada de alguns de seus produtos no mercado norte-americano, como foi o caso polêmico do suco de laranja. Ao final, a coerência dos EUA em torno do livre comércio predominou sobre a possibilidade de ganhos da economia ianque no curto prazo.

A quebra desse paradigma vem sendo aventada por dois, dos três, personagens do cenário pré-eleitoral: Donald Trump e Bernie Sanders, extremos opostos do espectro ideológico. Por diferentes razões, ambos os pré-candidatos acreditam que a abertura econômica foi responsável pela migração de milhões de postos de trabalho dos EUA para outros países, causando também queda do nível salarial do trabalhador norte-americano. Há argumentos econômicos consistentes que colocam em segundo plano tais discursos; porém, dentro da lógica eleitoral, um argumento é tão válido quanto é aceito pelo público. Sendo assim, a pré-candidata melhor posicionada nessa disputa, Hillary Clinton, já dá sinais de que tende a encampar parte dessa lógica protecionista, como forma de evitar perder votos em novembro. 

Para o Brasil, esse prognóstico é péssimo: não apenas os EUA estão tradicionalmente entre os nossos maiores parceiros comerciais, como também a crise nacional reduziu o consumo interno, deixando as empresas brasileiras dependentes de suas vendas para o exterior.  Convém acompanhar com atenção o cenário político dos EUA em 2016...e torcer.

Um bom legado petista

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A experiência de não se ter um governo do PT chefiando o país após 13 anos de domínio contínuo tem causado estranheza no Brasil das últimas semanas. A ausência de mulheres e negros no ministério de Michel Temer, por exemplo, gerou alarde que foi muito além dos círculos solitários de dilmistas rancorosos. O mesmo pode ser dito a respeito da extinção formal do Ministério da Cultura, pasta de orçamento mirrado e tradicionalmente sucateada, mas que ganhou uma importância simbólica imensa após seu fim.
É possível entender, a partir das primeiras polêmicas protagonizadas pela presidência de Michel Temer, que a longa passagem do PT pelo poder deixou marcas no Brasil, e nem todas essas estão relacionadas com os gigantescos déficits fiscais que ainda sequer foram completamente descobertos.
A pauta de obrigações do Estado, por exemplo, sofreu uma considerável inversão em suas prioridades. Programas assistenciais, dentre os quais se destaca o Bolsa Família, ocupavam papel secundário antes de 2003, tanto na esfera federal quanto, reflexivamente, em outras instâncias de governo. Explica-se essa mudança pela experiência intensiva da população em contar com esse tipo de apoio do Estado, de maneira que hoje a redução de tais programas geraria desgaste político. Não foi por mera bondade, portanto, que Temer anunciou a manutenção e aperfeiçoamento de tais programas já em seu primeiro discurso como presidente.
A representatividade do primeiro escalão da administração federal é outro exemplo: é fato que um ministro não necessariamente precisa ser especialista no tema da pasta que chefia, já que esse papel cabe ao corpo técnico permanente de cada ministério; dessa forma, é razoável demandar que o time dos principais atores políticos do país guarde alguma proporcionalidade com a composição da sociedade brasileira em si. Essa compreensão, hoje comum, pode ser atribuída em parte à ênfase feita por Dilma a respeito de sua condição feminina: a polêmica em torno do termo “presidenta”, afinal, deixou marcas.
É preciso reconhecer, dessa forma, que ao longo dos últimos 13 anos a forma de se encarar o Estado mudou em vários aspectos no Brasil, e essa alteração constitui um legado significativo dos governos Lula e Dilma. À parte das infelizes continuidades que o período petista representou, reforçando os fenômenos tradicionais da corrupção, da ineficiência e do aparelhamento do Estado, há fatores importantes a serem contabilizados, que se relacionam diretamente com as expectativas que a opinião pública faz de sua relação com o Estado.
Mesmo ocupando a antessala do poder federal há cinco anos, Michel Temer parece não ter percebido o surgimento desse novo aspecto da política brasileira. Em suas primeiras semanas no poder, foi levado a recuar duas vezes, fazendo concessões a tais tipos de demandas: nomeou uma mulher para o comando do BNDES, órgão que supera boa parte dos ministérios em orçamento e poder, e recriou o Ministério da Cultura. Espera-se que tenha aprendido que o Brasil mudou.

A sutil vingança de Collor e a volta de Dilma

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 22/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O afastamento da presidente Dilma Rousseff gerou um turbilhão de fatos que estarão presentes certamente nos livros de história. Merece destaque a sutil vingança do senador Fernando Collor, que usou a narrativa petista de “golpe de Estado” contra Dilma para indicar que o impeachment por ele sofrido em 1992 foi muito mais simplificado e apressado; sob essa lógica, portanto, teria ele também sofrido um “golpe”. Arrematando seu discurso, Collor afirmou que “a história havia lhe reservado” tal oportunidade, de votar pelo impeachment, lembrando ao PT que a vítima de 1992 agora era algoz.
A transição de governo ocupa agora jornalistas e analistas políticos. Porém, o que deve ser mantido em destaque é que o cenário político atual é essencialmente provisório. Não apenas porque o processo de impeachment apenas foi iniciado formalmente, e que há chances reais de que Dilma se defenda com sucesso das acusações, mas principalmente porque a sustentação política de Michel Temer será difícil de ser obtida. A crise econômica permanece, e as reformas necessárias para debelá-la são muito impopulares.
No campo político, assim como as votações na Câmara e no Senado reproduziram o desgaste da ex-presidente, também o atual mandatário pode se indispor facilmente com a opinião pública e com o Parlamento, dificultando a obtenção dos votos necessários para sua permanência no poder.
Para salvar os dois anos finais de mandato presidencial, Dilma Rousseff deveria, portanto, explorar as muitas fragilidades que o governo Temer certamente apresentará. Para guiar sua oposição durante os 180 dias de afastamento forçado, basta que Dilma cobre de seu sucessor exatamente aquilo que lhe foi pedido durante os dois últimos anos. Com segurança, portanto, Dilma já pode dispersar sua tropa pessoal de agitadores, atualmente ocupada em ações performáticas e queima de pneus: não passa por aí a reconquista da opinião pública e, como consequência, a retomada de seu mandato.
A simplicidade desse esquema de ação, entretanto, é ilusória. Isso porque, para que um eventual fracasso gerencial de Temer se transforme na volta do PT ao poder, é preciso que Dilma faça aquilo que ela nunca considerou necessário ou importante: política. Arrebanhar parlamentares descontentes, negociar posições conjuntas, dividir poder de decisão, aceitar opiniões, objetivos e interesses divergentes: essas ações implicam em conciliar e transigir, verbos que, a julgar pelo passado recente, são incompatíveis com a maneira como Dilma vê o papel próprio de quem ocupa o comando da nação.
A questão principal, portanto, é: será que Dilma mudará seu conceito sobre a política nos 180 dias de afastamento compulsório do poder? Sua volta à Presidência da República depende mais de suas próprias ações do que de fatores externos, como a paranoica tese do “golpe de Estado” veiculada pelo PT. Porém, exatamente por depender da própria Dilma, é que se pode apostar com certo grau de segurança que o mandato interino de Temer logo se tornará definitivo.

Sistemas partidários: democracia demais?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 15/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O afastamento de Dilma Rousseff do poder vem despertando uma série de dúvidas sobre a origem da atual conjuntura política; por exemplo, questiona-se o porquê de ela ter sido alçada à condição de candidata à Presidência em 2010. O debate gira em torno das conveniências pessoais e políticas do então presidente Lula e, especialmente, da forma como sua vontade se sobrepôs no ambiente interno do PT.
Nesse contexto, a questão mais importante diz respeito ao sistema partidário brasileiro, que usualmente funciona a partir de decisões tomadas a portas fechadas e que envolvem apenas um grupo reduzido de lideranças. Na busca por alternativas, o modelo norte-americano tem despertado grande atenção: nos EUA, a escolha dos candidatos pelos principais partidos é feita, em grande parte, pela própria população, em um processo de eleições primárias. A disputa ora em curso está próxima de um final surpreendente: o Partido Republicano, que iniciou o processo com o número recorde de 16 pré-candidatos, agora tem apenas um na disputa, justamente o que mais desagrada às lideranças partidárias.
Figuras alinhadas ao perfil tradicional dos republicanos, como Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes, foram sumamente descartados pelos filiados do partido de todo o país, em favor do histriônico e populista Donald Trump, novato tanto na política quanto no partido. O contraste com o panorama brasileiro é extremo, uma vez que por aqui, seria praticamente inconcebível a escolha de um candidato que não agradasse a maioria dos líderes partidários. A impressão, em análise superficial, é mesmo de que o sistema norte-americano é tanto mais democrático quanto desejável, já que permite a expressão fiel da vontade popular.
Entretanto, é necessária uma análise mais profunda: o sistema norte-americano de primárias, apesar de mais participativo, deixa aberta a possibilidade de que as artimanhas usuais das campanhas eleitorais sejam utilizadas também no contexto pré-eleitoral, produzindo manipulações da vontade coletiva. O caso de Trump é exemplar, uma vez que, mesmo mobilizando as massas populares pelo uso criativo da mídia, é certo que está seguindo para as urnas um nome que muitos líderes do Partido Republicano consideram inapropriado para conduzir a nação mais poderosa do planeta. A instância partidária, que superficialmente poderia ser vista como um intermediário à vontade popular, deixou nesse caso de cumprir seu papel democrático fundamental: o de atuar como ambiente de discussão política equilibrada, ampliando a perspectiva das vozes, muitas vezes conturbadas, que vêm das ruas.
Portanto, assim como no caso brasileiro, o sistema eleitoral norte-americano deixa aberta a possibilidade de que uma alternativa extrema prevaleça, conturbando a escolha do eleitor. Nos EUA de 2016, a participação popular suplantou o partido, levando à escolha de um radical; no Brasil de 2010, a direção do partido suplantou a participação dos filiados, possibilitando a seleção de uma candidata alheia ao meio político.

África do Sul: um outro impeachment

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O noticiário político nacional, por motivos compreensíveis, vem sendo marcado por um único assunto nos últimos meses. O processo de afastamento de Dilma Rousseff vem sendo discutido em todas as suas filigranas jurídicas à exaustão, o que gera o efeito colateral de reduzir a perspectiva com a qual o observamos. Nesse sentido, um fato importante foi desconsiderado pela imprensa brasileira, e que pode contribuir para a compreensão do que ocorre na política brasileira: trata-se do processo de impeachment do presidente da África do Sul, Jacob Zuma.
Quase concomitante com o calvário de Dilma, o processo contra o presidente sulafricano teve como estopim o uso inadequado de recursos públicos no sítio de propriedade particular de Zuma: pela lei desse país, apenas os gastos com segurança são custeados pelo Estado, porém foi apurada a construção de uma piscina, um anfiteatro, um curral e um galinheiro com verbas públicas. O valor total desviado foi de 23.000 dólares.
O presidente Jacob Zuma, membro do mesmo partido que o lendário Nelson Mandela, conta com ampla maioria no legislativo: seu partido Congresso Nacional Africano (CNA) mantém a tradicional liderança que exerce sobre a política da África do Sul, conquistada ao longo das décadas nas quais combateu o regime de segregação racial, encerrado em 1994. Mesmo assim, setores consideráveis do CNA fizeram duras críticas a Zuma, o que tornou real o risco de que o processo de impeachment fosse aprovado.
Cessam aqui as semelhanças com o caso brasileiro. Inicialmente, porque Jacob Zuma assumiu seu erro, pedindo perdão a seu partido e à nação. Dessa forma, Zuma buscou descartar a polêmica, enterrando o assunto de uma vez por todas. O contraste com a atitude padrão do governo de Dilma Rousseff é nítido: via de regra, negam os fatos contrários à presidente e, quando obrigados a reconhecê-los, sempre falta o pedido de perdão; tem sido assim desde a crise do setor elétrico até as malfadadas pedaladas fiscais.
Para além da importante tarefa de amainar os ânimos, Zuma também tratou de articular sua base política, reforçando o apoio de seus correligionários: fez isso dispensando tempo para ouvir os queixosos e, principalmente, assumindo compromissos com os insatisfeitos de seu próprio campo político. Essa atitude, estratégica porém também humilde, ainda não foi registrada no Palácio do Planalto: quando muito, ofertas atabalhoadas de cargos no governo, como quem paga um desagradável pedágio.
Ao fim da sessão de cinco de abril, o parlamento sul-africano contava 233 votos favoráveis ao presidente, e apenas 143 contrários à continuidade de seu mandato; faltaram assim 124 votos para que Zuma fosse afastado. Foi o fim do processo de impeachment na África do Sul. Esse exemplo indica como a sorte de Dilma Rousseff poderia ter sido outra, caso a presidente tivesse seguido o roteiro simples e intuitivo de Jacob Zuma. Agora é tarde para a brasileira, e nem todos os shows de música com artistas famosos podem reverter esse quadro político.

Sinais trocados: uma previsão para outubro de 2016

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 01/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Faltando menos de três meses para o início das campanhas eleitorais municipais, é ensurdecedor o silêncio que cerca o assunto. À parte dos prefeitos habilitados a disputar reeleição, até mesmo as especulações mais preliminares sobre a formação de chapas surgem hoje de forma tímida. Essa cautela, não é difícil estimar, tem suas origens na incrível agitação que tomou conta da esfera federal: duas importantes tendências devem surgir daí, para afetar a dinâmica política dos municípios em 2016.
Na atual configuração do federalismo brasileiro, que atribui ao município a responsabilidade por uma extensa lista de serviços públicos, é normal que temas administrativos dominem a agenda eleitoral das cidades. Não foram poucas as ocasiões nas quais os prefeitos foram comparados a síndicos, cuja escolha tem mais relação com o manejo eficiente de problemas locais, do que com a filiação do candidato a movimentos políticos de escala nacional. Alianças partidárias, tradicionalmente, ganham importância como indicadores de uma maior capacidade de um candidato obter apoio junto aos governos federal e estadual na resolução dos problemas locais.
Em 2016, entretanto, o destaque alcançado por partidos e nomes de expressão nacional tem potencial para inverter essa lógica. O desgaste acumulado pelo PT, protagonista nesse processo, pode contaminar a imagem dos seus candidatos a prefeito: essa preocupação já é evidente hoje, pois figuras de destaque do petismo já têm abandonado o partido. Nesse sentido, o governador Fernando Pimentel foi profético ao adotar predominantemente, no material de sua campanha vitoriosa de 2014, padrões de cores que pouco lembravam o vermelho estrelado.
Em Minas Gerais, o PT emergiu das urnas em 2012 como o terceiro partido que mais comandava prefeituras, superado por PSDB e PMDB respectivamente. Na última eleição municipal, foi nas cidades de grande porte que o PT obteve destaque, como por exemplo Uberlândia, Pouso Alegre, Governador Valadares e Ribeirão das Neves; dessa forma, vai ser nesses importantes colégios eleitorais que o partido terá mais dificuldade para preservar seu patrimônio político, tanto da cobiça dos rivais tradicionais, quanto de novos adversários em ascensão, como o PSB.
Outra tendência importante para 2016, também derivada do plano federal, está relacionada com a entrada de grande quantidade de novos candidatos na disputa eleitoral municipal. Como os nomes tradicionais estão desgastados pelo descrédito geral da classe política junto á opinião pública, assim como a forma tradicional através da qual esses costumam cortejar o eleitor, é forte o incentivo para que novas figuras se arrisquem nas urnas. O cerco da Polícia Federal aos grandes esquemas de financiamento ilegal de campanhas também tende a afugentar os patrocinadores de políticos mais experientes, o que torna o jogo eleitoral muito mais equilibrado. É possível prever que, mesmo com poucos recursos em mãos, candidatos novatos terão mais chances do que nunca para chegar ao poder.

O Gabinete Temer: interino ou transitório?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/04/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A admissão do processo de impeachment contra Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados não representa surpresa para quem acompanha as nuances da política brasileira. Vários episódios construíram, ao longo dos últimos dois anos, a votação de 17 de abril, dentre eles: o rompimento da bancada evangélica com o PT, motivado pela divulgação de comentários preconceituosos feitos por Lula em 2015; o atraso constante no pagamento das emendas parlamentares por parte do Planalto; a incapacidade em gerenciar a complexa relação com o PMDB, que acabou gerando uma rara unidade do partido, dentre outros eventos menores.
Hoje, é quase consenso a análise de que o Senado admitirá o processo de impeachment: vários os membros dessa Casa já sinalizaram o desejo de não se indispor com a Câmara, cuja decisão foi impactante sobre a sociedade. Não ocorrendo imprevisto, é uma questão de tempo até que o governo interino de Michel Temer tenha início, o que acontecerá sob as piores condições possíveis: além dos problemas econômicos e administrativos herdados de Dilma, o próximo presidente terá que lidar com um alto grau de expectativas, proporcional à rejeição quase unânime que impulsionou o processo de impeachment.
No mesmo sentido, os 367 votos favoráveis ao afastamento de Dilma estão longe de representar uma base parlamentar de apoio ao PMDB. Trata-se, afinal, de um grupo heterogêneo, cujo único ponto em comum é a rejeição a Dilma Rousseff. A favor de Temer, nesse aspecto, conta apenas a nítida consciência que esse demonstra ter a respeito da necessidade crucial de construção de consenso com todas as correntes políticas.
Para a composição da equipe de governo, a velha dicotomia entre escolhas de caráter político ou técnico estará mais viva do que nunca para o sucessor de Dilma: ao mesmo tempo, estarão presentes demandas políticas vorazes por cargos no Governo Federal, assim como a necessidade de se produzir melhorias imediatas na vida da população. Normalmente, a nomeação de políticos não melhora o funcionamento do Estado, assim como a nomeação de técnicos não costuma produzir apoio político ao governante. Dosar com precisão os perfis selecionados para o gabinete de Temer, deixando a todos satisfeitos, é tarefa muito difícil, e com certeza causará os primeiros grandes atritos do governo interino.
Considerando a gravidade e dificuldade dos desafios postos a Michel Temer, é preciso então ver com outros olhos o governo interino que ele comandará a partir da admissão do impeachment por maioria simples do Senado. Caso não consiga gerar mudanças perceptíveis na vida da maioria da população, que apoia a retirada de Dilma do poder, o mandato do presidente interino corre o sério risco de se resumir aos 180 dias regulamentares, ao longo dos quais transcorrerão as etapas de investigação e julgamento do impeachment. As forças populares e políticas mobilizadas por Temer podem se voltar contra ele com grande rapidez, se ganhar corpo a sensação de que a mudança no comando do país foi em vão.

No pós-impeachment, eleições antecipadas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/04/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A crise política da esfera federal vem se agravando em duração e intensidade inéditas na história brasileira recente. Um efeito curioso dessa situação se produz hoje sobre os políticos, que parecem não mais ter limites para o que propõem. É nesse ambiente, de liberdade absoluta, que o ex-presidente Lula volta a Brasília para atuar como articulador político de sua sucessora. Não há dúvida de que se trata de alguém hábil na lida com os demais políticos, porém a questão principal diz respeito à capacidade de Lula realizar milagres: será possível reverter o incrível grau de desgaste atingido por Dilma junto ao Congresso e à sociedade?
As ações patrocinadas por Lula, se não forem suficientes, ao menos estão voltadas para a direção certa: ouvir deputados e buscar atender seus interesses políticos em um ano eleitoral. A negociação de cargos no governo federal em troca de votos contrários ao impeachment, por mais que escandalize a opinião pública, ao menos significa que o grupo governista não ficará inerte durante o próprio linchamento político.
O ativismo político de Lula, entretanto, também pode ser uma notícia ruim para Dilma: vem ganhando forças uma proposta inédita de antecipação das eleições presidenciais para outubro próximo. Esse plano surgiu nos bastidores petistas, segundo jornalistas que frequentam tal ambiente, ganhou as manchetes por meio de figuras do PMDB que ainda se relacionam com Lula, e agora a ideia caminha por conta própria, esposada por figuras que se opõem ao governo. Em sua turnê pelo Brasil, na qual discursa para plateias cuidadosamente selecionadas, Lula tem feito discursos intensos, que mesclam a defesa da pessoa da presidente com o ataque à política econômica do governo: uma mensagem que só faz sentido se interpretada como promoção personalista do próprio Lula.
É justamente essa perspectiva que permite traçar um cenário para a política brasileira no momento posterior à votação do impeachment de Dilma Rousseff. Qualquer que seja o resultado que emergir do plenário da Câmara dos Deputados, é certo que a proposta de eleições antecipadas não perde força nem defensores. Lula, por exemplo, continuará em maus lençóis: no caso de sobrevivência do governo de Dilma, ele permanece em evidência devido às investigações ora em curso que o têm como objeto; já na ocorrência de um novo governo, Lula não poderá mais contar com o relativo apoio institucional do qual desfrutou até hoje em sua defesa. A possibilidade de assumir diretamente o poder, e assim enfrentar sua situação pessoal em condições mais vantajosas, pode servir como motivação irresistível para que Lula patrocine abertamente a proposta de antecipação das eleições de 2018.
Por incrível que pareça, figuras políticas dos mais variados matizes tencionam aderir ao movimento, animadas pela perspectiva de chegada mais rápida ao poder pela via eleitoral. O fato é que, passada a votação do impeachment, ainda é pouco provável que o Brasil vá viver momentos de tranquilidade política no curto prazo.