por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
A
experiência de não se ter um governo do PT chefiando o país após 13 anos de
domínio contínuo tem causado estranheza no Brasil das últimas semanas. A
ausência de mulheres e negros no ministério de Michel Temer, por exemplo, gerou
alarde que foi muito além dos círculos solitários de dilmistas rancorosos. O
mesmo pode ser dito a respeito da extinção formal do Ministério da Cultura,
pasta de orçamento mirrado e tradicionalmente sucateada, mas que ganhou uma
importância simbólica imensa após seu fim.
É
possível entender, a partir das primeiras polêmicas protagonizadas pela
presidência de Michel Temer, que a longa passagem do PT pelo poder deixou
marcas no Brasil, e nem todas essas estão relacionadas com os gigantescos
déficits fiscais que ainda sequer foram completamente descobertos.
A
pauta de obrigações do Estado, por exemplo, sofreu uma considerável inversão em
suas prioridades. Programas assistenciais, dentre os quais se destaca o Bolsa
Família, ocupavam papel secundário antes de 2003, tanto na esfera federal
quanto, reflexivamente, em outras instâncias de governo. Explica-se essa
mudança pela experiência intensiva da população em contar com esse tipo de
apoio do Estado, de maneira que hoje a redução de tais programas geraria
desgaste político. Não foi por mera bondade, portanto, que Temer anunciou a
manutenção e aperfeiçoamento de tais programas já em seu primeiro discurso como
presidente.
A
representatividade do primeiro escalão da administração federal é outro
exemplo: é fato que um ministro não necessariamente precisa ser especialista no
tema da pasta que chefia, já que esse papel cabe ao corpo técnico permanente de
cada ministério; dessa forma, é razoável demandar que o time dos principais
atores políticos do país guarde alguma proporcionalidade com a composição da
sociedade brasileira em si. Essa compreensão, hoje comum, pode ser atribuída em
parte à ênfase feita por Dilma a respeito de sua condição feminina: a polêmica
em torno do termo “presidenta”, afinal, deixou marcas.
É
preciso reconhecer, dessa forma, que ao longo dos últimos 13 anos a forma de se
encarar o Estado mudou em vários aspectos no Brasil, e essa alteração constitui
um legado significativo dos governos Lula e Dilma. À parte das infelizes
continuidades que o período petista representou, reforçando os fenômenos
tradicionais da corrupção, da ineficiência e do aparelhamento do Estado, há
fatores importantes a serem contabilizados, que se relacionam diretamente com
as expectativas que a opinião pública faz de sua relação com o Estado.
Mesmo
ocupando a antessala do poder federal há cinco anos, Michel Temer parece não
ter percebido o surgimento desse novo aspecto da política brasileira. Em suas
primeiras semanas no poder, foi levado a recuar duas vezes, fazendo concessões
a tais tipos de demandas: nomeou uma mulher para o comando do BNDES, órgão que
supera boa parte dos ministérios em orçamento e poder, e recriou o Ministério
da Cultura. Espera-se que tenha aprendido que o Brasil mudou.
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