terça-feira, 14 de junho de 2016

Um bom legado petista

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A experiência de não se ter um governo do PT chefiando o país após 13 anos de domínio contínuo tem causado estranheza no Brasil das últimas semanas. A ausência de mulheres e negros no ministério de Michel Temer, por exemplo, gerou alarde que foi muito além dos círculos solitários de dilmistas rancorosos. O mesmo pode ser dito a respeito da extinção formal do Ministério da Cultura, pasta de orçamento mirrado e tradicionalmente sucateada, mas que ganhou uma importância simbólica imensa após seu fim.
É possível entender, a partir das primeiras polêmicas protagonizadas pela presidência de Michel Temer, que a longa passagem do PT pelo poder deixou marcas no Brasil, e nem todas essas estão relacionadas com os gigantescos déficits fiscais que ainda sequer foram completamente descobertos.
A pauta de obrigações do Estado, por exemplo, sofreu uma considerável inversão em suas prioridades. Programas assistenciais, dentre os quais se destaca o Bolsa Família, ocupavam papel secundário antes de 2003, tanto na esfera federal quanto, reflexivamente, em outras instâncias de governo. Explica-se essa mudança pela experiência intensiva da população em contar com esse tipo de apoio do Estado, de maneira que hoje a redução de tais programas geraria desgaste político. Não foi por mera bondade, portanto, que Temer anunciou a manutenção e aperfeiçoamento de tais programas já em seu primeiro discurso como presidente.
A representatividade do primeiro escalão da administração federal é outro exemplo: é fato que um ministro não necessariamente precisa ser especialista no tema da pasta que chefia, já que esse papel cabe ao corpo técnico permanente de cada ministério; dessa forma, é razoável demandar que o time dos principais atores políticos do país guarde alguma proporcionalidade com a composição da sociedade brasileira em si. Essa compreensão, hoje comum, pode ser atribuída em parte à ênfase feita por Dilma a respeito de sua condição feminina: a polêmica em torno do termo “presidenta”, afinal, deixou marcas.
É preciso reconhecer, dessa forma, que ao longo dos últimos 13 anos a forma de se encarar o Estado mudou em vários aspectos no Brasil, e essa alteração constitui um legado significativo dos governos Lula e Dilma. À parte das infelizes continuidades que o período petista representou, reforçando os fenômenos tradicionais da corrupção, da ineficiência e do aparelhamento do Estado, há fatores importantes a serem contabilizados, que se relacionam diretamente com as expectativas que a opinião pública faz de sua relação com o Estado.
Mesmo ocupando a antessala do poder federal há cinco anos, Michel Temer parece não ter percebido o surgimento desse novo aspecto da política brasileira. Em suas primeiras semanas no poder, foi levado a recuar duas vezes, fazendo concessões a tais tipos de demandas: nomeou uma mulher para o comando do BNDES, órgão que supera boa parte dos ministérios em orçamento e poder, e recriou o Ministério da Cultura. Espera-se que tenha aprendido que o Brasil mudou.

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