por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/05/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O
noticiário político nacional, por motivos compreensíveis, vem sendo marcado por
um único assunto nos últimos meses. O processo de afastamento de Dilma Rousseff
vem sendo discutido em todas as suas filigranas jurídicas à exaustão, o que gera
o efeito colateral de reduzir a perspectiva com a qual o observamos. Nesse
sentido, um fato importante foi desconsiderado pela imprensa brasileira, e que pode
contribuir para a compreensão do que ocorre na política brasileira: trata-se do
processo de impeachment do presidente da África do Sul, Jacob Zuma.
Quase
concomitante com o calvário de Dilma, o processo contra o presidente
sulafricano teve como estopim o uso inadequado de recursos públicos no sítio de
propriedade particular de Zuma: pela lei desse país, apenas os gastos com
segurança são custeados pelo Estado, porém foi apurada a construção de uma
piscina, um anfiteatro, um curral e um galinheiro com verbas públicas. O valor
total desviado foi de 23.000 dólares.
O
presidente Jacob Zuma, membro do mesmo partido que o lendário Nelson Mandela,
conta com ampla maioria no legislativo: seu partido Congresso Nacional Africano
(CNA) mantém a tradicional liderança que exerce sobre a política da África do
Sul, conquistada ao longo das décadas nas quais combateu o regime de segregação
racial, encerrado em 1994. Mesmo assim, setores consideráveis do CNA fizeram
duras críticas a Zuma, o que tornou real o risco de que o processo de impeachment
fosse aprovado.
Cessam
aqui as semelhanças com o caso brasileiro. Inicialmente, porque Jacob Zuma
assumiu seu erro, pedindo perdão a seu partido e à nação. Dessa forma, Zuma
buscou descartar a polêmica, enterrando o assunto de uma vez por todas. O
contraste com a atitude padrão do governo de Dilma Rousseff é nítido: via de
regra, negam os fatos contrários à presidente e, quando obrigados a reconhecê-los,
sempre falta o pedido de perdão; tem sido assim desde a crise do setor elétrico
até as malfadadas pedaladas fiscais.
Para
além da importante tarefa de amainar os ânimos, Zuma também tratou de articular
sua base política, reforçando o apoio de seus correligionários: fez isso
dispensando tempo para ouvir os queixosos e, principalmente, assumindo
compromissos com os insatisfeitos de seu próprio campo político. Essa atitude,
estratégica porém também humilde, ainda não foi registrada no Palácio do
Planalto: quando muito, ofertas atabalhoadas de cargos no governo, como quem
paga um desagradável pedágio.
Ao
fim da sessão de cinco de abril, o parlamento sul-africano contava 233 votos
favoráveis ao presidente, e apenas 143 contrários à continuidade de seu
mandato; faltaram assim 124 votos para que Zuma fosse afastado. Foi o fim do
processo de impeachment na África do Sul. Esse exemplo indica como a sorte de
Dilma Rousseff poderia ter sido outra, caso a presidente tivesse seguido o
roteiro simples e intuitivo de Jacob Zuma. Agora é tarde para a brasileira, e
nem todos os shows de música com artistas famosos podem reverter esse quadro
político.
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