sábado, 31 de março de 2012

A saída de Ministros: queda ou desvio político?

por Walkiria Zambrzycki Dutra*
(publicado  na edição de 17 de fevereiro de 2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

            O início ano de 2012 retomou a sequencia de ministros do governo Dilma Rousseff que deixaram o cargo após escândalos de diversas naturezas: desde afirmações polêmicas contra o governo a acusações de desvio de verbas. Ao todo, são oito os ministros que foram exonerados ou pediram demissão, pois não resistiram às denúncias divulgadas pela mídia. O mais resistente foi Mário Negromonte, ex-ministro das Cidades, que permaneceu aproximadamente cinco meses após a primeira série de denúncias envolvendo favorecimento político, aprovação de fraudes, e má conduta de seu chefe de gabinete.
Entretanto, alguns dos afastados do Executivo federal continuam no poder, pois retornaram à vaga que originalmente os levou a Brasília: o cargo de deputado federal. Exemplo disso é o próprio Negromonte, representante da Bahia. Diante desse cenário, fica para o cidadão a seguinte pergunta: qual a justificativa para a recondução dos ex-ministros a cargos políticos em outras instâncias?
            O embasamento legal está assegurado pela Constituição Federal de 1988: os deputados federais ou senadores podem se afastar do cargo para assumir o posto de Ministro de Estado (além de outras funções), sem perder o mandato. Em termos políticos, a estratégia se torna interessante quando se leva em consideração a questão do jogo de forças que os partidos políticos exercem para a relação governo x oposição na arena da formulação das leis. Na vertente da ciência política tem-se uma grande incoerência, pois a nomeação indica que o agente político passa de formulador das leis para um executor dessas, cuja prestação de contas da gestão do seu ministério se faz a cada final de ano para o Presidente da República.
            Quando identificada uma conduta irregular por parte do ministro, a Câmara dos Deputados pode autorizar a instauração de processo contra aquele, e o Senado Federal processa e julga os ministros nos crimes de responsabilidade. Assim, quando da denúncia de irregularidades, o pedido de demissão ou a exoneração por parte do presidente da república não resumem o caso, mas sim pode dar força para a verificação dos fatos.
No entanto, alguns ex-ministros retornam ao Legislativo. Nessa instância, o grande fiscalizador das ações dos deputados e senadores é o cidadão que - diga-se de passagem - originalmente os elegeu para assumirem, em seu lugar, a posição de tomador de decisões da vida pública e privada do país. Como na terra do carnaval a memória do brasileiro é curta e a opinião pública busca apenas resultados imediatistas, logo fica esquecida a razão que deu origem ao processo até aqui descrito.

* Bacharel em Relações Internacionais (PUC-MInas), Mestranda em Ciência Política (UFMG)

sábado, 24 de março de 2012

O efeito-Lula e o futuro político do governo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/03/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

O estado de saúde do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva tem sido motivo de recentes dúvidas, apreensões e especulações da opinião pública nacional, especialmente após seu recente período de internação, devido a uma pneumonia. À parte da dimensão humana, na qual o país acompanha a luta de uma figura pública contra grave enfermidade, as conseqüências políticas da condição de Lula devem ser consideradas de forma direta, especialmente porque o ex-presidente segue como uma das mais influentes lideranças políticas do país.
Diferente da crença de seu antecessor, Lula nunca atribuiu à posição de ex-presidente o papel de figura pública suprapartidária, um “conselheiro geral” da sociedade. Pelo contrário, a interrupção da atividade política de Lula após o término de seu mandato não configurou mais do que um período de férias estendido: já em 2011 o ex-presidente se dedicava a articulações para as eleições municipais do ano seguinte e, principalmente, cuidava do gerenciamento da base de apoio da presidente Dilma Rousseff. Havia, inclusive, incipiente debate a respeito da real extensão do poder da nova chefe do Executivo Federal.
É importante considerar, na atual conjuntura, que o tratamento pelo qual passa Lula é longo, delicado e debilitante. Ignorar tais fatos significa desconsiderar os limites do corpo humano. Quando Lula se afastar das articulações políticas para dedicar-se completamente à própria saúde, irá deixar um espaço vazio de consideráveis proporções na política brasileira.
O ex-Ministro da Educação, Fernando Haddad, pode ser o mais afetado pela convalescença de Lula, pois não poderá contar com o valioso carisma do ex-presidente em sua campanha para a Prefeitura de São Paulo em outubro. Fica mais fácil, assim, o caminho para que a oposição reassuma firme controle sobre esse importante colégio eleitoral, crucial para a eleição presidencial de 2014. Também a presidente Dilma Rousseff deve sofrer seu quinhão, pois não terá ajuda de Lula – ao menos por alguns meses – para a desgastante tarefa de pacificar os partidos de sua base aliada. De legendas como o PR e o PDT, até o parceiro-mór PMDB, é amplo o descontentamento no interior do bloco governista, o que produz turbulências capazes de afetar o funcionamento dos principais programas da administração de Dilma, como o PAC e os preparativos para a Copa do Mundo de 2014.
Diante deste quadro desfavorável, fica aberta a possibilidade de que a oposição estabeleça em 2012 uma miríade de parcerias “hetedorodoxas”, construindo alianças com partidos da base governista em várias cidades. Sem unidade no governo, os aliados insatisfeitos de hoje podem se tornar os opositores declarados do futuro.
As eleições de 2012 estão sendo consideradas – sobretudo por seus protagonistas – como o primeiro ato da disputa nacional de 2014. Nesse momento crucial, se o partido do governo não puder contar com a atuação plena de seu maior articulador, então faz-se urgente o desenvolvimento de um plano de ação alternativo. Ocorre que, por enquanto, ainda não há qualquer indicativo nesse sentido.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Malvinas: vitória da democracia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/04/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 14/03/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Uma estranha combinação de idéias toma conta das pessoas quando o assunto é a disputa entre Reino Unido e Argentina pelas ilhas Malvinas, que volta à tona por ocasião dos 30 anos do conflito militar entre esses países. Nós, brasileiros, temos a tendência a nos solidarizar imediatamente com nossos vizinhos, por motivos de proximidade cultural, geográfica e econômica, mas principalmente, devido ao fato de o opositor ser uma nação tradicionalmente poderosa, símbolo de uma opressão passada.
Há, entretanto, argumentos mais profundos envolvidos, que nos afastam da atmosfera passional que envolve o assunto. Em 1982, a Argentina viva sob uma das ditaduras mais brutais do passado recente, responsável pela morte de cerca de 30 mil pessoas em oito anos. Em busca de popularidade, os militares que governavam o país decidiram pela invasão das ilhas, atiçando os brios nacionalistas da população. O Reino Unido, por sua vez, vivia há séculos a plenitude da democracia, sendo responsável pela criação de várias instituições e liberdades que hoje são tidas por fundamentais. Não há sentimentalismo panamericano que resista a essa consideração simples. Há mocinhos e bandidos nessa história, sim, mas os papéis são diametralmente opostos em relação ao que a maioria dos brasileiros acredita.
A rápida vitória britânica em 1982 expôs não só a fragilidade militar argentina, mas também trouxe a público a fantasia nacionalista que havia sido criada: em pouco tempo, caía a ditadura e tinha início a transição democrática. O tema da “reconquista” das Malvinas perdeu importância, sendo substituído pela aproximação política e econômica com Brasil, Paraguai e Uruguai, que conduziu à criação do Mercosul. Em tempos de paz e democracia, construiu-se uma agenda voltada para o desenvolvimento.
Hoje, tristes coincidências parecem acontecer. Diante de baixos índices de popularidade e de persistente crise econômica, a presidente Cristina Kirchner volta suas energias para as Malvinas, com uma série de declarações nacionalistas. A mesma Cristina que ameaça cancelar linhas aéreas e navios de carga da Argentina para as ilhas, também busca de várias formas encerrar as atividades do maior jornal do país, que faz oposição a seu governo. Não há espaço, assim, para a bizantina controvérsia histórico-jurídica sobre a quem cabe a posse das Malvinas; a questão é superficial, pois trata de um governo fazendo uso de tema – de amplo apelo emocional – com o intuito de ganhar popularidade.
O Brasil, no mesmo ano de 1982, já multipartidário e com a  imprensa livre, se preparava para eleger diretamente seus governadores, reconstruindo rapidamente sua democracia; nas últimas três décadas, o país se manteve fiel em seu compromisso democrático, consolidando e aprofundando direitos. Amante da paz e da liberdade, o brasileiro deve saber identificar quem mais compartilha de seus ideais, para marcar posição a seu lado, independentemente da origem histórica, étnica ou econômica desse parceiro. Demonstrando esse tipo de maturidade democrática, ajudamos a construir a estabilidade de nosso continente.

terça-feira, 13 de março de 2012

O poder do voto diante das tragédias

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/03/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e na edição de 17/03/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)

            O roteiro de tragédias com o qual o público brasileiro está, infelizmente, acostumado a lidar em todo início de ano trouxe uma mórbida novidade em 2012. Coincidentemente, em um espaço de poucas semanas, os desabamentos dos edifícios no bairro Buritis (em Belo Horizonte), no Centro do Rio de Janeiro e em São Bernardo do Campo mostraram que a omissão do Poder Público em fiscalizar obras e construções pode ser tão destrutiva quanto as tradicionais chuvas do verão. Nesses casos em especial, inclusive, nem foi possível transferir a culpa ao pobre São Pedro.
O argumento recorrente dos gestores públicos sobre as causas dessas tragédias apontou, invariavelmente, para a impossibilidade de se cumprir com toda a tarefa de fiscalização das obras urbanas, tida como grande demais. Certamente, admitir falhas e incapacidades não só é sinal de maturidade, como também é o primeiro passo para a solução de um problema. Ocorre que, no contexto de um grande número de municípios brasileiros, reconhecer a incapacidade tem levado justamente para a direção oposta: a da inação e da transferência da responsabilidade para outras esferas de governo, sejam quais forem.
Frente a esse quadro, é bom lembrar a mudança estrutural representada pela implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil, no ano de 2000. Antes dessa, sob o argumento de que os recursos municipais não eram suficientes para a realização de todas as tarefas à cargo das prefeituras, muitos prefeitos brasileiros transformavam suas gestões em verdadeiros espirais de endividamento, criando problemas adicionais para seus sucessores. Podiam passar o problema adiante quando encerravam seus mandatos, não sendo responsáveis por seus próprios atos. A Lei de Responsabilidade Fiscal atacou esse ponto em cheio: tornou os agentes políticos responsáveis por seus atos na gestão financeira do Estado.
Hoje, a Lei de Responsabilidade Fiscal não só faz parte do cotidiano das administrações municipais, como também foi incorporada à cultura política brasileira: o eleitor já reconhece a valoriza gestores que dão o devido valor aos recursos públicos, gastando de forma racional e controlada. Usando bem, o dinheiro tem rendido muito mais.
As eleições de outubro poderão ser consideradas um sucesso se nelas, através do voto, o eleitor brasileiro conseguir eleger prefeitos responsáveis por seus atos também no plano das áreas técnicas. Fiscalizar, acompanhar, vistoriar, enfim, zelar pela segurança da população não pode ser considerado como uma tarefa supérflua, ou mesmo desagradável, por muitas vezes levar “más notícias” aos eleitores que realizam obras. Os prefeitos devem exercer o protagonismo que têm nesse campo de atuação, pois esse também faz parte de seu ofício.
O recado das urnas tem que ser claro: ocupar um cargo público é responsabilizar-se pela vida de milhares de pessoas, e quem descuida essa nobre incumbência deve pagar um preço. Se não pela lei, ainda inexistente no que se refere ao cumprimento de deveres de ordem técnica, que seja então pelas urnas.

sábado, 10 de março de 2012

Síria: Assad não cederá

por Paulo Diniz

        As fortes imagens que circularam o mundo em outubro de 2011, do ex-líder líbio Muamar Kadafi sendo capturado, executado e tendo seu cadáver arrastado por uma turba raivosa, despertaram um acalorado debate sobre temas como direitos humanos e justiça. Não há dúvida de que Kadafi recebeu de seus ex-súditos nada mais do que aquilo que lhes dispensou durante mais de quatro décadas: violência, covardia e brutalidade. Por isso, não são poucos os que consideram adequado o tratamento dispensado ao ex-ditador, mesmo reconhecendo a distância abissal que há em relação aos valores que a rebelião do povo líbio – ao menos oficialmente – buscava instalar no país. Apesar de toda a discussão que tem origem nesse incidente, poucas foram as considerações sobre os efeitos políticos de tal episódio.
A nenhum regime ditatorial interessa dividir ou ceder poder; é da constituição básica desses tentar permanecer inconteste. Quando anunciam “reformas”, as ditaduras estão interessadas mesmo em absorver as forças de contestação que, de alguma maneira, surgiram. Persiste, então, a lógica de buscar perdurar, mesmo que sob formato superficialmente modificado.
Porém, a partir do momento em que foi veiculado a todo o planeta o triste destino dado a Kadafi, a dinâmica das ditaduras no Oriente Médio mudou de figura: passou a ser uma questão de sobrevivência física de seus líderes. Assim, além de buscar manter a existência de seus regimes, os ditadores da região – talvez até de outras áreas do globo – passaram a se preocupar com a garantia de suas próprias vidas.
Quando consideramos a situação atual da Síria – na qual a ditadura de Bashar al-Assad reage violentamente aos protestos populares iniciados em março de 2011 – percebe-se que o temor de perda de poder não é mais o único ponto em disputa. Se os julgamentos de Ben Ali e de Mubarak – apeados do poder na Tunísia e Egito, respectivamente – já representam uma perspectiva bem desagradável para os líderes do governo sírio, o linchamento popular é razão para verdadeiro pânico. Não há, assim, a expectativa de uma saída negociada ou honrosa: a queda do regime pode representar o fim trágico das vidas de seus integrantes. Assim, pode-se prever que Bashar al-Assad buscará resistir até o limite último de suas forças, transformando as manifestações populares por liberdade em uma sangrenta guerra civil.
Basicamente, esse é o cenário da Síria de hoje: a resistência e a agressividade da ação governamental representam nada mais do que a luta dos milhares de componentes de um regime – militares e burocratas – pela própria sobrevivência. Lutam e matam, em poucas palavras, por medo de se tornarem os “kadafis” que surgirão nos noticiários da próxima semana. Diante desse contexto de luta desesperada pela autopreservação, o apoio que a Síria recebe de Rússia e China nos foros internacionais não passa de um detalhe.