domingo, 27 de março de 2016

Tudo ou nada

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O atual momento da política brasileira, marcado por níveis inéditos de mobilização e polarização, tem produzido eventos que se sucedem com velocidade incrível: o ritmo da crise política tem superado até mesmo a agilidade da internet e das redes sociais do momento. Nesse ambiente confuso, entretanto, é possível enxergar um padrão relativamente constante, ao menos nos últimos meses: o comportamento do ex-presidente Lula, cada vez mais parecido ao de um apostador imprevidente do que aquele se espera de um líder com ambições de estadista.
Os lances principais dessa trajetória começaram em 29 de fevereiro, quando os advogados do ex-presidente informaram que ele não compareceria às convocações feitas pelo judiciário paulista. Agindo assim, Lula desafiou o Estado a cobrir seu lance, ou então aceitar em definitivo que há cidadãos aos quais a lei não alcança. O resultado, ainda na mesma semana, foi a condução coercitiva de Lula para prestar o depoimento em questão: além de agravar o clima no país, a derrota política do ex-presidente foi tremenda, pois lhe custou a perda do status de intocável, construída após muitos anos de propagandas que o comparavam às maiores figuras históricas do Brasil.
A segunda aposta de Lula aconteceu quando esse fez discursos inflamados, conclamando lutas e lançando sua candidatura para a presidência em 2018. Esperava, com isso, receber uma torrente de apoio político e popular que o alçaria à condição de herói do povo, em contradição aos obscuros agentes do judiciário que estavam em seu caminho. Novamente, a derrota de Lula foi proporcional ao cacife apostado: os partidos que ainda guardavam resquícios de simpatia pelo PT começaram um discreto afastamento da legenda e do governo, temerosos que o discurso radical afugentasse os eleitores. O histórico entendimento entre PMDB e PSDB, mortal para o governo de Dilma, se produziu nesse contexto.
A terceira aposta de Lula tomou forma na aceitação do cargo de ministro na equipe de Dilma: essa jogada tanto poderia levar o ex-presidente à condição de governante “de fato” do Brasil, capitalizando politicamente a partir de uma imaginada recuperação econômica, como também poderia indicar seu medo de ser condenado pela Justiça Federal no Paraná – algo equivalente a assumir a culpa. A rejeição por parte das maiores manifestações da história do Brasil, assim como a batalha judicial em torno da posse de Lula, indicam o grande erro estratégico do ex-presidente em aderir ao governo.
Difícil estimar se esse comportamento resulta de estratégia elaborada ou fruto de destempero emocional. Em todo caso, é fácil perceber que os resultados obtidos têm sido instabilidade política e o gradual bloqueio das possibilidades de movimentação política de Lula. Dilma Rousseff, enquanto pôde, desperdiçou a chance de preservar seu governo, atando-o definitivamente à sorte pessoal de Lula. Ao fazê-lo, acabou por levar todos os brasileiros ao cassino onde o ex-presidente petista continua a dobrar as apostas de quem o desafia.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Tentando entender o PT

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Muitos escândalos atrás, quando a administração federal sob o comando do PT ainda tinha o respeito de aliados e opositores, um pequeno detalhe mudou radicalmente a forma como o partido do governo lidava com a questão do mensalão: a descoberta de que uma pequena parte dos recursos do esquema ilícito era apropriada por José Dirceu. Esse tipo de comportamento era considerado inaceitável, pois rompia com a lógica da esquerda da década de 1960, ainda esposada pelos petistas: crimes cometidos em auxílio a uma causa política são justificados, até mesmo pela criação de um vocabulário próprio, que chama “expropriação” ao tradicional roubo. Como trabalhou em causa própria, Dirceu perdeu o verniz heroico que revestia seus atos perante os companheiros, nunca mais voltando a ser uma figura política relevante.
Essa lógica faria sentido, apesar de incoerente com o Código Penal, se não tivesse sido deturpada no caso Delcídio do Amaral: líder do governo, o senador foi preso ao negociar condições favoráveis à presidente Dilma Rousseff na delação de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Amaral ofereceu seus préstimos para auxiliar Cerveró em uma fuga até a Espanha, país onde supostamente receberia abrigo. Delcídio infringiu a lei por fidelidade ao seu partido e ao governo que apoiava: mesmo assim, depois de preso, foi execrado por ambos, criticado duramente por petistas ilustres e abandonado à própria sorte. Enquanto no cárcere, a única visita que Delcídio recebeu foi de um pequeno grupo de conterrâneos, que prestaram solidariedade. O processo de expulsão dos quadros do PT tramita depressa, assim como aquele que busca cassar o mandato do senador.
Para entender essa incongruência, é preciso aprofundar ainda mais nela, abordando o caso do ex-presidente Lula: informações preliminares do Ministério Público Federal indicam ganho pessoal da ordem de R$ 30 milhões, resultantes do intrincado esquema que envolvia empreiteiras nas fraudes à Petrobras. Portanto, Lula não apenas atuou em benefício de seu partido, mas também do próprio bolso, o que deveria gerar perplexidade e rejeição nas hostes petistas. Pelo contrário, o que se vê é ânimo renovado, que mobiliza desde os fiéis acadêmicos que dão lustros de lógica às ações do PT, até os brutamontes que tentam esfaquear o boneco inflável de Lula vestido como presidiário.

A solução para esse enigma é o próprio Lula, que transformou o PT na extensão institucional de seus próprios desejos e conveniências políticas. O sentimentalismo é intrínseco à forma como a esquerda faz política, não abrindo mão da adoração quase religiosa de algumas figuras: Che Guevara e Fidel Castro reinam absolutos em um rol que tem como novo membro o uruguaio José Mujica. Lula, cuja história pessoal o credencia a participar desse grupo, aproveitou do romantismo petista para se catapultar à condição de mito, a partir da qual decreta os rumos do partido. O PT pode viver muito bem sem Lula; quanto mais cedo for rompido esse cordão umbilical, melhor para todos.

Polarizando a afastando aliados

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A condução coercitiva de Lula para prestar depoimento foi um acontecimento que será lembrado com destaque quando for contada a história do nosso tempo. Por enquanto, como os fatos ainda são recentes, o desafio é compreender para qual direção caminhará essa história. Assim, é importante diferenciar quais ações políticas verificadas podem ser classificadas como previsíveis e, também, os desdobramentos que não podiam ser esperados.
O fato que deu origem à presente conjuntura, por exemplo, reside no campo do inesperado: no dia 29 de fevereiro, a defesa de Lula comunicou à imprensa que o ex-presidente não iria atender às convocações do Ministério Público de São Paulo, informando que optava por prestar esclarecimentos por meio de carta. Esse desafio, posto ao Estado como um todo, buscava encerrar uma sequência de chicanas processuais que vinham protelando o comparecimento de Lula perante aqueles que o investigavam. Mais imprevisível ainda foi a atitude do Estado brasileiro, por meio da Justiça Federal: cobrir a aposta feita por Lula, usando da força policial para reafirmar a sujeição que todos devem ter perante a lei.
A partir desses dois lances surpreendentes, nenhum outro pode ser classificado como inesperado: da polarização política convocada por Lula, até a reaproximação limitada e estratégica de Dilma em relação ao ex-presidente, passando pela precipitação da disputa de 2018. A indecisão e tibieza da oposição também não são novidades, pois condizem com o padrão de comportamento insosso adotado por essa desde 2003.
Para além disso, é importante observar os fatos que, mesmo previsíveis, acontecem nas sombras do poder, como a sustentação política do governo. Considerando que, em 2015, a disposição dos aliados de Dilma para defendê-la diminuiu consideravelmente, o contexto atual se mostra como um colapso na empatia geral pela presidente. No ambiente de polarização que vem surgindo, é pouco provável que a maior parte dos partidos da base aliada esteja disposta a associar seus destinos à sorte do desgastado PT.
Sendo o brasileiro historicamente avesso a enfrentamentos políticos em público, o mais provável é que o PT se encontre virtualmente sozinho nas guerras que promete lutar em defesa de seu líder único e inconteste, o ex-presidente Lula. As manifestações antigoverno convocadas para 13 de março constituem, portanto, um evento crucial para que possamos acompanhar os rumos políticos do país. Caso se produzam cenas de enfrentamento, necessariamente a retórica inflamada de Lula será vista como culpada pela opinião pública e, portanto, mais apoios perderá Dilma.
É pouco provável que esse esvaziamento político do governo se dê com estardalhaço, mas certamente poderá ser percebido nos momentos em que Dilma necessitar de apoio legislativo. O processo de impeachment, recém-reformado pelo STF, constitui uma situação ideal para que os parlamentares nacionais expressem seu desejo de abandonar o navio petista, antes que aconteça um naufrágio cada vez mais previsível.

terça-feira, 8 de março de 2016

Em busca do legado perdido

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/03/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A imprensa vem destacando, recentemente, o estado de abandono no qual se encontram alguns estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014. Em Cuiabá e Manaus o descaso é gritante, enquanto em Minas, as boas condições do Mineirão custam centenas de milhões de reais por ano aos falidos cofres estaduais, mesmo sendo a gestão desse estádio entregue à iniciativa privada. Se somamos esse quadro à lista de promessas não cumpridas em relação às obras de mobilidade urbana, que tinham por motivação o mega-evento esportivo, fica fácil perceber que o tão esperado “legado da Copa” não se concretizou.
A desconfiança de que isso acontecesse foi aventada por muitos durante os conturbados anos de preparação para a Copa, mas acabou predominando o otimismo cego, inflado por um governo que taxava como pessimista quem lhe fosse crítico. Essa epopeia vale a pena ser relembrada não apenas porque nos aproximamos da realização das olimpíadas, mas porque o fantasma da Copa se recusa a ir embora: os vereadores de Belo Horizonte discutem o perdão de R$ 150 milhões em multas aos empresários que, dotados de autorizações especiais para construir hotéis para a Copa, ainda hoje não concluíram tais obras.
Frente a esse contexto, vemos Belo Horizonte embarcar em uma nova “corrida do ouro”: a elevação do conjunto arquitetônico da Pampulha à condição de patrimônio cultural da humanidade, título concedido pela Unesco. Não há dúvida quanto à justeza dessa escolha, uma vez que os traços de Oscar Niemeyer, que ornamentam a orla da lagoa, são reconhecidos e valorizados em todo o mundo. Ocorre que, como tem ficado cada vez mais claro, para receber a comenda não basta organizar uma bela festa: serão demandadas obras. O custo da demolição de parte do Iate Tênis Clube, em conflito estético com o conjunto da Pampulha, está sendo estimado em cerca de oito milhões de reais. Mesmo não estando claro quem arcará com essas despesas, podemos nos apoiar na história brasileira para prever que o custo final será muito maior, e que caberá ao contribuinte banca-lo. O debate sobre o legado que adviria da obtenção do título de patrimônio cultural da humanidade anda, em Belo Horizonte, a passos lentos. O clássico argumento do aumento do fluxo de turistas volta à tona, tão desprovido de números como nos debates que antecederam à Copa.
Enquanto os defensores dos mega-projetos ainda esperam pelas hordas de turistas, que invadiriam Belo Horizonte após a Copa de 2014, uma importante lição foi dada para aqueles dispostos a aprender: o famoso chef Anthony Bourdain passou, recentemente, uma semana circulando por Belo Horizonte, conhecendo nossa culinária e gravando mais um episódio de seu programa de televisão, que é transmitido para todo o planeta pela rede de notícias CNN. Tudo indica, portanto, que a porção de fígado acebolado acompanhada de cerveja gelada, dupla típica da capital das Alterosas, parece ser muito mais eficiente para atrair as atenções do mundo do que os grandes eventos que tanto animam os políticos.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Eleitores aprendizes e o voto obrigatório

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte - Minas Gerais)

O processo pré-eleitoral em curso nos Estados Unidos vem mobilizando o interesse público em todo o mundo. A origem dessa atenção não se deve apenas ao poder concentrado pelo presidente dos EUA: mesmo se tratando da maior potência militar e econômica do planeta, o que mais chama a atenção em 2016 é a imprevisibilidade do cenário eleitoral. Pesquisas das mais prestigiosas instituições têm sido frustradas durante as eleições primárias para a definição do candidato dos dois maiores partidos.
A complexidade desse cenário tem início no sistema eleitoral norte-americano, marcado por dinâmica de difícil compreensão para quem está habituado à democracia brasileira. O federalismo vigente nos EUA confere muita liberdade aos estados, permitindo que a legislação eleitoral seja de competência estadual. Isso faz com que, tanto a escolha dos candidatos quanto a eleição do próximo presidente, sejam na verdade fruto de um consenso entre os estados, e não simplesmente a soma total dos votos populares. O eleitor participa, diretamente, na definição da vontade específica do estado onde reside, de forma que as decisões de cada estado, quando combinadas, é que compõem o resultado nacional. Outro ponto interessante é a realização de consultas diretas à população para a definição dos candidatos a presidente. O contraste em relação ao Brasil é agudo, pois aqui basta que um punhado de lideranças partidárias concilie seus interesses, para que se tenha o nome definitivo que irá para as urnas.
Essa estrutura institucional, mesmo fazendo sentido do ponto de vista histórico e federativo dos EUA, colabora sempre para tornar mais complexo o processo político nesse país. Porém, o aspecto que mais tem influenciado o cenário de 2016 é mesmo o voto facultativo, outra especificidade da nação ianque. Graças a essa liberdade concedida ao cidadão, de se abster da escolha dos rumos políticos de seu país, é comum que menos da metade da população apta a votar compareça às urnas. Em 2016, entretanto, grandes grupos de não-votantes habituais têm dado sinais de que pretendem participar não só da escolha do próximo presidente, no pleito de novembro, como também das primárias estaduais que definem os candidatos.
Tem sido muito difícil prever o comportamento desses votantes novatos, especialmente porque a principal força que os traz à cena política é o desencanto com a forma tradicional como vem sendo feita a política. Tal desejo por novidades pode, como temem muitos, abrir caminho para o populismo radical de Donald Trump, cujos comícios têm atraído multidões mesmo durante rigoroso inverno. Não por acaso, muitos analistas têm chamado tal grupo de votantes de “eleitores aprendizes”, em alusão ao reality show apresentado por Trump durante 14 temporadas. Diante desse cenário perigoso e imprevisível, convém repensar a oposição feroz e impensada que é feita, aqui no Brasil, em relação ao instituto do voto obrigatório em nossa jovem democracia; afinal, sempre é menos doloroso aprender com o infortúnio alheio.