terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Poder sobre as massas populares

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 25/02/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 26/02/2014 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais)

A discussão em torno da economia brasileira tem se intensificado nos últimos meses, à medida que indicadores negativos vem se sucedendo: balança comercial magra, apesar dos artifícios contábeis utilizados para melhorar os resultados, superávit das contas públicas diminuto e, o principal, inflação em alta. Enquanto a oposição se dedica a alardear tais números, o Governo Federal acusa o pessimismo de seus adversários, e esse raso bate-boca resume o debate.
Entretanto, por trás das tecnicalidades da economia, reside um fator político capaz de definir as eleições de outubro. A sensibilidade do eleitor brasileiro ao clima econômico é um fator que, descobriu-se recentemente, tem um peso muito maior do que se esperava. Por exemplo, a sisudez e a falta de carisma da presidente Dilma Rousseff não a impediram de superar todos os recordes de popularidade obtidos por Lula em seus anos de governo, o que se explica pelo excelente momento vivido pela economia brasileira em 2011 e 2012. O mesmo fator explicaria as vitórias de Fernando Henrique Cardoso, em primeiro turno, nas eleições de 1994 e 1998, auge do Plano Real. A idéia de que Lula tenha se tornado um grande ídolo das massas populares, capaz de definir sozinho os rumos de uma eleição, não condiz com a realidade, sendo apenas parte da mitologia romântica que os petistas nutrem com carinho.
As manifestações de junho de 2013 foram um exemplo de como as lideranças petistas estão distantes de entender o que há com a população: nos termos de um líder do partido, o governo esperava protestos com "carro de som, liderança formalizada e pauta de reivindicações". Mais recentemente, o Governo Federal errou ao atribuir caráter político aos distúrbios adolescentes em shopping centers, convocando supostas "lideranças" para as negociações; ao mesmo tempo, criava um poderoso aparato militar para tomar as ruas do país durante a Copa do Mundo.
A candidata Dilma Rousseff vai manter sua condição de favorita na medida que se aperceber do quão decisivos são os fatores de ordem econômica para o resultado das urnas: para o brasileiro médio, a mítica lulista desaparece quando se sente no bolso o aumento dos preços do arroz e do pão. Portanto, a imagem das massas populares, gratas e devotas a um líder, existe como fator político de peso apenas nas repúblicas populistas hispano-americanas, e nos sonhos de alguns setores petistas. Quanto antes a direção do partido aceitar esse fato, melhor para Dilma.
Analogamente, a oposição também precisa saber trabalhar a variável econômica, cuja importância já foi percebida. Concentrar o foco das atenções sobre os aspectos que a população já sente, em matéria econômica, deixando de lado o discurso excessivamente técnico e focado por demais em cenários futuros. Também é essencial oferecer propostas, em grande quantidade e variedade, pois o discurso centrado principalmente na crítica aos governos petistas pouco valeu ao PSDB no passado recente. Para os dilemas que sente, a população demanda respostas.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O desafio da plataforma

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/02/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Após conquistar a duras penas a indicação de seu partido como pré-candidato à Presidência da República, o senador Aécio Neves tem pela frente mais uma árdua batalha: a construção de uma aliança de partidos que dê suporte à sua campanha nacional.
Na democracia brasileira, aquele que obtém o maior número de votos é eleito, independente de outros fatores. Sob esse prisma, Aécio está livre para usar os mais diversos mecanismos para conquistar a preferência da população. Uma estratégia interessante, que já rendeu frutos ao PSDB, consiste em explorar as dissidências informais que existem no conjunto de partidos que hoje apóiam o governo de Dilma Rousseff, fazendo com que lideranças pessoais mobilizem suas bases de apoio em favor da oposição. Trata-se de uma aposta, na qual o político “infiel” não só acredita mais na vitória tucana, como também crê que será recompensado pelo risco que assumiu durante a campanha; esse movimento tende a aumentar na proporção que o risco percebido tende a diminuir, ou seja, os dissidentes governistas avaliam ter grandes chances de ganhar, ou então, acreditam ter pouco a perder. Uma vez que o governo Dilma Rousseff, mesmo contando com quase 40 ministérios, ainda tem mais apoiadores do que cargos comissionados para distribuir, faz sentido estimar que seja considerável o número de lideranças políticas dispostas a trabalhar pela eleição de Aécio Neves, sem que para isso seja preciso abandonar os bastidores do Governo Federal. O PMDB tem tido destaque nesse papel, porém é bem provável que não seja o único a se comportar dessa forma em 2014.
Outro caminho promissor é a montagem de alianças informais nos estados, uma vez que a lei não obriga que os partidos repitam, nesses, a mesma orientação adotada por suas direções nacionais. Parcerias entre o PSDB e candidatos a governador por outros partidos podem render apoios fortes a Aécio em muitos estados, desde que os diretórios estaduais tucanos estejam dispostos a sacrificar suas candidaturas próprias. Em uma grande federação como a brasileira, essas negociações prometem ser complicadas e longas, mas trazem boas perspectivas: são os governadores, até hoje, os principais articuladores com os municípios, o que pode garantir profunda inserção do nome de Aécio pelo interior do Brasil.
Se tais estratégias permitem explorar as fraquezas da coalizão governista, por outro lado não contribuem com a construção de uma aliança formal que sustente a candidatura do PSDB. Essa tarefa ainda se encontra por fazer, uma vez que hoje os tucanos só contam com o apoio do novato Solidariedade e do moribundo Democratas; o pequeno e valente PPS decidiu acompanhar o PSB de Eduardo Campos. Mesmo não sendo capazes de definir o jogo eleitoral, as alianças formais em escala nacional agregam preciosos minutos à propaganda eleitoral, mobilizam estruturas partidárias, além de geralmente fornecerem o candidato a vice na chapa presidencial. Aliás, esse deve ser o próximo grande desafio que aguarda o presidenciável tucano.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Cristina e Francisco

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/02/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais -, na edição de 08/02/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - na edição de 20/02/2014 da Folha da Manhã - Passos, Minas Gerais - e na edição de 21/02/2014 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais)

O Papa Francisco e a presidente Cristina Kirchner têm dominado o noticiário internacional nos últimos meses, protagonizando eventos que atraem a atenção global. Os dois argentinos mais ilustres da atualidade, quando vistos em perspectiva comparada, nos ajudam a compreender o complexo país que é a Argentina.
Um século atrás, a expressão “rico como um argentino” era comum na França, e indicava o poder aquisitivo dos visitantes austrais. O crescimento econômico da Argentina aconteceu a partir do final do século XIX, quando os produtos desse país encontraram os ávidos mercados do hemisfério norte. A carne e os cereais desse país geraram renda para financiar a grandiosidade de Buenos Aires, que encanta cerca de um milhão de turistas brasileiros a cada ano, mas também construiu uma sólida base cultural, capaz de produzir cinco prêmios Nobel. Ainda hoje, um índice de analfabetismo de apenas 1,9%, o segundo maior IDH da América do Sul e o 45º maior do mundo – ranking no qual o Brasil ocupa, respectivamente, a 6ª e a 85ª posições – são suficientes para mostrar que a Argentina guarda bons frutos de seu passado.
Décadas de instabilidade política, entretanto, abalaram a riqueza econômica nacional. Em comum com ditadores e democratas que a antecederam, a presidente argentina compartilha o populismo, forma de se fazer política baseada na relação pessoal entre governante e governados. A imposição da figura do governante é constante, a ponto de impedir que se criem ligações significativas entre a população e as instituições políticas. Pesquisas apontam que o populismo costuma ter força sobre as populações mais carentes, porém a culta Argentina subverte a regra: Cristina vem há anos governando mais para manter sua imagem política, do que para melhorar a gestão do país. Por exemplo, controla o cálculo do índice de inflação desde 2007, anunciando números agradáveis aos ouvidos, mas distantes da realidade. O resultado é hoje um país em colapso econômico, marcado por falta de energia e distúrbios civis. O público que aplaudiu Cristina Kirchner e suas medidas por anos, hoje retira seu apoio, à espera do próximo personagem heroico que se disponha a salvar a pátria.
Francisco conduz a maior instituição religiosa do mundo, enfrentando questões que vinham sendo ignoradas há décadas; porém, seu comportamento é suave e despojado, o que contribui para recuperar a popularidade da Igreja Católica. Francisco tem mostrado, assim, algumas da melhores características do argentino: o destemor do imigrante, pronto a enfrentar desafios, e a leveza das civilizações do Novo Mundo.
Cristina buscou culpados no exterior para suas agruras internas, conquistando a indiferença do Brasil e a pior crise da história com o Uruguai. Já Francisco veio ao Brasil em 2013 de braços abertos, buscando companheiros para a caminhada que iniciava; conseguiu reunir 3,6 milhões de pessoas no mesmo local, além de ganhar respeito e admiração de todo o mundo. Ele representa, assim, tudo o que a Argentina poderia ser.