As fortes imagens que circularam
o mundo em outubro de 2011, do ex-líder líbio Muamar Kadafi sendo capturado,
executado e tendo seu cadáver arrastado por uma turba raivosa, despertaram um
acalorado debate sobre temas como direitos humanos e justiça. Não há dúvida de
que Kadafi recebeu de seus ex-súditos nada mais do que aquilo que lhes
dispensou durante mais de quatro décadas: violência, covardia e brutalidade.
Por isso, não são poucos os que consideram adequado o tratamento dispensado ao
ex-ditador, mesmo reconhecendo a distância abissal que há em relação aos
valores que a rebelião do povo líbio – ao menos oficialmente – buscava instalar
no país. Apesar de toda a discussão que tem origem nesse incidente, poucas
foram as considerações sobre os efeitos políticos de tal episódio.
A nenhum regime ditatorial interessa dividir ou
ceder poder; é da constituição básica desses tentar permanecer inconteste.
Quando anunciam “reformas”, as ditaduras estão interessadas mesmo em absorver
as forças de contestação que, de alguma maneira, surgiram. Persiste, então, a
lógica de buscar perdurar, mesmo que sob formato superficialmente modificado.
Porém, a
partir do momento em que foi veiculado a todo o planeta o triste destino dado a
Kadafi, a dinâmica das ditaduras no Oriente Médio mudou de figura: passou a ser
uma questão de sobrevivência física de seus líderes. Assim, além de buscar
manter a existência de seus regimes, os ditadores da região – talvez até de
outras áreas do globo – passaram a se preocupar com a garantia de suas próprias
vidas.
Quando
consideramos a situação atual da Síria – na qual a ditadura de Bashar al-Assad
reage violentamente aos protestos populares iniciados em março de 2011 –
percebe-se que o temor de perda de poder não é mais o único ponto em disputa. Se os
julgamentos de Ben Ali e de Mubarak – apeados do poder na Tunísia e Egito,
respectivamente – já representam uma perspectiva bem desagradável para os
líderes do governo sírio, o linchamento popular é razão para verdadeiro pânico.
Não há, assim, a expectativa de uma saída negociada ou honrosa: a queda do
regime pode representar o fim trágico das vidas de seus integrantes. Assim,
pode-se prever que Bashar al-Assad buscará resistir até o limite último de suas
forças, transformando as manifestações populares por liberdade em uma sangrenta
guerra civil.
Basicamente,
esse é o cenário da Síria de hoje: a resistência e a agressividade da ação
governamental representam nada mais do que a luta dos milhares de componentes
de um regime – militares e burocratas – pela própria sobrevivência. Lutam e
matam, em poucas palavras, por medo de se tornarem os “kadafis” que surgirão
nos noticiários da próxima semana. Diante desse contexto de luta desesperada
pela autopreservação, o apoio que a Síria recebe de Rússia e China nos foros
internacionais não passa de um detalhe.
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