segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Combatendo apenas os sintomas

por Paulo Diniz
(postado na edição de 27/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A definição do STF sobre pontos do rito de impeachment pode ser vista, do ponto de vista estratégico, como uma vitória do governo. A proibição do voto secreto no processo de impedimento da presidente, por exemplo, muda muito o panorama na Câmara dos Deputados: a insatisfação que se acumula há anos nessa Casa, responsável até pela eleição de Eduardo Cunha para seu comando, terá mais dificuldade para se expressar. Cada deputado será obrigado a assumir seu oposicionismo, arriscando sofrer as retaliações de praxe. Esse tipo de medida, determinada pelo Judiciário, ataca os sintomas mas deixa intactas as causas da crise política atual: dificultar a atuação dos deputados insatisfeitos não os torna felizes, apenas os obriga a procurar uma nova maneira de expressar sua frustração.
Sendo o PMDB o ponto central da atual conjuntura política, é possível dizer que a abordagem feita por Dilma em relação a esse partido está em algum lugar entre o amadorismo e o desrespeito. É fato que o PMDB é dono de um apetite gigantesco por cargos, mas acreditar que um punhado de nomeações seria suficiente para apaziguar o partido foi uma leitura superficial da situação. O que o PMDB deseja, e não recebeu, é a participação efetiva no exercício do poder: foi o que quis dizer Michel Temer quando disse, em sua carta à presidente, ter sido relegado a um papel “decorativo”.
Considerando que na equipe de coordenação política de Dilma Rousseff exista alguém sensível a ponto de perceber esse contexto, porque então seria tão difícil ao governo petista compartilhar parte do poder? A partir de falas e atos de lideranças do PT, é possível conjecturar que o principal obstáculo é a própria concepção de democracia que predomina nas mentes e instituições petistas. Basicamente, o PT trata por democracia a simples ideia de maioria nas urnas: a partir dessa, o “vencedor” teria direito a todo o butim que restou da “batalha” eleitoral.
Essa noção superficial da democracia, portanto, impede que o governo perceba as consequências práticas do apertado resultado das urnas de 2014: se Dilma venceu por uma margem mínima acima da metade dos votos, significa que sua gestão não foi desejada pela outra metade do eleitorado; qualquer outro observador esperaria, portanto, forte rejeição ao governo desde o início. Não há como esperar que os eleitores tucanos esquecessem suas insatisfações e se tornassem, automaticamente, fieis ao novo governo petista após a apuração das urnas: toda essa insatisfação, em uma democracia representativa, adentra o sistema político e alimenta a crise que temos hoje.
Dividir poder e buscar compor com quem faz oposição são duas ações vitais para a sobrevivência do governo, mas que até agora sequer foram ensaiadas por Dilma e sua equipe política. Esses, aliás, se agarram aos números quase cabalísticos que saíram das urnas, como se a mera existência desses trouxesse cura a todos os males políticos; ignoram o quão dinâmica é a política, e indiferente aos frios papeis emanados do Judiciário.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Um problema chamado "Senado Federal"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Frequentemente, como no momento atual de tramitação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o debate político se concentra sobre a instituição do Senado Federal, com destaque sobre algumas de suas distorções. Tão acalorada é a discussão, que recentemente um membro eleito dessa Casa, Cristovam Buarque, se declarou favorável à sua extinção.
Do ponto de vista institucional, na Federação brasileira, o Senado cumpre um papel indispensável: representa, igualmente, a todos os estados, garantindo que os interesses dos menos populosos sejam tão ouvidos quanto as vontades dos mais populosos e ricos. É o Senado que garante que Minas Gerais e o Amapá tenham a mesma presença em Brasília, já que cada um conta com três senadores; a importância dessa equiparação surge quando se vê que, na Câmara dos Deputados, cujo critério de representatividade é a proporcionalidade populacional, Minas pode eleger 53 deputados federais, enquanto os amapaenses elegem apenas oito.
A justificativa da existência do Senado, inquestionável para um país com as dimensões do Brasil, todavia não é suficiente para sanar as deficiências do funcionamento dessa Casa Legislativa. O critério de escolha de seus membros, por exemplo, é constantemente criticado: assim como os governadores, os senadores são escolhidos em eleição majoritária, tendo direito a dois “vices”, chamados suplentes. Porém, os suplentes costumam ser personagens de menor destaque público, cujas trajetórias apenas vêm à luz quando esses assumem o posto do titular eleito. Alguns anos atrás, por exemplo, figurou como representante de Minas o notoriamente carioca Wellington Salgado, durante o período no qual o titular Hélio Costa comandava do Ministério das Comunicações. Ante o insólito da situação, investigações da imprensa apuraram que sequer o domicílio eleitoral de Salgado em Minas era verdadeiro: tratava-se de um imóvel comercial, na cidade de Araguari, onde era desconhecido o político praiano.
Como solução, hoje, há quem sugira para o Senado a mesma regra vigente para a Câmara dos Deputados, a proporcionalidade: na ausência do mais votado, assumiria o segundo preferido das urnas. Sob essa lógica, imagina-se, teria-se necessariamente personalidades políticas de destaque e reconhecimento da população representando seu estado. Consideremos, entretanto, que em 2010 foram disputadas duas vagas ao Senado, tendo sido eleitos os ex-governadores Aécio Neves e Itamar Franco. Falecido após cumprir o primeiro dos oito anos de mandato, Itamar teria cedido seu posto ao terceiro mais votado, Fernando Pimentel, caso em voga a regra da proporcionalidade. Como o petista foi eleito governador em 2014, sua vaga no Senado teria sido transferida em definitivo para o pouco conhecido Zito Vieira, preferido por apenas 7% dos mineiros.
Garantir a representatividade dos senadores segue sendo um desafio. Porém, maior do que esse, só mesmo a tarefa de convencer um senador legitimamente mineiro a trocar as areias da orla carioca pela poeira das Alterosas.

Os áulicos e a faixa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, chamou a atenção da imprensa uma faixa que ornamentava o encontro nacional de jovens petistas: nessa, eram chamados “heróis do povo brasileiro” a lideranças do PT condenadas no processo do mensalão ou detidas devido às investigações na Petrobras. Segundo jornalistas bem informados, a exposição da faixa causou constrangimento nas principais lideranças petistas, exatamente por trazer à tona os dois episódios mais polêmicos da história do PT. Do ponto de vista estratégico, esse raciocínio faz todo sentido, o que torna interessante questionar a lógica que pode ter animado o comportamento dos imberbes petistas.
Inicialmente, podemos tomar a faixa em seu sentido literal: a juventude petista realmente acredita que figuras como Delúbio Soares e João Vaccari Neto prestaram serviços inestimáveis ao povo brasileiro, merecendo por isso a alcunha de heróis. Nesse caso, nada há de surpreendente: nas redes sociais, hoje encontra-se defensores de figuras como o líder comunista cambojano Pol Pot, responsável pelo genocídio de metade da população de seu próprio país. O que surpreende, entretanto, é que um partido dotado da estrutura institucional, acesso a recursos e experiência de poder que caracterizam o PT, ainda abrigue quadros tão alheios à realidade do século XXI.
Outra interpretação possível parte do pressuposto de que os jovens petistas pouco se importam com a culpa das lideranças partidárias nos escândalos de corrupção. O objetivo é mostrar fidelidade ao partido, defendendo sua chefia sob quaisquer condições. Registre-se, portanto, a grande medida na qual o senso se oportunidade foi superado pela devoção ao partido, o que torna tais jovens mais um risco do que um recurso para o PT.
Sendo mais factível a segunda interpretação, então outros acontecimentos passam a fazer sentido. O toque messiânico e a certeza de perfeição, com os quais Lula reveste seus atos, fazem total sentido quando se leva em consideração a numerosa equipe de apoiadores, sempre presente em torno do poder, cuja única função é a de elogiar o líder.
Bajuladores em tempo integral não são novidade ou exclusividade petista. No século XIX, Dom Pedro II convivia com um grupo de pessoas que, da mesma forma que a juventude petista do século XXI, fazia de sua presença um elogio constante. Eram chamados áulicos, em um refinamento linguístico para evitar termo chulo. A visão de mundo “maravilhosa”, oferecida pelos áulicos, obstruiu no Imperador a percepção do mundo real: por exemplo, a preparação de um sucessor à altura só foi priorizada tarde demais por Dom Pedro II, sendo esse um dos motivos que levaram à queda da Monarquia Constitucional.
Guardadas as devidas proporções no que tange à importância histórica de cada um, Lula se vê envolvido em uma dinâmica semelhante já há alguns anos: pensa e reage nos limites da realidade que pintam seus jovens áulicos, um mundo povoado por conspirações terríveis da imprensa, em conluio com o poderoso PSDB. Falta saber, apenas, como e quando virá sua queda.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Uma vitória e uma esperança

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As eleições presidenciais na Argentina, marcadas pela vitória de Maurício Macri, foram acompanhadas com interesse ao redor do mundo. Esperava-se que o resultado das urnas pudesse indicar uma perspectiva de superação da crise econômica que assola o país, de forma quase ininterrupta, desde 2001. As expectativas internacionais, assim, reproduziram o tom que marcou a campanha: a dicotomia entre a eficiência do Estado e a concessão de benefícios à população de baixa renda; em termos econômicos, seria a oposição entre a permanência da instabilidade econômica, fundada em uma política de gastos públicos mais generosa, ou a adoção de um roteiro de estabilização, que necessariamente demandaria sacrifícios da sociedade como um todo.
Esses extremos, que simplificam absurdamente a realidade, servem como exemplo da maneira como se opõem direita e esquerda em muitos países do continente: através de um embate de slogans e imagens, de fácil compreensão, mas destituídos de conteúdo. No caso argentino, o candidato apoiado por Cristina Kirchner, o derrotado Daniel Scioli, tentou com todas as forças associar a imagem de seu adversário com o período neoliberal vivido pelo país nos anos 1990, que culminou na terrível crise de 2001. Mais do que isso, Scioli reforçou a mensagem simplista ao retratar Macri como obediente aos interesses dos credores norte-americanos, e mais ainda, tentou desqualifica-lo por suas origens de família rica e empresário de sucesso. Assim, necessariamente, apenas o pedigree governista tornaria um candidato apto a lidar com os problemas sociais do país.
Por sua vez, Macri buscou mostrar-se sensível às crescentes desigualdades sociais argentinas. Mas, principalmente, sua mensagem esteve centrada na eficiência do Estado e no equilíbrio das contas públicas, um discurso referendado pela sua boa gestão como prefeito de Buenos Aires.
Importa perceber, entretanto, a maneira como as plataformas de ambos os candidatos necessariamente se excluíam: o argentino se viu entre a opção por um Estado ineficiente que oferece benefícios sociais, ou um Estado competente porém insensível ao povo. A pobreza das mensagens eleitorais não só enfraquece as propostas, como também reduz a profundidade das promessas que, depois da votação, o vitorioso terá que cumprir.
Resta saber o que mais motivou a população argentina a eleger Macri: sua ênfase na recuperação econômica ou sua promessa secundária de manter as políticas sociais dos governos Kirchner. Na medida que o novo presidente se empenhar na realização de uma plataforma de governo conciliatória, e assim atender às necessidades da maioria, poderá contribuir para a superação de uma polarização política que muito já castigou a população sul-americana. Ter que escolher entre eficiência e estabilização, por um lado, e políticas sociais por outro, é um dilema cruel. Se concretizada essa hipótese, quiçá o Brasil possa buscar nela inspiração para combinar os pontos positivos de PT e PSDB, deixando de lado seus respectivos defeitos.

Os traumas da França

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 22/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A gravidade dos atentados ocorridos na França em 13 de novembro permite que se diga, sem medo de errar, que esses eventos constituirão um trauma nacional. O alvo do Estado Islâmico, se não escolhido para gerar impacto simbólico, todavia o fez: a boa vida noturna, tão valorizada pelo parisiense, foi a primeira vítima dos disparos dos extremistas. Ao tirar o hedonismo do primeiro plano, os franceses são forçados a encarar uma dura realidade: há uma guerra em andamento no Oriente Médio, e todos que se relacionam com essa estão sujeitos às suas consequências. O comportamento francês, representado tanto por seu governo quanto pelo povo, vinha tentando ignorar essa realidade desde janeiro de 2015, quando ocorreram os ataques ao jornal Charlie Hebdo. A opção pela continuidade da “vida normal” predominou na França, algo que demorou alguns anos para se reestabelecer nos Estados Unidos após os atentados de 2001.
Essa atitude remonta diretamente a outro trauma nacional francês: a invasão da França pela Alemanha em 1940. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o governo liderado por Hitler crescia em popularidade ao fomentar o desejo de vingança no povo alemão: a França, logo ao lado, era o principal alvo de seu discurso de ódio, responsabilizada pela decadência enfrentada pela Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial. O primeiro sinal de que o discurso viraria prática veio em 1936, quando tropas de Hitler ocuparam a região alemã da Renânia, vizinha à França, porém desmilitarizada desde o armistício de 1918. O primeiro sinal de perigo foi deixado de lado, assim como ocorreria em janeiro de 2015.
Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, a França confiou nos números para se resguardar: tendo um número maior de tropas e uma barreira em sua fronteira com a Alemanha, os franceses mantiveram-se entretidos com as rivalidades político-partidárias usuais, alheios ao perigo eminente. Em maio de 1940 o pior aconteceu: usando equipamentos modernos e estratégias militares inovadoras, a Alemanha demorou apenas 40 dias para derrotar e ocupar sua rival histórica, a França. Maior trauma da história francesa recente, a ocupação alemã durou até 1945 e só foi encerrada pela intervenção dos Estados Unidos.
O evento deveria ter servido de exemplo de que valores e intenções, por nobres que sejam, não são capazes de se fazer valer por si mesmos: é necessária a força, em seu sentido mais primal, para sustentar ideias. Por mais que se discutam as causas profundas dos ataques de 13 de novembro, muitas ligadas à pobreza e à discriminação dos muçulmanos da França, não se pode deixar de tomar medidas para evitar suas consequências.
Uma sociedade como a francesa, que tem se mostrado incapaz de produzir consenso até mesmo diante das mais graves ameaças, tem muito que pensar sobre o futuro. Resta saber qual tipo de argumento seria capaz de levar a França, país de origem de boa parte da filosofia política Ocidental, à ação prática, deixando de lado o embate estéril entre correntes filosóficas.