sábado, 28 de janeiro de 2012

O dilema político do Irã

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 26/01/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

  O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, é um político profissional: foi prefeito por três ocasiões – uma delas, da capital Teerã – e governador. Sendo assim, para compreendermos melhor seu comportamento futuro – principalmente em relação ao desenvolvimento de capacidade nuclear em seu país – é indispensável levar em conta que o instinto de sobrevivência política é o seu guia maior, como ocorre com políticos de todo o mundo. Sua recente viagem pela América Latina – passando por Guatemala, Nicarágua, Cuba e Venezuela – é mostra clara de que o líder persa, mais do que buscar apoios, quer mostrá-los ao mundo, indicando que não está isolado. Dessa forma, sua atitude de fazer coro à folclórica cantilena anti-americana de Hugo Chávez – que em nada serviu a seu ex-aliado Muammar Kadafi – só pode mesmo ser compreendida como esforço de propaganda, voltado para produzir uma imagem de impacto que ilustre a capacidade de Ahmadinejad construir pontes e associar interesses pelo mundo afora.
  Nesse aspecto, é importante perceber que a situação do Irã não se confunde com a de seu líder: em 2009, Ahmadinejad viu seu povo contestar violentamente os resultados eleitorais que o reelegeram como presidente; já em 2011, o mandatário persa assistiu de camarote à derrocada de quatro regimes de opressão em sua vizinhança, isso para não entrar em detalhes a respeito da – flagrantemente – injustificada invasão norte-americana ao Iraque. Em poucas palavras, o presidente iraniano sente-se pressionado por quase todos os lados, vendo claro risco sobre seu futuro político. Quanto ao regime político-social vigente no Irã, esse não está necessariamente ameaçado, pois além de trazer considerável estabilidade ao país (algo desejado por muitos, interna e externamente), pode sempre optar pelo sacrifício de Ahmadinejad, creditando a ele toda a culpa pelo desgaste internacional sofrido pelo país nos últimos anos.
  O que deverá fazer, diante desse contexto, o político Ahmadinejad? Além da busca por apoios internacionais, uma reação óbvia seria a de manter seus adversários – tanto internos quanto externos – afastados, convencidos de que uma ofensiva contra o líder iraniano não traria benefício qualquer. É exatamente esse o papel desempenhado pelo programa nuclear desenvolvido pelo governo de Ahmadinejad: enquanto exibe poder de fogo ao mundo, ele se coloca – para seu povo – como o grande protetor do país, o que estabelece um turbulento ciclo de ameaças, medo e provas de força.
  A dinâmica exposta acima é, de fato, perigosa, uma vez que ameaças vazias têm curto prazo de validade. Porém, um conflito armado – qualquer que seja sua dimensão – certamente fragilizaria o governo, facilitando sua derrubada por adversários estrangeiros ou por opositores internos. Para sobreviver politicamente, Ahmadinejad deve mesmo manter alta a tensão em sua região, tentando conduzir a repercussão dos eventos a seu favor. Como, entretanto, não participa desse jogo sozinho, o risco de o presidente o Irã perder o controle da situação é sempre alto.

Uma "faxina" estratégica

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 22/08/2011 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

  As recentes denúncias de corrupção nos Ministérios dos Transportes, Agricultura e Turismo representam, do ponto de vista político, o maior acontecimento da Presidência de Dilma Rousseff. Não há dúvida a esse respeito, principalmente quando se considera a forma como a presidenta tem abordado a questão, e os efeitos dessa postura na esfera política nacional – que devem se estender até 2014.
  A proposta de realizar uma “faxina” no Governo Federal, a cada vez que surgirem novas denúncias, fez com que Dilma passasse a ter a possibilidade de melhorar sua imagem pública a cada nova notícia que comprometer as credenciais éticas de seu governo. Enquanto Lula se colocava como “o capitão do time” de ministros, insistindo na ausência de corrupção em seu governo, Dilma opta por preservar sua credibilidade pessoal, deixando que sua equipe seja julgada a partir do resultado de seu desempenho, e punida pelas mãos da própria presidenta.
  Também é importante destacar que a “faxina” de Dilma constitui a principal bandeira da oposição desde 2003. Não seria possível para Dilma Rousseff, durante a campanha de 2010, escolher tal proposta como prioritária, pois isso criaria antagonismo imediato em relação a Lula, seu principal cabo eleitoral. Vencidas as eleições, porém, nada impede que a presidenta se proponha a corrigir as falhas de seu antecessor, mostrando que a tolerância com a corrupção não deve ser regra nas administrações petistas. Promessa futura do PSDB em 2006 e 2010, a ética na administração pública vira verbo conjugado no presente quando Dilma realiza sua “faxina”, o que esvazia boa parte da capacidade da oposição alimentar as esperanças do eleitorado. Está aberta, assim, a “temporada de caça” a um novo discurso – com apelo popular – para os tucanos.
  A mudança de postura que Dilma adota em relação a Lula tem, também, outro importante significado: inicia a “marca própria” de sua presidência, deixando claro que ela não se sente obrigada a traçar exatamente o mesmo caminho de seu antecessor. Saindo definitivamente “da sombra” de Lula, Dilma passa a construir bases concretas para sua reeleição em 2014, construindo legado próprio que deve querer preservar e ampliar.
  É necessário, porém, grande atenção em relação àqueles que sofrem os efeitos imediatos das “faxinas” de Dilma: são todos aliados do PT, responsáveis pelos interesses do governo no Congresso, e não devem aceitar pacificamente serem “varridos para debaixo do tapete”. O PR, por exemplo, já reagiu liberando sua bancada no Senado para votar como cada membro achar melhor; o sinal amarelo já está aceso.
  Mesmo com tal desafio pela frente, Dilma Rousseff já tem a comemorar que, agora, detém a iniciativa no jogo político nacional; cabe aos demais participantes desse – aliados ou opositores – a tarefa de reagir aos movimentos já feitos pela presidenta. Trata-se, enfim, de uma grande vantagem.

O dilema de 2012 nas eleições municipais da capital

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 7/6/2011 de O Tempo - Belo Horiuzonte, Minas Gerais)

  A eleição de 2012 em Belo Horizonte já começou, e está sendo acompanhada muito de perto por todo o Brasil. Um dos motivos que tornam as articulações de nossa capital tão interessante é a definição sobre o futuro da aliança PT-PSDB, que mesmo informal, é um fato concreto em Belo Horizonte.
  Atingindo destaque nacional em 2008, a aliança entre PT e PSDB em torno de um mesmo candidato a prefeito suscitou esperanças, polêmicas ferozes e, sobretudo, muitas dúvidas ao longo de todo o espectro político brasileiro; afinal, seria mesmo a aludida “convergência” uma tendência nacional? Após a vitória, a convivência difícil e a disputa por espaços institucionais no âmbito da Prefeitura de Belo Horizonte serviram para fortalecer os argumentos daqueles que se opunham à união, ainda em 2008.
  Entretanto, o raciocínio aparentemente simples e lógico, que pressiona para o rompimento da aliança, esbarra sempre no receio de se sair derrotado em outubro do ano que vem. O que seria pior, então: ter o poder dividido, ou não ter poder algum? Concorrer sozinho – e ser derrotado – significa ainda mais, pois também levaria petistas (ou tucanos) a abrir mão do trabalho que realizaram na Prefeitura de Belo Horizonte nos últimos anos, deixando ao adversário todas as glórias do sucesso. O personalismo que marca as eleições brasileiras torna bastante difícil, em plena campanha, convencer o eleitor de que o sucesso tem muitos responsáveis, em diversos graus de mérito.
  O dilema de tucanos e petistas se acirra também devido ao fator tempo. Abandonar a aliança em torno de Márcio Lacerda pode até não ser necessário, desde que o outro adversário o faça primeiro. Restaria ao persistente, assim, o papel de principal ator político no cenário da Capital, em posição privilegiada para a contenda estadual de 2014.
  Tendo em mente tais aspectos, pode-se compreender melhor as várias declarações – muitas delas, aparentemente contraditórias – feitas por lideranças políticas municipais do PT e do PSDB a respeito da formação de alianças para 2012. Permanecer juntos constitui o pior cenário para todos, porém há muito em risco para que cada parte se lance a tomar atitudes precipitadas – ou, unicamente de cunho ideológico.
Pressionado em mais de uma ocasião, o prefeito Márcio Lacerda tem se esquivado como pode, evitando demonstrar qualquer preferência. Afinal, como manda o jargão da política, “apoio não se questiona, agradece”.

Muitos caciques e poucos índios

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/05/2011 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

  A discussão a respeito da oposição no Brasil, hoje, está extremamente acalorada. Dois fatos novos, nos últimos meses, foram responsáveis por "desarrumar a casa" do PSDB, sendo esses a criação do "novo" PSD, e o conseqüente esvaziamento do Democratas. Passando ao largo de alguns aspectos conjunturais, já bastante abordados pela crítica especializada, concentremos nossa atenção sobre uma questão estrutural, essencial para que se possa compreender o atual momento da política brasileira.
  Considerando a estratégia adotada ao longo de sua trajetória, construir e manter uma militância partidária fiel nunca ocupou lugar de destaque na escala de prioridades do PSDB. Predomina o raciocínio de que, em momentos de disputa eleitoral, a existência da militância não se constitui como fator decisivo: via de regra, o militante em potencial é um eleitor já fiel ao partido, de forma que durante as campanhas interessa muito mais atrair novos eleitores, mesmo que apenas momentaneamente.
  Todo esforço é concentrado, assim, no reforço da figura do cabo eleitoral, responsável direto pelo convencimento do eleitorado "indeciso". A última campanha tucana ao Governo de Minas deixou essa opção extremamente clara.
  A figura do militante, entretanto, é essencial para a vida partidária, principalmente durante as "entressafras" eleitorais, e tal constatação não deriva da validade da democracia "por si só". A discussão realizada pelos militantes - muitas vezes em caráter informal - representa o questionamento dos métodos adotados, a análise dos resultados obtidos pelo partido, a adequação entre fins e meios, enfim, representa a inteligência do partido sendo exercitada.
  Recorrendo à sabedoria popular, "muitas cabeças" pensam melhor do que "algumas poucas", e poder contar com uma significativa amostra da sociedade pensando em função do partido – sem qualquer custo - representa uma possibilidade da qual nenhum partido deveria abrir mão.
Ao optar por manter as discussões e decisões concentradas nas mãos de um grupo reduzido, o PSDB garante uma aparente estabilidade interna (que hoje se prova ilusória), à custa de perpetuar-se na repetição dos mesmos erros.
  Tem-se visto, na comparação em relação ao PT, que o mais importante não é mesmo o resultado que aparece no placar, mas sim o tamanho da "torcida organizada" que se tem. Tomando de empréstimo o termo cunhado por conhecido dirigente esportivo mineiro, o PSDB tem se contentado com a conquista de "simpatizantes", ao invés de buscar ter torcedores apaixonados.

Afinal, o PT cresce ou diminui com o tempo?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/04/2011 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

  Os adeptos das propostas originais do partido, militantes “históricos”, não perdem oportunidade de acusar a diminuição do PT. Claro, consideram como critério a fidelidade a ideais, sentimentos, que por definição têm sempre algo de intangível. Porém, como valores que são, tais metas têm mesmo que ser continuamente perseguidas, de forma a acabarem por se entranhar em cada atitude do cidadão, por menor que essa seja. Por considerarem perdido tal “sentido”, muitos dos integrantes da “velha guarda” do PT buscaram novos e diferentes caminhos, bem distantes do partido que reduziu demais sua envergadura.
  Há, porém, aqueles que discordam dessa análise redondamente: em seu terceiro mandato presidencial consecutivo, à frente de cinco governos estaduais e, principalmente, do alto da maior bancada da Câmara dos Deputados, o PT de hoje não apenas cresceu, mas se agigantou. A julgar pelo tom das declarações feitas no encontro de prefeitos paulistas do PT, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva se coloca entre os que possuem tal opinião positiva sobre o desenvolvimento do partido.
  Comandante da “expansão petista”, o ex-presidente dá sinais de que não está contente com o sucesso até hoje obtido, e pretende lançar bases ainda mais profundas para o crescimento de seu partido no ano de 2012. Total e formalmente dedicado à campanha política, Lula busca alavancar – não só com seu carisma pessoal, mas com suas experiência e tática – a conquista de centenas de prefeituras pelo PT, consolidando ativos políticos que seu partido nunca chegou a ter; enfim, trata-se da busca por um verdadeiro “pré-sal eleitoral”.
  Resta saber, entretanto, o modelo considerado ideal pelos adeptos do “PT Grande”. Seria o PMDB, detentor de ampla base de apoio, disseminada por milhares de pequenas prefeituras e câmaras municipais Brasil afora? Estaria, assim, o comando petista se dedicando a uma estratégia de “vencer o adversário em seu próprio jogo”, em relação ao PMDB? A julgar pela forma agressiva como participou da disputa por cargos federais no início do corrente ano, o PMDB pode mesmo ser considerado o maior adversário – ou, no mínimo, fonte de preocupações – do PT no âmbito federal.
  Se busca realizar a “independência” em relação ao PMDB, o comando petista pode estar articulando um movimento muito importante, tanto para o partido quanto para o cenário político nacional como um todo. Porém, se o objetivo é o “crescimento do partido” por si só, então o debate está apenas começando.

sábado, 21 de janeiro de 2012

A oposição civil e seu legado para o futuro

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/12/2011 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

A presença do ministro Fernando Pimentel nas manchetes do noticiário nacional, suspeito de relações antiéticas com empresários nos anos de 2009 e 2010, tem sido destacada por muitos como o início de uma seqüência já consagrada nesse primeiro ano de administração Dilma Rousseff. Com variações apenas na duração e intensidade das etapas, esse roteiro se inicia com denúncias por parte da imprensa de grande circulação, que são rapidamente negadas pelo governo e pelo suspeito; novas denúncias surgem – ou, aprofunda-se as originais – enquanto o ministro em evidência resiste em silêncio por mais alguns dias, até renunciar sob o pretexto de outras razões quaisquer.
Importante perceber que, nesse enredo, o papel da oposição é meramente reativo – próximo de nulo. Quase sempre, busca convocar os suspeitos a prestarem explicações junto a alguma comissão permanente do parlamento, na tentativa de se amplificar o impacto das denúncias e, tentando assumir publicamente a voz de acusador, auferir algum lucro político do episódio. Geralmente, fracassam em – ao menos – um desses quatro objetivos, o que torna ainda menor seu papel no contexto político como um todo.
Muito fácil, por outro lado, é notar que o verdadeiro protagonismo nessa dinâmica de exposição e demissão de ministros cabe, sem sombra de dúvida, à sociedade civil, especialmente à imprensa que lhe dá voz. Há quem discuta a importância das recentes manifestações populares anti-corrupção, mas não há dúvida quanto a quem alimenta a indignação de tais cidadãos: a exposição dos malfeitos dos ministros do Governo Dilma, feita pela boa imprensa brasileira.
Se por um lado, há muito o que comemorar devido à força de resistência de nossa sociedade, por outro devemos muito nos preocupar no que se relaciona com os políticos de oposição ao Governo Federal. Por quê toda a indignação popular contra a corrupção no governo não consegue penetrar o sistema político brasileiro? Não deveria esse – em especial, o Poder Legislativo – representar a vontade popular, hoje tão claramente exposta na imprensa e nos gritos da maioria dos cidadãos? Onde se encontra a “barreira” que desvia a direção da indignação popular: na dinâmica própria do Legislativo, no funcionamento dos partidos políticos, ou no próprio perfil dos parlamentares eleitos pela oposição? Muito importante investigar tal aspecto, pois não se consolida uma democracia apenas derrubando ministros.
A participação popular no jogo democrático, quando não se cristaliza em medidas concretas – gerando a mínima relação de causa e conseqüência para quem se envolve – tende a se esvair rapidamente. Tal efeito não só dificulta mobilizações futuras, como também acaba por justificar o senso comum de que “a política deve ser deixada aos políticos”, não sendo assunto da alçada das “pessoas comuns”. A resistência civil que hoje vemos acontecer pode não produzir mais do que belas fotos nos livros de história do futuro, se não lograrmos direcionar tal ímpeto para o seio de nosso sistema político. Esse é, hoje, o maior desafio da democracia brasileira.

Coréia do Norte: A máquina e seu comandante

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/12/2011 em O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 23/12/2011 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Falecido o líder norte-coreano Kim Jong-il, o mundo se angustia a respeito dos passos que serão tomados pela potência nuclear por ele comandada. A sede por informações a respeito do novo líder do país é enorme, porém, mesmo com poucos dados disponíveis, fazem-se muitas conjecturas. A maioria das previsões, infelizmente, acaba derivando para a necessidade de se “esperar pelos próximos sinais” a serem emitidos pelo filho mais novo do líder falecido, Kim Jong-un.
Não é necessário, entretanto, muita espera para se perceber algumas linhas gerais de ação que a Coréia do Norte provavelmente adotará no futuro próximo. Tomemos o fato básico de que se trata de uma ditadura extremamente fechada, e que controla a vida da população em cada detalhe; assim, para que tal sistema político-social funcione, é necessário um aparato estatal – e policial – amplo e poderoso. Há, então, uma “máquina” de governo e controle da sociedade, militarizada e – principalmente – operada por um grande número de pessoas.
A existência de “máquinas” ditatoriais como a norte-coreana é comum aos mais longevos regimes totalitários do século XX, como a Itália de Mussolini, a União Soviética de Stálin, e Espanha de Franco, e Portugal de Salazar, para ficarmos com os exemplos mais evidentes. É fácil perceber a importância que tiveram os “comandantes”, em cada uma dessas ditaduras: governando por décadas a fio, tais líderes construíram inúmeros mecanismos e instituições de opressão, voltados unicamente para a manutenção de seus regimes. A relação entre esses “comandantes” e suas “máquinas” ditatoriais sempre foi, assim, muito próxima, mas há casos nos quais as criaturas sobreviveram a seus criadores: em Portugal, por exemplo, o regime perdurou por mais quatro anos após a morte física de Antônio de Oliveira Salazar (seis anos, considerando seu período de doença).
A Coréia do Norte parece, dessa forma, se configurar como um desses casos nos quais as pessoas que compõem a “máquina” ditatorial, mesmo que individualmente fracas, constituem o principal poder do país quando unidas a serviço do regime. Colocando em outras palavras, tal “máquina” prescinde de um comandante para manter suas atividades.
O fundador da Coréia do Norte, Kim Il-sung, faleceu em 1994 após se manter no poder por mais de quatro décadas, legando a seu filho uma “máquina” ditatorial estruturada e em pleno funcionamento. O mesmo ocorre hoje, com a escolha do neto do “comandante” original para o lugar – cada vez mais simbólico e honorífico – de líder da nação. Pouco importam, nesse contexto, as qualificações e o passado de Kim Jong-un, que agora assume o poder: a “máquina” ditatorial permanece ativa, zelando para que nada mude, e para que seus próprios interesses – o poder e os privilégios de cada um dos burocratas e militares do governo – continuem preservados.
Quanto à paranóia nacional em relação a um ataque estrangeiro, essa é a principal justificativa para a existência de um aparato policial-militar tão extenso sobre a população da Coréia do Norte. Portanto, a agressividade e isolamento desse país devem permanecer os mesmos, por bastante tempo.

Uma nova tendência na política brasileira

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/06/2011 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A compreensão do cenário político de Belo Horizonte, já bastante agitado em torno das eleições de 2012, demanda a análise de alguns fatores estruturais, que vão além da formação das alianças políticas. O perfil – político, administrativo e até pessoal – do prefeito Márcio Lacerda, por mais que não pareça, pode ser um dos elementos mais importantes para o futuro político local, estadual e nacional.
A eleição de Márcio Lacerda, em 2008, representou o fortalecimento de um modelo bastante específico no Brasil democrático: o “político apolítico”. Suas características mais importantes são a priorização de questões administrativas, o uso de novas técnicas gerenciais, o distanciamento – tanto quanto possível – das articulações político-partidárias, e a consequente delegação de tal tarefa a parceiros. Também deve ser destacada a ampla gama de forças e de partidos que, via de regra, compõem a base política de sustentação dos governantes que assumem tal perfil “apolítico”: nunca é demais lembrar o ineditismo da aliança entre PT e PSDB que, em 2008, tornou possível a eleição de Lacerda ao comando da Capital Mineira.
O que poderia se tornar mera peculiaridade da política belo-horizontina, popularizou-se como modelo: em 2010, os mineiros assistiram à eleição de Antônio Anastasia ao Governo Estadual, assim como à escolha de Dilma Rousseff à Presidência da República, ambos exemplares perfeitos de “políticos apolíticos”, e todos também sucedendo aos governantes extremamente populares que os apoiaram. As semelhanças entre Lacerda, Anastasia e Rousseff são claras o suficiente para que possamos identificar uma nova tendência na política brasileira democrática.
Qual seria, então, o futuro de tal tendência? Parte da resposta está sendo dada desde janeiro de 2009, através das ásperas disputas por espaços institucionais no âmbito da Prefeitura de Belo Horizonte, o que é confirmado também pelos embates federais entre PT e PMDB ao longo do presente ano. No Governo de Minas, a discrição das partes envolvidas e a aparente tranqüilidade é fruto de um processo de transição mais longo, iniciado com a renúncia de Aécio Neves em março de 2010, e que também ainda não se completou.
Resta saber, entretanto, qual futuro as urnas guardam para a geração de “políticos apolíticos” que hoje governam Belo Horizonte, Minas e o Brasil. As eleições municipais de 2012 em Belo Horizonte representam, assim, um teste inédito para tal modelo político, pois apontará problemas a tempo desses serem solucionados para as disputas de 2014. Mais uma vez, os destinos da política brasileira passam primeiro por Minas.

A escolha de Marina

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 02/08/2011 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais - e na edição de 06/08/2011 de O Tempo - Belo Horizonte)

Recentemente, a queda do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, acabou por ofuscar notícia de extrema importância para o panorama político nacional: a desfiliação de Marina Silva do Partido Verde. Tal fato tem proporções ainda maiores do que os quase 20 milhões de votos obtidos por Marina nas eleições de 2010, pois afeta o cenário do pleito presidencial de 2014.
Para compreender o desempenho de Marina Silva em 2010, é preciso ver sua votação como uma conquista pessoal. Antes de mais, a ex-Ministra do Meio Ambiente é uma agregadora natural: reuniu em torno de si os eleitores ambientalistas, os evangélicos, os ex-petistas, os românticos (órfãos de alguém que incorporasse o papel de “cavaleiro da esperança”, que já foi de Lula), os descontentes com o governo petista e, principalmente, a grande parcela do eleitorado que aspira por uma terceira opção política viável, capaz de superar o dilema PSDB versus PT. Por isso, Marina Silva não tem – em um primeiro momento – sua posição fragilizada como concorrente à Presidência em 2014.
Porém, resta a ser feita a escolha de um novo partido, e a melhor opção será a que possa manter intocada a capacidade de agregação de apoios – e de votos – que tanto caracteriza Marina Silva. Nesse sentido, a aproximação de Heloísa Helena e de seu PSOL pode representar um passo em falso: dogmático e purista em suas propostas e atitudes, o PSOL representa um público de iguais características, portanto, restrito.
Poucas opções partidárias estão, por sua vez, à disposição de Marina no que tange à aliança de partidos que hoje apóiam Dilma Rousseff. Isso porque são poucas – se houver – as agremiações dispostas a arriscar perder a atual colheita de bons frutos, decorrente da adesão à causa governista, em favor de uma vaga perspectiva de comando do Executivo Federal.
Junto à oposição, entretanto, Marina Silva talvez tenha mais facilidade para encontrar dissidentes do projeto tucano de volta ao poder. O PPS, por exemplo, tem se destacado muito mais pela oposição ao governo petista do que pela proximidade do comando de oposição realizado pelo PSDB; são posições coincidentes, em muitos momentos, mas não por isso equivalentes. Trata-se, também, de uma legenda bem mais próxima das origens ideológicas de Marina Silva, uma vez que o PPS de hoje é uma versão “modernizada” do tradicional PCB.
Opções à parte, cabe à ex-Senadora acreana preservar sua capacidade natural de agregação de apoios junto às mais diversas parcelas da sociedade brasileira. Descuidar desse aspecto levaria Mariana Silva, em 2014, a trilhar o triste caminho percorrido por Ciro Gomes em 2002: de catalisador das esperanças de renovação da política brasileira, passou rapidamente à posição de ator isolado, de alcance regional.

Eleições Norte-americanas: Vantagem para Obama

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/01/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 11/01/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

O processo eleitoral norte-americano, marcado por particularidades em cada estado e, principalmente, por profundas diferenças em relação ao brasileiro, acaba de iniciar a jornada que leva à escolha do sucessor de presidente Barack Obama. Analistas de todo o mundo deverão se dedicar intensamente, a partir de agora, à construção de previsões sobre o resultado que as urnas dos Estados Unidos ditarão sobre os cidadãos de todo o mundo, uma vez que será escolhido o líder do país mais rico e mais poderoso militarmente do planeta.
Aparte de todos os superlativos envolvidos, é bom lembrar que se trata de uma eleição, e para essas, há algumas tendências que se aplicam de maneira praticamente uniforme, em todo o mundo. A primeira dessas é o fator “mandato”: sendo candidato e presidente ao mesmo tempo, Obama pode sempre tratar dos assuntos de campanha com conhecimento total de causa; os problemas e as soluções demandadas pelo país são seus assuntos do dia-a-dia, enquanto que para seu adversário – ainda não escolhido – são temas um pouco abstratos. Por isso, a campanha de Obama tende a parecer mais “clara” aos olhos dos eleitores norte-americanos, pois apenas o atual presidente pode dizer o marcante “eu fiz” em relação às ações recentes de combate à crise econômica, o que gera um enorme grau de confiança.
O segundo aspecto a ser destacado está ligado exatamente às dificuldades enfrentadas por Barack Obama em seus anos de mandato: a grave crise que se abateu sobre os EUA a partir de 2008 o levou a adotar medidas inéditas na história recente desse país, e os resultados obtidos – ainda tímidos – têm alimentado um acalorado debate mundo afora. Diante de tanta incerteza – agravada pela crise européia de 2011 – o mais provável é que o eleitor norte-americano decida por não correr riscos, fazendo uso de uma lógica predominantemente econômica. Dessa maneira, é bem provável que o principal inimigo de Obama – a crise econômica – acabe mesmo por lhe facilitar a reeleição. Caberia como uma luva, assim, o slogan de campanha usado por Lula em 2006: “Não troque o certo pelo duvidoso”.
Por fim, um último aspecto estrutural deve ser levado em conta, também esse amplamente favorável à reeleição de Barack Obama: os grandes temas da década de 2000, relacionados com terrorismo e ameaças externas à segurança, foram definitivamente superados pelas questões econômicas na escala de prioridades do cidadão americano médio. Sendo assim, a principal bandeira dos republicanos no período de George W. Bush perdeu importância, não tendo sido substituída por outro discurso consistente. A obstrução intensa, feita pelos republicanos, a várias ações da administração de Obama não foi suficiente para constituir uma plataforma de oposição propriamente dita e, assim, uma opção de governo realmente tentadora ao eleitorado.
Sendo assim, caso não ocorra nenhum fator extraordinário de grandes proporções, Barack Obama deve mesmo ser reeleito em novembro como presidente dos Estados Unidos. Os fatores estruturais apontados aqui exercem influência decisiva, de forma que, ao menos para os apoiadores do partido Republicano, as previsões para 2012 são catastróficas.


A Reforma política nas mãos do eleitor

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 7/01/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 04/01/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Muitos analistas da cena política nacional têm destacado que uma das marcas do ano 2011 foi a da não realização da reforma política, mesmo tendo sido criada uma subcomissão no Senado especialmente para esse fim. Tal fato tem sido associado à série de casos de corrupção noticiados pela imprensa recentemente, evidenciando as dimensões do problema que ficou por ser resolvido. Entretanto, convém tratarmos com mais atenção a associação de idéias que sustenta tal raciocínio, responsável por propagar – de forma um tanto simplista – a impressão de total falência do sistema político brasileiro.
Inicialmente, é importante destacar que a reforma política é idealizada no Brasil como uma solução definitiva para os problemas do meio político nacional, com destaque para a corrupção, o distanciamento dos eleitos em relação aos interesses de seus eleitores e, principalmente, a desvinculação dos políticos de princípios éticos e ideológicos concretos. Dessa forma, espera-se que a reforma política mude as “regras do jogo”, obrigando os políticos a restringirem seu comportamento a padrões desejáveis pela coletividade.
Infelizmente, tal raciocínio não resiste a um teste de realidade: regras o Brasil tem em quantidade, não sendo possível conceber que as mazelas atuais do meio político ocorram todas por “lacunas” em nossas instituições democráticas. Definitivamente, não será legislando que o problema da obediência às normas vigentes será resolvido. O cerne da questão está no conjunto de fatores que motivam os atores políticos a se comportarem de maneira inadequada, destacando-se a crença de que os milhares de votos obtidos nas eleições os colocam acima do bem e do mal. A idéia de “absolvição pelas urnas” – termo surgido na esteira do escândalo do mensalão – é típica dessa lógica que leva o indivíduo (o ator político) a sobrepor sua vontade pessoal aos interesses da coletividade.
A melhor – e mais imediata – maneira de se reverter tal situação é expressando, como eleitor, apoio a instituições coletivas, e não à pessoa física dos candidatos. Logicamente, o Legislativo é ideal para tal ação, que deve se concretizar através de um instrumento bastante simples: o voto em legenda. Quanto maior o percentual de votos concedidos diretamente aos partidos políticos, mais claro será o recado de que o eleitor prefere a ideologia, as propostas e o código de ética que estão registrados nos documentos partidários, rejeitando as promessas e discursos vagos de campanha. Esvaziando a disputa de personalidades na qual se transformaram as eleições, o voto em legenda deverá cumprir a função de lembrar aos candidatos de seu papel de representantes da vontade coletiva, formalizada nas diferentes plataformas dos partidos políticos.
Cientes de que o “roteiro” a ser seguido é muito mais importante do que os “atores”, os políticos brasileiros deverão alterar profundamente seu comportamento, ou serão substituídos por outros com perfil mais adequado à nova tarefa. A verdadeira reforma política, assim, pode e deve ser feita pelo eleitor, o eterno protagonista da democracia.




O lugar da ética no cálculo político

por Paulo Diniz

(publicado nas edições de 24/02/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e de 19/01/2012 do Correio do Sul, Varginha – Minas Gerais)

A conclusão dos mandatos municipais em 2012 tem levado a imprensa nacional a realizar um cálculo interessante: o do número de prefeitos que não concluíram suas gestões devido à cassação de seus mandatos, assim como da ocorrência de eleições extemporâneas para a escolha de novos prefeitos. Estado com o maior número de municípios no Brasil, Minas Gerais apresenta quadro bastante negativo nessa área: 40 prefeitos cassados até novembro de 2011 e 22 eleições extemporâneas já realizadas, com destaque para as seis trocas de prefeito realizadas na cidade de Conceição do Mato Dentro desde janeiro de 2009.
Não há dúvida de que, para o eleitor que irá às urnas em outubro escolher os comandantes dos 853 municípios mineiros, esse cenário é desanimador. Porém, a situação futura pode ser positiva, pois as cassações de mandatos ocorridas no período 2009-2012 podem produzir uma alteração profunda na política local mineira: a ética pode penetrar, de forma definitiva, no próprio mecanismo de cálculo político das lideranças municipais.
Para compreender essa nova tendência, é preciso levar em conta o quão complicada é a formação de uma coalizão política para a disputa eleitoral. Além da tarefa básica de se agregar apoios os mais numerosos e distintos – com vistas à obtenção da maior votação possível –, é indispensável fazer também concessões aos interesses desses apoiadores, correndo o risco de desagradar alguns quando se concorda com outros. A participação no futuro governo deve ser organizada a partir do desempenho de cada um na campanha eleitoral (pois nem sempre o apoio prometido se concretiza) e, por fim, há a questão espinhosa dos gastos de campanha. Após tanta negociação e composição, a cassação do mandato de um prefeito significa que todo esse trabalho foi perdido, e que deve ser refeito em torno de uma nova administração. Sendo assim, a melhor ação possível seria mesmo a prevenção, realizada pelos atores políticos locais através da escolha de candidatos sem pendências junto ao Judiciário para encabeçarem suas chapas eleitorais.
 O novo cálculo político descrito acima, que inclui a ética como seu elemento central, pode ter efeito maior do que a tão discutida Lei da Ficha Limpa, especialmente porque a seleção dos candidatos aptos seria feita espontaneamente, no âmbito do próprio meio político. A grande diversidade de municípios que tiveram seus prefeitos cassados entre 2009 e 2012 – variando da metropolitana Ipatinga até a pequena Santa Rosa da Serra, com pouco mais de três mil habitantes – indica que essa tendência deve ser ampla, com o pleito de outubro apresentando considerável nível de renovação política em todo o estado.
Cabe ao eleitor, por fim, um papel crucial na consolidação dessa nova tendência política: o de referendar, através do voto, a escolha de candidatos que agreguem a qualidade ética à competência administrativa e à habilidade política. Agindo assim, ficará claro a todos que a viabilidade de uma plataforma política vai depender, antes de tudo, da honestidade daqueles que a compõem.

Início dos trabalhos

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Paulo Diniz