terça-feira, 27 de maio de 2014

Os EUA e seu oposto

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/05/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Na política internacional, há temáticas que produzem novidades a cada dia, enquanto outras alternam décadas sem qualquer mudança digna de nota. As relações entre Estados Unidos e América Latina constituem exemplo típico de estagnação, em larga medida, resultante das posições políticas extremas adotadas por cada parte. Altos e baixos se revezam, sobretudo no que se refere à retórica dos governantes, porém nada de substancial muda.
Desde seus primeiros ensaios de política externa voltada para a região, na década de 1820, o governo de Washington esteve mais preocupado em garantir para si o papel principal sobre o continente, do que planejar o que fazer a partir de então. O sucesso da “Doutrina Monroe”, que buscava afastar o domínio das potências europeias, inaugurou uma ordem política que pouco beneficiou os países da região: se não havia alternativa ao alinhamento aos EUA, tampouco essa atitude representava uma coordenação real de interesses que produzisse ganho aos países latino-americanos.
A Guerra Fria e a lógica de rivalidade entre capitalismo e comunismo, quando transplantadas ao continente, deram contornos concretos à insatisfação que já ganhava corpo na América Latina. Até hoje as opiniões se polarizam radicalmente, garantindo público fiel aos extremos opostos: a esquerda histericamente anti-americana, e a frenética torcida pró-ianque, que tem no consumismo de Miami seu modelo de sociedade. Frutos dessa dicotomia obscurantista, diferentes em aparência mas idênticos em essência, são tanto a xenofobia dos regimes da Venezuela e do Equador, que buscam inimigos dos Estados Unidos para formar alianças quaisquer, quanto a postura da Argentina dos anos 1990, que anunciava manter uma relação “carnal” com os EUA. O Brasil, distinto de seus vizinhos hispânicos pela aversão ao radicalismo, enfrenta tais dilemas com menor intensidade; em parte, porque os norte-americanos sempre viam no Brasil um aliado natural na manutenção de seu poder hemisférico.
Durante a recente Bienal do Livro de Brasília, o escritor uruguaio Eduardo Galeano produziu exemplo do quão estéril é a dicotomia de amor e ódio em relação aos EUA. Autor de “As veias abertas da América Latina”, obra de referência da esquerda continental, afirmou que não teria paciência para voltar a ler seu livro. Segundo ele, a obra é superficial, fruto da pouca idade que tinha ao concebê-la. O sucesso persistente da famosa obra de Galeano se explica, então, muito mais pela posição política que defende, do que por seu conteúdo em si.
Assim segue a América Latina, à deriva entre o desprezo possessivo dos EUA e o raciocínio histérico que só busca negá-lo. Há, entre esses dois pólos improdutivos, um vácuo de idéias e propostas que constitui uma das causas do atraso latino-americano. Superar essa crise de criatividade política e ideológica é um desafio urgente, já que passadas mais de duas décadas do fim da Guerra Fria, apenas nessa parte do mundo persiste a oposição auto-excludente entre capitalismo e socialismo.

domingo, 18 de maio de 2014

Aposta arriscada de Dilma

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/05/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - na edição de 28/05/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 29/05/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

À medida que se aproxima a Copa do Mundo, vários setores profissionais e da sociedade civil têm saído às ruas para expor suas demandas. Não há dúvida que buscam o destaque propiciado pelo maior evento esportivo do planeta para forçar o atendimento de suas pautas. Entretanto, a característica setorial dos protestos das últimas semanas tem feito com que os grupos envolvidos sejam diminutos, normalmente contabilizados às centenas. Isso faz com que todos no Brasil, especialmente no mundo político, se perguntem se haverá nesse ano, tal como em 2013, um turbilhão de revolta popular contra a situação geral do país.
Sob a perspectiva eleitoral, é importante considerar que em 2013 houve uma forte rejeição à classe política como um todo, vista como incapaz de produzir respostas, ou mesmo de escutar às demandas da população. Assim, os três principais pré-candidatos à Presidência seriam hoje igualmente desgastados, podendo haver ganho de popularidade apenas para algum candidato de perfil contestatório e exótico a ponto de não ser identificado com a tradicional política brasileira. Em certa medida, a ex-senadora Marina Silva poderia ocupar esse papel, como já se pôde notar em 2010, porém a condição de postulante à vice-presidência na chapa do PSB parece ofuscar o brilho de renovação da ilustre acreana.
Tomando por base o padrão dos protestos do ano passado, não há como negar também que algumas figuras políticas eram mais diretamente cobradas pelas multidões: os ocupantes de cargos públicos, principalmente os responsáveis pelos gastos excessivos relacionados à Copa do Mundo. A presidente Dilma Rousseff foi, dessa forma, a principal penalizada pela fúria popular, porém alguns governadores e prefeitos também perderam popularidade. Caso se repita um fenômeno semelhante nas ruas brasileiras, será prejudicada a presidente Dilma Rousseff de forma aguda, já que não só é a única presidenciável que ocupa cargo no Executivo, como também pouco fez a partir das duras cobranças populares do ano passado: como novidade, só tem mesmo a apresentar o polêmico programa Mais Médicos. Eduardo Campos, que deixou o governo de Pernambuco em abril, pode também sofrer algum desgaste em escala regional, enquanto Aécio Neves se encontra na posição mais confortável, pois é senador desde 2011, e assim não pode ser diretamente responsabilizado pelas ações do governo de Minas nos últimos anos. Novamente, Marina Silva seria a personagem que mais poderia capitalizar apoio popular, pois não tem contra si o passivo de uma gestão no Poder Executivo, posto que nunca exerceu.
É impossível prever se as faíscas que temos hoje nas ruas serão capazes de inflamar um novo incêndio de insatisfação em junho. Única no comando da máquina administrativa, Dilma tem a vantagem de poder tomar medidas preventivas que atendam à população e reduzam a ira popular. Porém, até agora sua única mudança de rumo foi investir no aparato de segurança; uma aposta arriscada, caso o brasileiro não se renda ao fascínio pelo futebol.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Entendendo o "Volta, Lula"

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 11/05/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, de 16/05/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minhas Gerais - de 17/05/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e de 18/05/2014 do Diário de Manhuaçu - Manhuaçu, Minas Gerais - e do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais)

Recentemente o mundo político nacional susteve a respiração por quase uma semana, tenso pelos rumores de que o ex-presidente Lula poderia voltar a se candidatar ao cargo máximo da nação. Há de se perguntar por que o boato foi capaz de gerar tamanha comoção, sobretudo nas hostes petistas, uma vez que as previsões eleitorais ainda apresentam a presidente Dilma como favorita à reeleição.
Sob a ótica da estratégica eleitoral, é possível pensar o "Volta Lula" como uma surpresa no cenário eleitoral, capaz de gerar perturbação nas estratégias dos oponentes da chapa petista. Para a oposição, a importância de se ter um plano alternativo se fez evidente, e a elaboração desse demanda tempo e esforço. Ao permitir que cogitem seu nome, Lula certamente busca desgastar seus adversários; também consegue produzir um fato novo para os noticiários, que deixaram momentaneamente de destacar os escândalos da Petrobras.
Ao mesmo tempo, a opção pelo lançamento de Lula como candidato pode guardar a solução do principal problema da campanha petista: o desgaste da administração de Dilma Rousseff. A candidatura de Lula pode, assim, vincular todos os fatores negativos à gestão de Dilma, fomentando a ideia de que Lula poderia trazer de volta a bonança de seus anos de governo.
Além do panorama eleitoral, é preciso considerar fatores internos ao PT, na busca do significado do “Volta Lula”. Difícil distinguir o momento exato no qual o PT mudou sua orientação básica: de um partido de massas, para um grande partido. Essa mudança pouco tem a ver com o número de filiados ou com a conquista de postos na administração pública, mas sim com o núcleo da vida partidária. Por muito tempo, o PT foi notório por suas dissensões internas, assim como por seu conturbado processo decisório, o que indicava que a dinâmica do partido se encontrava em sua aguerrida militância. Hoje, o centro das atenções é o ex-presidente Lula, que tem cada uma de suas palavras interpretadas como um proclame de diretrizes partidárias. A dinâmica petista se tornou extremamente dependente dos humores de uma única liderança, atrelando conveniências eleitorais pessoais à decisão de rumos programática.
O fenômeno do "Volta Lula" indica, assim, não só o grau de centralização interna ao qual chegou o PT, mas principalmente o nível de dependência psicológica dos membros do partido em relação a seu membro mais famoso. Desprovido de figuras de referência nacional, especialmente no âmbito eleitoral, o PT só pode mesmo contar com Lula; porém, mais grave do que isso, é que o partido parece inerte quanto à possibilidade de ter de buscar outro caminho. O apoio ao "Volta Lula" por parte da militância petista representa o reconhecimento de que o partido, hoje, gira em torno de uma personalidade, seus desejos e conveniências; iguala-se, assim, ao PDT de Leonel Brizola. Triste destino para o partido que, com sua trajetória única na recente democracia brasileira, representou o sonho de muitos brasileiros pela mudança na política brasileira.