por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/05/2014 do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais)
As altas
cortes do Judiciário brasileiro estão entretidas com casos de significado
simbólico, elementares para se compreender a relação que os brasileiros mantêm
entre si e com o poder. O Supremo Tribunal Federal está prestes a julgar,
literalmente, um ladrão de galinha; enquanto não decide tal caso, aproveitou
para dar a palavra final sobre a instalação da CPI da Petrobrás, desempatando o
mais recente impasse do Parlamento brasileiro. Já o Superior Tribunal de
Justiça acaba de determinar que o Campeão Brasileiro de 1987 é o Sport Clube
Recife, acabando com antiga polêmica sobre a interpretação do regulamento desse
campeonato de futebol. Percebe-se, assim, que o Estado é chamado com frequência
a resolver assuntos prosaicos e irrelevantes, o que demonstra uma considerável
dificuldade de convivência entre brasileiros.
Para
compreender essa dinâmica social, convém recorrer a uma visão clássica da
Sociologia nacional, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda. Desenvolvida por
séculos em torno do núcleo familiar e agrário da grande propriedade rural, a
cultura brasileira enxerga o mundo a partir da família, uma dimensão social privada,
íntima e hierarquizada. A comunicação flui melhor entre brasileiros quando há
mútuas demonstrações de intimidade, como o uso do primeiro nome ou do
diminutivo. Estamos à vontade, assim, entre referências ao ambiente familiar,
origem de nossa visão de mundo. Toda essa cordialidade, entretanto, não
representa uma genuína troca de afeto entre as pessoas, apenas a forma de
comunicação típica de nossa cultura.
A referência
familiar e privada faz com que o brasileiro busque organizar a sociedade de
maneira hierárquica, excluindo o conflito. Ao invés do debate aberto de
opiniões, que gera atritos mas que também produz soluções satisfatórias a
todos, buscamos sempre uma quimera de origem externa, capaz de colocar “cada um
em seu lugar”. Por isso, a forma como se faz política no Brasil se baseia tanto
na imposição da vontade da maioria sobre a minoria: o resultado das urnas
estabeleceu o lugar de cada um na hierarquia do poder nacional. Qualquer
atitude que desobedeça a essa ordem gera impasses políticos significativos, que
só podem ser decididos por um poder externo ao universo da política, já que as
partes envolvidas estão pouco dispostas e debater, ceder e a construir um
consenso.
A recorrência
constante ao Poder Judiciário tem, assim, a mesma raiz do mensalão: a crença de
que debater com a minoria é sinal de fraqueza, pois à maioria cabe o exercício
exclusivo do poder. O mesmo pode ser dito a respeito da oposição no Brasil, que
via de regra, se recolhe a uma posição subalterna enquanto aguarda melhor sorte
na próxima eleição. Ter o debate, e o conflito que o cerca, como valores
essenciais à nossa sociedade é um passo crucial para a construção de uma
verdadeira cultura democrática no Brasil. Priorizar essa mudança, e não o culto
à figura do líder, onipotente como o pai das antigas famílias, é uma das chaves
para a um futuro melhor no Brasil.
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