terça-feira, 6 de maio de 2014

O brasileiro e o poder

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/05/2014 do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais)

As altas cortes do Judiciário brasileiro estão entretidas com casos de significado simbólico, elementares para se compreender a relação que os brasileiros mantêm entre si e com o poder. O Supremo Tribunal Federal está prestes a julgar, literalmente, um ladrão de galinha; enquanto não decide tal caso, aproveitou para dar a palavra final sobre a instalação da CPI da Petrobrás, desempatando o mais recente impasse do Parlamento brasileiro. Já o Superior Tribunal de Justiça acaba de determinar que o Campeão Brasileiro de 1987 é o Sport Clube Recife, acabando com antiga polêmica sobre a interpretação do regulamento desse campeonato de futebol. Percebe-se, assim, que o Estado é chamado com frequência a resolver assuntos prosaicos e irrelevantes, o que demonstra uma considerável dificuldade de convivência entre brasileiros.
Para compreender essa dinâmica social, convém recorrer a uma visão clássica da Sociologia nacional, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda. Desenvolvida por séculos em torno do núcleo familiar e agrário da grande propriedade rural, a cultura brasileira enxerga o mundo a partir da família, uma dimensão social privada, íntima e hierarquizada. A comunicação flui melhor entre brasileiros quando há mútuas demonstrações de intimidade, como o uso do primeiro nome ou do diminutivo. Estamos à vontade, assim, entre referências ao ambiente familiar, origem de nossa visão de mundo. Toda essa cordialidade, entretanto, não representa uma genuína troca de afeto entre as pessoas, apenas a forma de comunicação típica de nossa cultura.
A referência familiar e privada faz com que o brasileiro busque organizar a sociedade de maneira hierárquica, excluindo o conflito. Ao invés do debate aberto de opiniões, que gera atritos mas que também produz soluções satisfatórias a todos, buscamos sempre uma quimera de origem externa, capaz de colocar “cada um em seu lugar”. Por isso, a forma como se faz política no Brasil se baseia tanto na imposição da vontade da maioria sobre a minoria: o resultado das urnas estabeleceu o lugar de cada um na hierarquia do poder nacional. Qualquer atitude que desobedeça a essa ordem gera impasses políticos significativos, que só podem ser decididos por um poder externo ao universo da política, já que as partes envolvidas estão pouco dispostas e debater, ceder e a construir um consenso.
A recorrência constante ao Poder Judiciário tem, assim, a mesma raiz do mensalão: a crença de que debater com a minoria é sinal de fraqueza, pois à maioria cabe o exercício exclusivo do poder. O mesmo pode ser dito a respeito da oposição no Brasil, que via de regra, se recolhe a uma posição subalterna enquanto aguarda melhor sorte na próxima eleição. Ter o debate, e o conflito que o cerca, como valores essenciais à nossa sociedade é um passo crucial para a construção de uma verdadeira cultura democrática no Brasil. Priorizar essa mudança, e não o culto à figura do líder, onipotente como o pai das antigas famílias, é uma das chaves para a um futuro melhor no Brasil.

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