sexta-feira, 25 de abril de 2014

Estatais e a política

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 25/04/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 12/05/2014 do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais)



O noticiário político nacional tem destacado as grandes empresas estatais e a forma como os governos as gerenciam. No plano federal, a Petrobrás vem tendo expostos alguns de seus negócios no exterior que despertam fortes suspeitas de corrupção. Já a Cemig vem sendo acusada de usar suas propagandas institucionais em benefício do governo mineiro, apontando a responsabilidade do Governo Federal pelos reajustes de tarifas elétricas. As grandes estatais aparecem, cada vez mais, no centro de uma discussão que sobre a necessidade de se reinserir nas empresas públicas brasileiras seus tradicionais níveis de competência técnica.
Inicialmente, é preciso considerar que a configuração atual das grandes estatais brasileiras é complexa por definição. Por um lado, empresas como a Petrobrás e a Cemig têm parte significativa de capital aberto ao público, com ações negociadas em algumas das principais bolsas de valores do mundo. Dessa forma, não só captam recursos junto a milhares de investidores privados, como também assumem o compromisso de remunerar a confiança depositada por esses, gerando lucro para posterior distribuição. Dessa forma, não há como culpar a “avidez do mercado capitalista” por qualquer problema enfrentado: o aporte de recursos privados foi crucial para o sucesso, no cenário recente de expansão de tais empresas.
Por outro lado, o surgimento das grandes estatais no Brasil não apenas se deu por motivos políticos, como também para a realização de objetivos políticos. O pensamento desenvolvimentista que tomou conta do Brasil, a partir da década de 1950, considerava que alguns setores da economia nacional dependiam do impulso do Estado para se estruturar, e a melhor forma de fazê-lo seria tornar o Poder Público um grande empresário. Ao mesmo tempo, tais discussões tomaram conta do ambiente eleitoral, motivando campanhas populares e atraindo muitos votos. O orgulho nacional, assim, crescia na mesma proporção do gigantismo das novas empresas, encarregadas de impulsionar a economia e de dotar o Estado de instrumentos para controlar diretamente o processo de industrialização.
O desgaste desse modelo veio a partir da década de 1980, com a crise da dívida externa, e teve como principal resposta a venda de algumas dessas empresas para a iniciativa privada na década seguinte. Importante lembrar a violenta onda de protestos contra a privatização da CSN em 1993, e da Vale em 1997, o que acabou por transformar esse termo em ofensa no vocabulário político brasileiro. Basta ver que, para tomar medidas semelhantes, a gestão federal petista tratou de cunhar novas expressões que as designassem.
Mantidas as grandes empresas estatais do setor energético sob domínio do Estado, resta agora o desafio de conciliar a lógica empresarial com a orientação política, sem recorrer às práticas eleitorais. O mercado de ações, no caso da Petrobrás, tem indicado que essa combinação não está sequer próxima de atingir a proporção adequada para repetir a fórmula de sucesso dos últimos anos.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Candidato a favorito

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 16/04/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - na edição de 25/04/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 26/04/2014 do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Cotado como o vice ideal do tucano Aécio Neves, o ex-governador pernambucano Eduardo Campos, do PSB, viu sua sorte mudar em 2013 devido a fatores que fugiam a seu controle. Desde meados de 2012, costurava uma articulação com o PSDB, o que podia ser medido a partir do termômetro do PSB mineiro: esse alterou sua direção estadual, lançou candidato à presidência da Câmara dos Deputados e, mais de uma vez, anunciou interesse em levar o prefeito da capital mineira a concorrer ao governo estadual. Era possível ver o protagonismo de articuladores tradicionalmente próximos do PSDB mineiro, como o deputado Júlio Delgado e o ex-secretário de estado de Aécio, Márcio Lacerda. Podia-se prever, então, o apoio tucano a um candidato do PSB em Minas, como parte do acordo que levaria Eduardo Campos à candidatura como vice-presidente. O afinamento do discurso de Aécio e de Campos em 2013, quando disseram ser favoráveis ao fim da reeleição, sugeria também uma troca de apoios no futuro próximo.
Marina Silva, até então entretida na cruzada pela criação de um novo partido e pela reinvenção da política no Brasil, tem sua iniciativa frustrada pelo Superior Tribunal Eleitoral, e filia-se em outubro último ao PSB de Eduardo Campos. Repentinamente, a pré-candidatura do governador de Pernambuco deixa a condição de coadjuvante para assumir o posto de protagonista, já que a adesão da maior surpresa eleitoral de 2010 deu a Campos uma promissora plataforma nacional.
Quanto ao futuro, inicialmente é preciso considerar a força de Eduardo Campos sobre o eleitorado pernambucano, que lhe confere votações que beiram a unanimidade; nesse sentido, trata-se da primeira ocasião em uma década na qual o PT deverá sofrer uma sangria eleitoral nesse importante estado. Ainda no que se refere a essa região, Eduardo Campos também tende a atrair os votos de eleitores nordestinos esparsos, desejosos de um conterrâneo no comando do país. O forte controle com o qual Campos exerce a presidência nacional do PSB também deve gerar palanques fortes nos outros quatro estados governados pelo partido.
O desafio da candidatura de Eduardo Campos sempre foi o de expandir sua influência pelo país, e nesse sentido, sua parceira de chapa cumpre papel decisivo. Resta saber se os simpatizantes de Marina, sequiosos por mudanças profundas no Brasil, confiarão em Eduardo Campos. Se confirmada, essa variável pode mesmo alçar a chapa Campos-Marina à condição de favorita.
Por fim, o fator “terceira via” tende a fazer com que o candidato do PSB receba os votos daqueles que se cansaram do caráter plebiscitário das últimas eleições. Os ataques mútuos entre PT e PSDB trazem o risco de convencer os eleitores de que ambos estão certos e, portanto, uma alternativa seria bem vinda.
Eduardo Campos tem, assim, chances reais de conquistar a Presidência, principalmente diante do desgaste pelo qual passa o PT após três mandatos consecutivos. Considerando o que já aconteceu na trajetória de Campos, não há exagero em dizer que tudo é possível.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Improvável estadista

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 15/04/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, do Diário de Teófilo Otoni - Teófilo Otoni, Minas Gerais -, do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais -, na edição de 23/04/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 13/07/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O Uruguai atraiu a atenção mundial recentemente, quando seu presidente aceitou receber prisioneiros da base norte-americana de Guantánamo. Primeiro do continente a aderir à estratégia de Barack Obama para esvaziar o infame campo de detenção, José Mujica chama a atenção tanto pelo que faz, quanto pelo que representa para os mais diversos públicos. Merece, assim, uma análise detida quando se aproxima o final de seu mandato.
Militante da violenta esquerda uruguaia da década de 1960, Mujica esteve preso por 13 anos, sendo libertado apenas ao final da ditadura que governou o país. Devido a seu histórico, Mujica despertou desconfianças durante a campanha eleitoral de 2009: se eleito, traria de volta a política radical? Como o Uruguai já vinha sendo governado por uma inédita coalizão de partidos de esquerda, sem que isso tivesse produzido turbulência institucional, as ressalvas quanto ao velho militante não prevaleceram. A confiança depositada em “Pepe” Mujica foi merecida: a tradicional estabilidade política uruguaia foi mantida, o que torna o país uma feliz exceção na América Hispânica recente, onde a eleição de governos de esquerda tem sido sucedida por restrições às liberdades civis.
Mais do que não frustrar, a administração de Mujica trouxe gratas surpresas ao setor produtivo, pois o presidente deixou claro ter a percepção de que o socialismo não é bom gerando riqueza, mas sim a distribuindo. Destaque-se a defesa dos interesses de seu país na chamada “Guerra das Papeleiras”, evento considerado o ponto mais baixo das relações entre Uruguai e Argentina. Preterida por uma multinacional do setor de celulose que desejava investir na região, a Argentina vem adotando desde 2004 pesadas represálias contra os uruguaios, justificadas por argumentos ambientais questionáveis. Em seu governo, Mujica não só manteve-se firme diante das pressões argentinas, como também autorizou uma expansão da empresa estrangeira.
Além do pragmatismo administrativo, José Mujica atraiu a atenção também por sua postura pessoal: doa 90% de seu salário, permanece vivendo em sua humilde chácara e é servido por um veículo de modelo popular, o que lhe rendeu a alcunha de “presidente mais pobre do mundo”, dada pela imprensa internacional. Inicialmente rotulado como demagogo, o presidente não tentou obter ganhos políticos a partir de seu comportamento pessoal. O fato é que Mujica encara o poder como uma tarefa a ser cumprida, e não como um prêmio a ser saboreado: compartilha essa marca com alguns dos maiores estadistas, hoje em dia tão raros.
Despido das camadas de significado que lhe foram atribuídas devido a seu passado político e à sua figura pessoal, Mujica entra para a história como um líder equilibrado e pragmático, afastado da dicotomia “esquerda contra direita” que tanto perturbou o século XX. Indiferente às críticas de ambos os extremos ideológicos, o presidente uruguaio representou um exemplo de como, na política, as ideias devem se adaptar ao bem-estar dos homens, e não o contrário.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Momento de decisão para o PMDB de Minas

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 07/04/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e de 09/04/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, do Jornal Diário - Pouso Alegre, Minas Gerais - e do Diário de Caratinga - Caratinga, Minas Gerais)

A revolta da bancada federal do PMDB trouxe novamente o maior partido do Brasil ao centro das discussões. Um dos pontos destacados pela imprensa foi a dificuldade em conciliar os interesses regionais de PT e PMDB na disputa por várias administrações estaduais. Minas Gerais se coloca como um desses casos, e como palco essencial das eleições de 2014, merece atenção especial.
O eixo da estratégia nacional do PMDB tem sido a construção de amplas bases parlamentares, cujo apoio seria vital para qualquer presidente da República. Dessa forma, o PMDB embarca como sócio majoritário no governo, independente de sua posição durante a campanha eleitoral: gerenciando ministérios e órgãos públicos, o partido se mantém em evidência constante junto ao eleitorado.
O que ocorre em Minas Gerais, entretanto, supera essa tendência nacional. Compondo o bloco de oposição desde 2006, o PMDB mineiro não pode ter para si uma parcela da popularidade do “Choque de Gestão” – carro-chefe da administração tucana nas Alterosas. Para a população, o PMDB mineiro só tem a oferecer uma pequena fração dos programas do Governo Federal, e mesmo assim, disputando a paternidade desses com os membros do PT. Quando se trata do único partido a ter diretórios instalados em todos os 853 municípios mineiros, isso é muito pouco.
Há dois caminhos disponíveis ao PMDB de Minas. No primeiro, o partido reproduz a aliança nacional com o PT, aderindo à candidatura de Fernando Pimentel. Vitoriosa essa estratégia, o PMDB leva o controle de uma boa parte da burocracia estadual, um alívio após oito anos de oposição. Já a derrota seria um golpe duro sobre o partido, cuja melhor opção seria a de aderir ao novo governo na condição de parceiro menor.
O segundo caminho para o PMDB mineiro é o lançamento de uma candidatura própria. Nesse caso, pode ocorrer a vitória, que garantiria controle total sobre a máquina administrativa mineira; ou a derrota em primeiro turno, que permitiria ao PMDB apoiar, na etapa crucial da disputa, qualquer um dos finalistas, garantindo posto de destaque na composição do novo governo. Mesmo na derrota dessa aliança, o PMDB teria construído patrimônio eleitoral, decorrente de sua exposição em todo o estado.
A composição política, assim, depende do momento em que ocorre: no caso de um acordo decidido no segundo turno, fica evidente a importância que teve a adesão do PMDB. Quando a composição é feita com grande antecedência, não só fica eliminada a chance de vitória autônoma, como também é difícil quantificar a contribuição do PMDB para o sucesso. É bom lembrar que a divisão de poder, em um novo governo, depende da avaliação do peso que cada aliado teve para a vitória.
Um dos principais requisitos para o sucesso eleitoral em Minas é a presença em cada recanto do estado. Sob esse critério, o PMDB é um favorito. Porém, essa capilaridade depende da exposição do partido nas eleições e nos períodos não eleitorais. Estrategicamente, preservar essa condição deveria ser o objetivo maior do PMDB mineiro.