domingo, 30 de julho de 2023

O caso da Flórida

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 1º de agosto de 2023 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais


O caso da Flórida

 

Considerando um ponto de vista científico, sempre foi questionável a associação entre a eleição de Donald Trump nos EUA em 2016 e a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018. Afinal, é difícil conjecturar que dezenas de milhões de eleitores brasileiros se inspirem nos EUA no momento de decidir em quem votar.

Porém, tendo em vista as coincidências, é interessante manter um olhar atento sobre o cenário pré-eleitoral dos EUA. No final de agosto, ocorrerá o primeiro debate entre os pré-candidatos à Presidência pelo Partido Republicano: nos Estados Unidos, quem decide as candidaturas definitivas de cada partido são os eleitores, em votação direta.

O ex-presidente Donald Trump é favorito, clamando por vingança contra a imaginada fraude eleitoral que o vitimou em 2020 – enfim, traz mais do mesmo. Seu principal opositor dentro do Partido Republicano, entretanto, é uma figura essencial para a compreensão dos caminhos futuros da direita ideológica nos EUA – e, quiçá, também no Brasil. Ron De Santis é governador da Flórida, cumprindo seu segundo mandato; além de trazer crescimento econômico inédito para seu estado, De Santis também é responsável pela efetivação de políticas conservadoras que beiram o extremismo.

Fiscalização do conteúdo dos livros infantis de todas as escolas públicas, banimento da realização de abortos em gestações de mais de seis semanas, proibição de atletas trans em competições esportivas: essas são algumas medidas de cunho conservador que De Santis propôs e conseguiu aprovação junto ao Legislativo Estadual. Esses são temas extremamente importantes para o eleitorado de direita nos EUA, e o governador da Flórida mostra realizações concretas nesse sentido. Ao mesmo tempo, Trump continua seus discursos desconexos e rancorosos nas redes sociais, em conflito até mesmo com seu próprio legado presidencial.

O sucesso de Ron De Santis é fruto de seu estilo pessoal: meticuloso no planejamento e agressivo na execução, envolveu-se profundamente nas eleições legislativas, conseguindo não apenas maioria absoluta, como fidelidade total de sua base de deputados estaduais. Todo e qualquer espaço de poder foi ocupado por partidários de De Santis – incluindo conselhos escolares – o que garantiu poder absoluto ao governador. Políticos republicanos de outros estados já foram à Flórida para aprender com De Santis seu “estilo de governo”, e isso tem garantido a ele espaço de sobra na mídia nacional.

Porém, os apoiadores do Partido Republicano ainda confiam mais na algazarra de Trump do que na eficiência metódica de De Santis: o ex-presidente tem a preferência de 52% de seus correligionários, enquanto o governador da Flórida recebe o apoio de apenas 15% dos eleitores de seu partido em escala nacional.

Esse pequeno panorama pode nos dizer, portanto, que o eleitorado da direita talvez se guie mais pela aparência do que pelo conteúdo, mais pelo coração do que pela razão. Se for válida também para o Brasil, essa tendência tem que estar presente em nosso radar político.

sábado, 29 de julho de 2023

Placebo contra a ansiedade

 por Paulo Ricardo Diniz Filho

publicado na edição de 25/07/2023 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais


Os conceitos de presente e de futuro se tornaram bem confusos na modernidade ultra-acelerada na qual vivemos. Planejamento, previdência, provisionamento e ansiedade nervosa se fundiram em um bloco só – que atingiu em cheio a mais humana das atividades, a política.

Há pouco mais de dois meses, nessa coluna, apontei que a campanha eleitoral de 2024 para a Prefeitura de Belo Horizonte já tinha nomes, grupos e uma dinâmica própria em andamento – como se já estivessem próximas as convenções partidárias. Carlos Viana e Bruno Engler polarizavam o quadro, enquanto Duda Salabert e Gabriel Azevedo testavam posturas eleitorais de quando em vez.

Com esses quatro nomes em voga, já havia personagens e conteúdo suficiente para uma grande trama eleitoral. O futuro, então, havia sido antecipado e começava a acontecer.

Porém, o futuro virou passado em poucas semanas, e agora se desenha um quadro bem mais complexo na disputa pelo comando da capital mineira – não só pela quantidade de personagens que surgiram, como também pela densidade política desses novos nomes.

Fuad Noman, atual prefeito de Belo Horizonte, vinha se mantendo em um grau de discrição que beirava a apatia política, mesmo enquanto outros já cobiçavam abertamente sua posição. Era razoável pensar, até mesmo, que Noman não deveria disputar a reeleição – afinal, o comandante da máquina pública precisa de muito pouco para se manter em evidência, e ainda assim, o atual prefeito pouco fazia para se mostrar. Agora, esse quadro mudou, e Fuad se tornou figura fácil nos meios de comunicação. Mais do que isso, passou a falar como protagonista de propostas e soluções para a cidade – um requisito indispensável para quem pretende passar pelo teste das urnas.

Outro nome que ressurgiu com força é o de João Leite, que conta com três campanhas municipais anteriores como reforço natural de sua imagem. Derrotado no segundo turno em 2000 e em 2016, João Leite já mostrou ser capaz de ganhar muitos votos e de incorporar as esperanças dos eleitores – peca pela falta de algum detalhe, nos momentos finais da disputa. Em um ambiente político já desgastado pelos extremismos, o perfil sóbrio de Leite pode ser exatamente o que procura o belorizontino em 2024.

Por fim, chama atenção a movimentação virtual intensa que assumiu o ex-vice-governador Paulo Brant, agora filiado ao PSB. Caso siga no ritmo atual, Brant terá estrutura partidária e um histórico de equilíbrio político a seu favor, o que pode ser valioso se a rejeição ao extremismo político tiver peso em 2024.

Com sete postulantes viáveis, a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte se tornou imprevisível. Para cada corrente ou estilo político, haveria no mínimo dois candidatos dividindo o mesmo espaço – isso, para não mencionar o usual conflito entre perfis distintos. A quantidade de variáveis em jogo é tamanha, que qualquer prognóstico que se faça hoje não passa de placebo contra a ansiedade.

Um novo futuro se desenhou, sem dar chance para que as previsões anteriores se concretizassem.