por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/08/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Circulam
atualmente várias análises que apontam na mesma direção em relação ao movimento
político de alteração de regras eleitorais: não se trata de uma reforma e,
menos ainda, vai produzir mudanças significativas na política nacional. Entretanto,
ainda que muitos tenham consciência do quão impróprio é o termo, mesmo esses
acabam fazendo concessão à praticidade e empregando cotidianamente a expressão
“reforma política”. Esse ato inocente de comunicação acaba por gerar
consequências reais: a repetição do termo “reforma política” transmite para a
sociedade a mensagem equivocada de que a política brasileira estaria prestes a
passar por mudanças importantes. Isso beneficia os atuais detentores de mandato
no Legislativo nacional, pois cria-se a perspectiva junto ao público de que os
políticos atuais seriam capazes de solucionar os problemas da política
brasileira. Esse jogo de palavras, portanto, pode ser visto como uma tentativa
dos políticos tradicionais renovarem sua imagem perante o eleitorado,
colocando-se como parte do futuro desejado por todos.
Difícil
saber quantos parlamentares federais participam dessa articulação que busca um tipo
de salvação coletiva, mas é possível ver uma rara aproximação entre a maioria
das lideranças partidárias quando o tema é a chamada “reforma política”. A
discordância que se nota, sobretudo na Câmara dos Deputados, envolve
principalmente o grupo que não goza de tanta notoriedade, o chamado baixo
clero.
Outros
jogos de palavras também funcionam no mesmo sentido que o conceito geral de
“reforma política”: a proposta de outros modelos de financiamento de campanha,
por exemplo, suscita a ideia de que estariam sendo combatidas as relações
espúrias de pagamentos de grandes empresas a partidos políticos em troca de favores
desonestos. Essa lógica parte do pressuposto de que a culpa pelos malfeitos
residiria nas leis, e não nos homens que as descumpriram durante anos; assim, bastaria
uma nova legislação para sanar o problema da corrupção.
Ocorre
que as doações eleitorais ilegais do passado significam que empresas e partidos
políticos estavam dispostos a burlar a lei para cumprirem com seus objetivos:
essa motivação, que coloca o sucesso acima de qualquer medida ética, não irá
desaparecer com qualquer lei que o Congresso aprove. O erro dos homens se
corrige com a punição e substituição desses, e não com a troca das normas que,
desrespeitadas no passado, podem novamente ser burladas no futuro.
No
mesmo sentido, discutir as doações empresariais feitas a partidos e políticos de
forma legítima é menos importante do que aparenta. A conduta desonesta dos
políticos, independentemente do fator que as motivou, é que deveria ser foco
das atenções: como proceder para evitar que um deputado literalmente venda seu
voto, alugue sua participação em uma CPI ou assuma na tribuna posições que nada
têm a ver com os interesses de seus eleitores? Essas perguntas, voltadas para o
comportamento do político eleito, deveriam ser centrais a uma “reforma política”
que fosse digna desse nome.
Fica
claro, portanto, que as alterações na legislação eleitoral que provocam tanto
alarde no Brasil têm pouco a ver com os maiores problemas da política atual. A
chamada “reforma política” não é muito mais do que alguns jogos de palavras
encobrindo medidas que, ao que tudo indica, tendem a beneficiar justamente
àqueles que criaram a crise na qual se encontra o país.