terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O PT não vai mudar

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 15/01/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A renovação do PT foi mais uma expectativa que se frustrou em 2016. Muito mencionada por analistas políticos, a reforma petista é tida como indispensável para que o partido não entre em colapso no futuro próximo. Convocado para abril, o congresso nacional do PT não deve, entretanto, produzir qualquer mudança significativa, por uma série de motivos distintos.
Outrora um partido cheio de dissenções, há alguns anos no PT predomina o consenso: se ruidoso ou plácido não importa, o fato é que têm prevalecido os planos da cúpula. Por treze anos, o imperativo do comando da máquina federal foi argumento definitivo para consolidar esse consenso. Hoje, mesmo afastadas do poder federal, as correntes internas do PT ainda não se arriscam a questionar seriamente a ordem interna do partido: é fácil imaginar que, tendo em vista as eleições de 2018, tenham esperanças de voltar ao Planalto a bordo da chapa de Lula.
Entretanto, as posições do PT e de Lula são irreconciliáveis, e isso se dá pela relação que cada um tem com o tempo: enquanto Lula busca referências no passado para se mostrar ao eleitor, seu partido precisa apontar para o futuro, para a superação de uma imagem institucional tremendamente desgastada junto à opinião pública nacional. Dificilmente Lula deve mudar de posição, pois, ao que tudo indica, o melhor recurso à sua disposição parece ser a memória da bonança econômica que marcou seus anos de governo. Essa contradição, entre os interesses pessoais de Lula e as necessidades institucionais de seu partido, aparece como o primeiro grande obstáculo a qualquer reforma de vulto no PT. A maneira como o ex-presidente tem, nos últimos anos, moldado o partido em torno de si, dá indicação bem clara de qual deverá ser o rumo adotado.
O ponto principal, entretanto, que deve impedir maiores mudanças no PT está relacionado com a própria maneira como suas lideranças costumam fazer política. Historicamente, os petistas têm se mostrado avessos à prática marxista da autocrítica: dificilmente mudam de rota, quase nunca admitem erros e, via de regra, atribuem seus fracassos a alguma conspiração reacionária e sórdida. Essa insistência, com o tempo, torna as eventuais mudanças cada vez mais desgastantes na política, pois essas evidenciariam os custos impostos ao povo pelo dogmatismo petista.
No mesmo sentido, assumir erros implicaria em dar razão àqueles que criticaram o PT no passado: não apenas pessoas, mas partidos inteiros que nasceram de dissidências petistas poderiam fazer uso eleitoral desse reconhecimento tardio de seus argumentos. Destaque nesse grupo a eterna presidenciável Marina Silva, e ficam claras as dimensões desse obstáculo à reforma petista.
Tradicionalmente, o PT cresceu afirmando seu ineditismo e exclusividade em relação à virtude na política. Tal discurso fez com que o partido queimasse todas as pontes pelas quais passou. Dessa forma, voltar às origens para fazer correções ou buscar novos aliados é hoje um caminho tão difícil, que certamente não será trilhado.

Convergência: alguém ainda se lembra?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/01/2017 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Terminado seu mandato como prefeito, Márcio Lacerda segue para um ano de descanso e articulações de bastidores, preparação para um 2018 que será intenso. Em entrevistas recentes, Lacerda fez um balanço de seus erros e acertos administrativos, traçando um quadro fiscal relativamente positivo. De forma incomum, fez também especulações sobre seu futuro político, chegando a se posicionar como pré-candidato ao governo mineiro, mas evitando ao máximo comentar as recorrentes especulações de imprensa paulista que o colocam em uma chapa presidencial liderada por Geraldo Alckmin. O futuro de Lacerda, assim, tem pouca semelhança com seu passado, especialmente com sua chegada ao poder.
Pouco conhecido na política, Lacerda se viu em 2008 como centro das atenções nacionais: seu nome representava a “convergência”, palavra que ecoou com estardalhaço e gerou esperanças. Em torno da plataforma de Lacerda, se alinhavam duas das principais lideranças políticas de Minas Gerais: o então governador Aécio Neves, do PSDB, e o petista Fernando Pimentel, que encerrava seu mandato como prefeito de Belo Horizonte. Tratava-se de dois nomes jovens em seus respectivos partidos, que prometiam a superação das rivalidades partidárias em favor dos bons projetos públicos. Lacerda, filiado ao PSB, encarnava então essa possibilidade de confluência entre os partidos que mais antagonizavam a política brasileira.
Pimentel e Aécio, lançando a proposta de convergência em 2008, deixavam claro que não miravam em projetos pessoais, mas sim em uma nova etapa para a política nacional. Nesse sentido, é difícil imaginar um cenário mais positivo: os dois partidos nacionais melhor dotados de quadros técnicos e densidade ideológica, somam esforços e deixam de lado alguns dogmas da política brasileira tradicional. É fato que Aécio pretendia ser presidente do Brasil, enquanto Pimentel almejava ao governo mineiro, porém nesse momento, a convergência fazia com que essas perspectivas parecerem meros detalhes técnicos, que seriam positivos para todos.
Nesse ano, assim, as urnas deram a vitória a Márcio Lacerda e uma chance à proposta de convergência política. A gestão que se seguiu foi tensa, com espaços bem delimitados para cada corrente política e nenhuma convergência administrativa digna de nota. No pleito seguinte, o PT municipal rompe com Lacerda e é derrotado por esse já no primeiro turno, enquanto em 2016 foi a vez dos tucanos desembarcarem da coalizão governista.
Quanto aos propositores da convergência, Aécio perdeu sua melhor chance de alcançar o Palácio do Planalto devido à derrota sofrida em Minas em 2014; deixou de convergir, afinal, com seu próprio eleitorado. Pimentel, vitorioso nas urnas, acumula uma incrível sucessão de pendências com a justiça, algo que ameaça seu futuro a ponto de o tornar um verdadeiro fantasma na política mineira. O tempo mostrou, afinal, que cada um seguiu seu caminho, e a celebrada convergência entrou para a história com todo jeito de ter sido só mais uma aliança de ocasião.

Marco Aurélio Mello: O outro vilão

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/12/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O embate entre Renan Calheiros e o STF pouco foi discutido em seus aspectos estratégicos; trazidos à luz, esses indicam um quadro mais complexo do que o que tem sido veiculado. Calheiros vinha tentando há tempos reagir às suspeitas que envolvem seu nome: declarou cruzadas contra os altos salários e um suposto abuso de poder de magistrados e promotores. Assim, buscava jogar o peso dos poderes Legislativo e Executivo contra as instituições encarregadas do cumprimento da lei. Renan se colocava como “mais uma vítima” para atrair o apoio de políticos de todos os matizes: propunha uma defesa coletiva dos políticos, que fatalmente amenizaria suas pendências pessoais com a justiça.
Os demais políticos, ressabiados porém interessados, observavam a queda de braço, que vinha sendo favorável ao Judiciário e ao Ministério Público. Até mesmo as manifestações do dia 4 de dezembro, que levaram multidões às ruas, tiveram em Renan Calheiros um de seus vilões favoritos, além de nítido apoio aos agentes da justiça.
Seguiu-se, entretanto, uma mudança surpreendente: o ministro do STF Marco Aurélio Mello, provavelmente inspirado pelo clamor popular, proferiu liminar afastando Calheiros da Presidência do Senado, em uma decisão tecnicamente contestável. Juridicamente, especula-se desde a imperícia até a precipitação de Marco Aurélio; já no campo político, a avaliação foi diferente: o discurso defensivo de Renan Calheiros, apoiado na ideia de abuso de poder do Judiciário, ganhou ares de consistência. Diante de todos, lá estava um ministro do STF agindo de maneira espalhafatosa e causando com isso enorme impacto político e midiático.
Esse cenário, inesperadamente favorável à argumentação de Renan Calheiros, foi aproveitado por todas as correntes políticas, que ajudaram de várias formas a sustentar o presidente do Senado em seu posto, descumprindo ordem do STF. Diante disso, os demais ministros do STF recuaram, deixando Renan no poder e negligenciando as consequências jurídicas de sua afronta à liminar. Recusaram, assim, uma árdua batalha entre os poderes da república, cuja motivação não era consenso e da qual dificilmente sairiam vencedores. Não por isso o dano à imagem do Judiciário, em todo o país, deixou de ser grave.
Sob o prisma da estratégia, Marco Aurélio deixou seus companheiros de corte sem alternativa fácil, ao mesmo tempo que desenhou para si um cenário do qual só poderia sair bem: caso o STF confirmasse o afastamento de Calheiros, o magistrado teria a paternidade política do evento; por outro lado, como de fato ocorreu, a derrubada da liminar deixou Marco Aurélio como o único a se erguer contra Renan. Nesse contexto, o senador comportou-se conforme o esperado, buscando sua salvação política a todo custo.
Perfeito do ponto de vista estratégico, Marco Aurélio só não levou em conta que o surgimento de escândalos políticos semanais, como tem ocorrido, consumiria rapidamente sua fama justiceira. Restaram o rancor de seus pares e uma mancha na respeitabilidade do Judiciário.