quarta-feira, 25 de junho de 2014

Um caminho sem volta para o pragmatismo

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 25/06/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 29/06/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Diário de Caratinga)

Ao longo da última década, a formação de alianças entre o PT e figuras icônicas como José Sarney, Paulo Maluf e Fernando Collor de Melo foi responsável pelo desencantamento de muitos simpatizantes desse partido em relação à política. Não só as manifestações de junho de 2013, como também o grande número de eleitores que pretende anular seus votos em outubro, são resultado da falta de esperança em relação a mudanças políticas de vulto. Entretanto, considerando o cenário de 2014, é possível que estejamos próximos de uma mudança nesse contexto de pragmatismo da política brasileira.
A forma fragmentada como se estrutura o sistema partidário brasileiro, assim como a divisão de poderes entre Legislativo e Executivo, obrigam todo presidente a criar grandes coalizões partidárias para governar. As maiorias parlamentares apenas são formadas a partir da junção de diversos partidos que, conscientes da vulnerabilidade do Executivo, negociam fidelidade à base governista. Isso explica as alianças pragmáticas celebradas pelo PT com figuras que foram combatidas pelo partido durante décadas: após a tentativa de se comprar o apoio de congressistas, no episódio do mensalão, a solução passou a ser a de cortejar todos que se encontravam dispostos a negociar a adesão à base governista.
Ocorre que, dada a forma polarizada como tem se organizado a política brasileira nos últimos anos, a tomada de posição por parte de lideranças políticas tem se tornado cada vez mais definitiva. Assim, como se promete difícil a campanha presidencial de 2014, é provável que os adversários nessa disputa se mantenham afastados após o pleito, principalmente os personagens de maior apelo junto ao público. O ex-presidente José Sarney, por exemplo, cuja desgastada imagem junto a Lula e Dilma deverá ser bastante explorada pelos tucanos, certamente passará à oposição caso o eleito seja Aécio Neves.
O importante a ser destacado é que muitos caminhos, antes utilizados livremente pelo pragmatismo político, podem estar sendo bloqueados pelo acirramento do cenário eleitoral; assim, o inimigo de hoje deverá ser, forçosamente, inimigo também amanhã. Logicamente, o PSDB sabe que, caso vitorioso, terá que buscar apoiadores para além de sua pequena coalizão nacional. Tendo esse horizonte em vista, 40,9% dos delegados da convenção nacional do próprio PMDB de Sarney, realizada recentemente, deixaram clara a disposição para aderir a um possível governo tucano em 2015.
Esse cenário não representa uma revolução na política brasileira, porém, é uma mudança: na medida que não foi planejada ou pretendida pelas forças políticas antagônicas, é possível que se limite a isolar políticos tradicionais que aderiram à causa petista, o que serviria para abreviar a carreira de alguns desses indivíduos. Porém, caso as urnas apontem um desejo de renovação intenso do eleitorado, é possível que o processo de formação de maiorias parlamentares sofra mudanças estruturais no Brasil, dando limites mais estreitos para a escolha de aliados.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Uma conta simples

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/06/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Pesquisas eleitorais sobre a disputa para a Presidência da República têm sido divulgadas com frequência quinzenal, colocando os nervos das equipes de campanha à flor da pele. Apesar da complexidade da elaboração desses levantamentos, seus resultados contém elementos que são quase constantes, o que torna possíveis algumas previsões.
Considerando a soma final dos votos, no cenário de polarização dos últimos pleitos, verifica-se percentuais mínimos de 30% para o candidato do PT e 40% para o candidato do PSDB. A julgar pelo quão invariáveis têm sido tais números, temos que esses não indicam a aprovação aos candidatos da vez, mas sim aos dois principais partidos do Brasil. É fato que o sistema partidário brasileiro é marcado por seu baixo conteúdo programático, porém a polarização que têm assumido PT e PSDB produz apelo à rivalidade entre esquerda e direita; essa sim, bastante viva na cultura política brasileira.
É importante destacar, como exemplo, que mesmo a insossa campanha do tucano Geraldo Alckmin em 2006 distanciou-se pouco do patamar mínimo da votação tradicional do PSDB: computou, ao final do segundo turno, 39,17% dos votos válidos, mesmo tendo como oponente um Lula catapultado pelos bons resultados da economia. No mesmo sentido, nas derrotas que o líder petista sofreu para Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998, ambas em primeiro turno, Lula sempre se manteve próximo à casa de 30% dos votos válidos. Agregando eleitores como torcidas de futebol rivais, PT e PSDB acabam por disputar, de fato entre si, a preferência de uma fração de apenas 30% do eleitorado; trata-se daqueles que não se orientam pela polarização entre os dois partidos.
Em 2014, um fator que poderia interferir nessa disputa seria a consolidação de uma terceira candidatura, porém, essa perspectiva ainda não dá sinais de viabilidade. É preciso destacar, também, a presença de um grande número de candidatos de partidos de menor expressão. De acordo com a última pesquisa divulgada, a soma dessas nove candidaturas alcançava o total de 9% de intenções de voto, sinal de que o eleitorado não-polarizado pode vir a dispersar sua preferência entre vários candidatos diferentes. Representantes de movimentos religiosos ou facções políticas extremas, tais candidatos buscam mesmo atrair votos para seus partidos, aumentado suas bancadas parlamentares. Entretanto, ao agregar contingentes de eleitores, esses candidatos à Presidência acabam por reduzir a margem de eleitores a ser disputada entre Aécio e Dilma, deixando-os mais próximos dos patamares mínimos de apoio da população a seus partidos.
Concentrar o esforço eleitoral sobre o público que tanto pode votar em Dilma quanto em Aécio deve ser uma opção capaz de gerar não apenas melhores resultados nas urnas, como também uma campanha mais propositiva. Em 2014, o candidato com maiores chances de sucesso deverá ser aquele que mais se empenhar no convencimento dos 30% não-dogmáticos do eleitorado, utilizando argumentos e deixando de atacar seu oponente.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Francisco e a política do Oriente Médio

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 10/06/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Em recente visita ao Oriente Médio, o Papa Francisco deu amostra de por que está atraindo atenções ao redor do mundo. Simples, carismático e dotado de um discurso afinado com os tempos modernos, o líder máximo da Igreja Católica reúne tais qualidades de maneira espontânea. Porém, na viagem em questão, o sumo pontífice proporcionou a todos uma valiosa lição política. Inicialmente, Francisco fez a primeira pausa de sua viagem na Jordânia. Como poucos estadistas, Francisco destacou a generosidade desse país, ao acolher ao longo de décadas várias levas de refugiados de países vizinhos. Destacando tal acolhida, o Papa trata não só dos conflitos que expulsaram tantos de seus lares, como também da carência de apoio mútuo da qual padece a espécie humana.
O mais importante, entretanto, foi dito ao se encontrar com as lideranças de Israel e da Autoridade Nacional Palestina. A Mahmud Abbas e a Shimon Peres, Francisco fez um simples convite: que fossem ao Vaticano para rezar juntos. O gesto singelo, quanto mais analisado, mais politicamente importante se torna. À primeira vista, uma autoridade do clero católico convidando um fiel muçulmano e outro judeu para orações significa uma mensagem de união pela fé, mesmo que os ritos de cada doutrina possam indicar grandes diferenças entre os três credos. Subjacente a essa ideia, entretanto, vem a mensagem principal: se a fé é igual, então todo conflito é apenas político, portanto, solúvel pelos homens. Sendo assim, não é a religião que nos separa, mas sim o desejo de dominação sobre territórios, seus habitantes e riquezas.
Por simples que pareça essa declaração, é preciso destacar que sua obviedade está cada vez menos evidente no mundo de hoje: rivalidades ditas religiosas são responsáveis por dezenas de focos de tensão espalhados pelo globo, alimentando guerras e causando mortes. Na verdade, o discurso religioso não passa de uma ferramenta de propaganda, empregada por grupos políticos opostos para arrebanhar mais seguidores.
A afirmação política de Francisco é tão importante, que pode ser expandida para outros campos, como o dos conflitos supostamente étnicos: até os dias de hoje, ainda é comum ver analistas políticos e autoridades se referindo às guerras civis africanas como “questões tribais”, e assim reafirmando a incapacidade de africanos de culturas distintas conviverem em uma mesma nação. Na verdade, é o oposto que ocorre, pois são exatamente os grupos políticos que usam a retórica da diferença étnica para obter apoio popular. Fosse real essa aversão entre etnias, qualquer conciliação seria impossível; porém, essas ocorrem com a frequência própria do jogo político.
Conflitos e soluções partem de ideias, assim como das opções que essas nos permitem perceber na realidade. Assumir que as pessoas podem se indispor, de forma profunda e definitiva, devido a fatores como a religião e a origem étnica, significa deixar que a guerra se imponha sobre o mundo apenas porque nos recusamos a refletir sobre conceitos tão simples.