terça-feira, 28 de abril de 2015

A Europa se apequena

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/04/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Notícias relacionadas à fuga de refugiados para a Europa têm marcado o noticiário internacional de maneira espantosa nos últimos meses: os resgatados contam-se aos milhares, enquanto desaparecidos e vítimas mortais se somam às centenas.  Apenas em 2014, cerca de 200 mil pessoas tentaram atravessar o mar Mediterrâneo em embarcações impróprias e superlotadas, em busca de uma vida de paz e estabilidade nas ex-potências coloniais europeias. Nesse contexto, mais de três mil pessoas perderam a vida, o que configura o mais recente drama humanitário mundial. 
A proximidade geográfica, assim como os antigos laços coloniais, faz da Itália o principal destino dos que fogem da Etiópia, Eritréia e principalmente da guerra civil na Líbia, que se estende desde 2011 sem o predomínio de qualquer facção no comando do país. Nos últimos meses, o avanço de grupos radicais associados ao Estado Islâmico nesse conflito adicionou um elemento de pânico ao drama vivido pelos civis da região.
Tendo em vista tal situação, a Itália lançou em 2013 a operação "Mare Nostrum", na qual se encarregava de buscas ativas e salvamentos de embarcações que apresentassem dificuldades, configurando uma iniciativa responsável pela preservação de dezenas de milhares de vidas.
A temática da segurança, entretanto, passou a superar recentemente as preocupações humanitárias, na medida que cresceram os temores de que elementos radicais político-religiosos se misturassem à onda de refugiados para conseguir entrada à Europa em grandes números. Em novembro de 2014, a iniciativa italiana, que havia sido inspirada também por súplicas diretas do Papa Francisco em favor dos refugiados, passa a dar lugar à operação conjunta europeia batizada "Triton", em homenagem à divindade marítima da mitologia grega.
O objetivo da ação militar é de defesa de fronteiras, valorizando a repressão de poucos sobre o salvamento de muitos. A pequena força naval destacada para tal tarefa, composta de embarcações portuguesas, finlandesas e holandesas, tem ordens para resgatar apenas mediante pedidos explícitos de socorro, e mesmo assim, dando preferência nessa tarefa às embarcações civis que estiverem mais próximas do local onde o resgate foi solicitado. Mais importante, ainda, é que a nova operação da União Europeia representa apenas um terço do orçamento da ação italiana que a precedeu, o que condiz com os tempos de crise econômica pelos quais passa boa parte da Europa.

De toda forma, em que pese a opção pela força em detrimento da fraternidade, é previsível que a ação europeia redunde em fracasso. Serve de exemplo o caso dos EUA, historicamente incapazes de conter o fluxo de imigrantes ilegais mexicanos para seu território. Mediante tal perspectiva de sofrimento humano, é urgente que as lideranças europeias aceitem uma das mais concretas verdades do mundo globalizado: crises políticas não mais se resolvem regionalmente, a partir de ações locais, mas apenas em âmbito global, tão amplo quanto as origens dos problemas do mundo atual.

terça-feira, 21 de abril de 2015

PSDB: Tão forte e tão fraco

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 19/04/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)


A recente onda de antipatia popular contra o governo de Dilma Rousseff, aguda a ponto de levar a maioria da população a apoiar pedidos de impeachment, já se constitui como o maior acontecimento político de 2015. No mesmo sentido, apenas agora o PT enfrenta uma oposição efetiva no Congresso, capaz de obriga-lo a rever seus rumos e estratégias. O curioso da situação legislativa é que essa mudança se deve, de fato, aos aliados do Governo Federal, e não a seus opositores históricos do PSDB. Esse partido, por seu desempenho como antagonista, merece análise destacada.

Quando surgiram as primeiras ondas de insatisfação contra Dilma, semanas após o pleito de outubro, a reação das lideranças petistas foi acusar o PSDB de buscar um “terceiro turno” eleitoral. Esse discurso arrastou-se até meados de março, quando os massivos protestos antigoverno mostraram que o movimento não tinha caráter partidário. Até então, os articuladores petistas se deixaram enganar pela ilusão de poder dos tucanos: a cada quatro anos, nas disputas nacionais, o partido se mostra adversário difícil de ser batido pelo PT, levando sempre as eleições ao segundo turno.

Diferente do que parece, esse desempenho não deriva da força institucional do PSDB, mas sim do caráter plebiscitário das eleições presidenciais: o desprezo popular pelo Legislativo faz com que o foco do povo na política se resuma à escolha entre duas personagens antagonistas. Por isso, não gostar de um candidato implica em apoiar o outro, como forma de derrotar o desafeto. Dessa maneira, o PSDB acumula votos, mas não apoio efetivo da população, já que polariza momentaneamente a insatisfação com os governos do PT.

O resultado desse descompasso é que, nos intervalos entre eleições, os tucanos voltam a contar apenas com a força que deriva do real apoio que têm da sociedade: limitam-se à atuação de lideranças isoladas, que apesar de obter certa visibilidade, não constituem uma força parlamentar de destaque.

Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em valioso momento de autocrítica, declarou que o PSDB precisa se abrir à sociedade. Como instituição pouco aberta, o PSDB costuma ter seus trâmites internos cercados de mistério, o que acaba por camuflar a existência de dissensões internas ao partido. Uma dessas, por exemplo, tem antagonizado uma nova geração de lideranças a nomes mais antigos, e ficou nítida na composição das alianças para a campanha de 2014: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aliou-se formalmente ao PSB de Marina Silva, dando espaço a uma concorrente direta do candidato de seu próprio partido, Aécio Neves. Esse, por sua vez, mesmo representando a nova geração dos tucanos, apenas obteve a indicação do partido ao se aliar à ala veterana, encabeçada por FHC.

Cisões desse tipo têm consequências eleitorais indiscutíveis, pois bloqueiam qualquer movimento de reforma da estrutura partidária, o que deixa o partido à mercê do desempenho isolado de lideranças avulsas e de conjunturas eleitorais de momento.

domingo, 12 de abril de 2015

Ao estilo Clinton: a arte de sair de crises

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/04/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Com a aproximação das eleições presidenciais nos Estados Unidos, a serem realizadas em 2016, começam as especulações sobre os pré-candidatos dos dois maiores partidos desse país. Nesse sentido, a revista Time, semanário de maior prestígio nos EUA, elaborou um curioso perfil de Hillary Clinton, esposa de ex-presidente e uma das principais postulantes do Partido Democrata, atualmente no poder. As semelhanças com o panorama do Brasil são surpreendentes.
Analisando a trajetória de Bill Clinton, presidente entre 1993 e 2001, assim como de sua esposa e senadora Hillary, a Time identificou uma tendência aparentemente contraditória: quando confrontados com escândalos, denúncias e outros fatores que normalmente causariam desgaste a qualquer outro político, o casal Clinton surpreendentemente acaba ganhando popularidade, e saindo da crise mais forte do que quando entrou. Os analistas da revista pouco entendem sobre esse processo, mas arriscam dizer que o segredo do casal é apontar sempre para o futuro, confrontando as críticas ao passado com comentários sobre perspectivas positivas, contribuindo para construir esperança em um ambiente marcado pela desconfiança. A fórmula, simples e intuitiva, funcionou nas diversas ocasiões nas quais o marido Bill se viu pressionado: desde o escândalo imobiliário de Whitewater, durante a campanha eleitoral de 1992, até a denúncia de assédio sexual a uma estagiária, que levou a um processo de impeachment em 1999. Hoje, se especula se Hillary conseguirá superar as acusações de ter usado seu e-mail pessoal em questões de interesse estratégico do país, quando exerceu cargo de secretária de Estado entre 2009 e 2013.
O que surpreende aos norte-americanos é bastante comum aos brasileiros: enquanto ocupava a Presidência, Lula usou dessa mesma técnica em várias ocasiões, com igual sucesso. Passou incólume pela crise do mensalão, pelo episódio dos “aloprados” que forjavam dossiês contra adversários do PT, além de outras situações que repercutiram mais entre o público antipetista do que junto à opinião pública brasileira em geral. Para tirar o foco de tais escândalos, Lula mencionava repetidamente os bons resultados de sua administração; sob a lógica do casal Clinton, o presidente brasileiro estava apenas buscando construir esperança no eleitorado, levando-o a pensar que o futuro pode, e deve, repercutir os sucessos do presente.

Essa interessante perspectiva, entretanto, se esvaneceu do horizonte político do PT em âmbito federal, estando fora do cardápio de opções à disposição da presidente Dilma Rousseff. Não se trata apenas de uma questão de carisma pessoal, qualidade que faz falta em Dilma e que tanto Bill Clinton quanto Lula têm de sobra, mas sim do cenário socioeconômico sobre o qual a atual presidente deveria projetar a esperança do público. Com a crise econômica começando a gerar as primeiras ondas de demissões e inflação, o futuro passou a ser terreno infértil para a semeadura política de Dilma; seu desgaste pessoal veio para ficar.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Lacerda: Muito além de 2016

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 02/04/2015 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e da edição 05/04/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A despeito do que manda a ansiedade típica do mundo político, o desenho de qualquer previsão para as eleições municipais de 2016 seria ainda muito prematuro. Após a derrota do PSDB em Minas, no ano passado, é fato que as disputas locais representam uma crucial chance de recuperação para o partido, com vistas a 2018. Porém, a consideração do que está em jogo não contribui em nada para que se preveja com maior precisão os acontecimentos futuros. Em Belo Horizonte, palco importante mas não decisivo da política mineira, são vários os postulantes de cada partido ao comando da capital mineira: PT e PSDB, por exemplo, têm cada um vários pré-candidatos, que não desmentem junto à imprensa os boatos que indicam o desejo de concorrer à prefeitura da capital.
Em meio a esse ambiente, chama a atenção a atuação política do atual prefeito, Márcio Lacerda.  Além de ter convocado recentemente uma reunião de seu partido, o PSB, Lacerda também promoveu encontro com vereadores da bancada evangélica, para tratar da polêmica sobre o corte dos subsídios municipais a eventos religiosos. Ambos acontecimentos marcam uma mudança significativa na postura do prefeito nos primeiros meses de 2015: tradicionalmente, Lacerda não apenas mantém distância dos eventos partidários, como também pouco se envolve no relacionamento com o Legislativo; agia assim mesmo quando era urgente uma boa relação com a Câmara dos Vereadores para a manutenção de seus planos prioritários de governo. Nunca antes o prefeito necessitou tão pouco se envolver pessoalmente com as articulações políticas do dia a dia, porém é exatamente a partir final de seu segundo mandato que Márcio Lacerda se torna mais político do que nunca.
Há quem diga que o atual prefeito da capital quer comandar seu processo sucessório, a ocorrer no próximo ano. A questão maior, entretanto, trata das motivações por detrás do cálculo político de Márcio Lacerda: por que, para alguém que rejeitou apelos para se candidatar ao comando do estado em 2014, eleger o sucessor na PBH passou a ser tão importante? O legado administrativo do prefeito é indiscutível e definitivo. Seria contraditório supor que Lacerda se envolveria tanto com a política apenas para preservar as conquistas de sua gestão, já que mesmo quando estava em jogo a realização de tais obras, seu envolvimento com os políticos era mínimo.

A hipótese mais provável, contrariando o que ficou evidente em 2014, é que Márcio Lacerda tem vivo interesse em prosseguir com uma carreira na política eleitoral. A eleição de um sucessor aliado em 2016 seria, assim, uma estratégia de continuidade da atual administração, mantendo vivo o nome de Lacerda junto à população. Devidamente cacifado, Márcio Lacerda poderia se tornar uma referência natural na disputa de 2018 pelo Palácio da Liberdade. Confirmando-se esse cenário, podemos esperar que o atual prefeito desempenhe cada vez mais o papel de protagonista no cenário político mineiro dos próximos anos, agora livre das amarras que o tolheram em 2014.