sábado, 22 de dezembro de 2012

Ano-chave para o PT

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 28/12/2012 do Correio de Uberlândia - Uberlândia, Minas Gerais -, na edição de 26/12/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 22/12/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais - e na edição de 05/01/2013 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)
A crônica política nacional tem abordado, de forma parcial e fracionada, os grandes acontecimentos de 2012 que exerceram influência profunda sobre o Partido dos Trabalhadores, agremiação que completa, dentro de poucos dias, uma década no comando geral da nação. É preciso, assim, traçar um quadro global, como forma de se prever os obstáculos que tal partido terá pela frente em 2013.
As eleições municipais, grande aposta petista de 2012, trouxeram resultados decepcionantes nas maiores cidades, sobretudo nas capitais. São Paulo, cavalo-de-batalha pessoal do ex-presidente Lula, só foi conquistada mediante a formação de uma coligação emergencial, que dividiu muito o poder e ressuscitou os combalidos Paulo Maluf e Marta Suplicy. Uma vitória bastante relativa, pois cria um governo repleto de flancos expostos para os adversários.
O mais duro golpe, entretanto, vem da condenação dos principais réus do processo do mensalão, membros históricos do PT e figuras de maior destaque do primeiro mandato de Lula. Sendo agora impossível relegar o caso ao campo da fantasia oposicionista, o PT se encontra diante do dilema de encarar o problema de frente, refundando-se em lideranças e métodos, ou passar a viver sob o estigma de que é mesmo igual a outro partido qualquer. Considerando o sempre alardeado ineditismo petista em comparação às demais agremiações políticas, essa perspectiva equivale ao atestado de óbito de uma das mais significativas bandeiras do PT.
Também alguns fantasmas pessoais do ex-presidente Lula têm marcado presença neste final de ano, ameaçando afetar o PT como um todo. As novas denúncias de Marcos Valério e a rede de corrupção gerenciada pela Chefe de Gabinete da Presidência atingiram Lula em cheio, algo que se percebe por seu incomum silêncio. Partido nascido de amplas bases populares, o PT deve agora refletir se conclui de vez sua metamorfose para a categoria de agremiação "com dono", como foi o PDT de Leonel Brizola. Permitir que todo o partido compartilhe a sorte incerta de seu mais ilustre membro vai levar, certamente, o PT para um 2013 marcado por fortes emoções e, sobretudo, de parcas chances de sucesso.
Por fim, merecem destaque os índices de popularidade obtidos recentemente pela presidente Dilma Rousseff, recordes absolutos nas últimas décadas. A mensagem popular é clara, no sentido de que a população é mesmo fiel ao desempenho do governo, e não necessariamente ao carisma pessoal do mandatário. Tímida diante das massas, Dilma tem mostrado resultados que a colocam como excelente opção político-eleitoral para o Partido dos Trabalhadores, além de contribuir com a consolidação institucional do partido, pela renovação de suas lideranças. Apesar de muitos falarem já abertamente sobre o surgimento de um “novo PT”, a postura das principais lideranças não tem apontado nesse sentido.
O futuro do PT é, assim, em larga medida, uma questão das escolhas que serão feitas no corrente fim de ano. Longe do fim do mundo, a catástrofe petista se desenha mais como uma perspectiva de caudilhismo sindical, cada vez mais auto-referenciado e estéril.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Campanhas Complementares

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/12/2012 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais - e na edição de 11/12/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

      As recentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, virtualmente lançando a candidatura de Aécio Neves à Presidência da República, e dando início à disputa pelo Planalto com dois anos de antecedência, diminuem algumas das incógnitas a respeito do pleito geral de 2014. Dilma Rousseff deve buscar a reeleição sem contar com o apoio efetivo do ex-presidente Lula: longe do controle da máquina estatal e da intensa cobertura da mídia, é fato que Lula perdeu muito do poder que foi de grande valia para Dilma em 2010. No mesmo sentido, é bem provável que surjam ainda novos personagens de destaque nesse enredo, como o governador pernambucano Eduardo Campos e a ex-senadora Marina Silva. De toda forma, ainda são muitas as variáveis em aberto para que se possa fazer previsões seguras.
Algumas certezas, entretanto, podem ser detectadas em meio a um contexto tão incerto. O PSDB, através de seu novo presidenciável, deve tentar um esforço concentrado no sentido de tornar o senador Aécio Neves conhecido nacionalmente; tal movimento já foi colocado em prática no pleito de 2012, quando a presença do tucano mineiro se multiplicou pelos palanques de grandes cidades de todo o Brasil.
O raciocínio estratégico que faz sentido na escala nacional, pois busca apresentar o futuro candidato ao eleitorado brasileiro, deverá ter reflexos significativos em Minas Gerais. Partindo do pressuposto de que já é bem conhecido e avaliado em seu estado natal, Aécio deve investir pouco em sua campanha por aqui. Dessa forma, a campanha para escolha do próximo governador mineiro pouco contará com a presença de Aécio e, muito provavelmente, deverá mesmo ser estruturada como movimento de apoio ao pleito presidencial tucano.
Inverte-se, assim, a dinâmica que obteve grande sucesso em 2010, quando o estreante Antônio Anastásia foi francamente beneficiado pela associação feita entre sua imagem e a popularidade de Aécio Neves no estado. Para 2014, o candidato a governador do campo governista é quem deverá percorrer toda Minas Gerais, levando consigo não só sua própria campanha, mas também a do presidenciável tucano. Dessa forma, o nome a ser apoiado pelo PSDB mineiro na disputa pelo Palácio da Liberdade deve ser, já de antemão, popular e articulado, além de fiel e dedicado o suficiente para garantir a vitória do candidato tucano no segundo maior colégio eleitoral do país.
Uma vez que já começam a surgir as primeiras especulações em torno de nomes de possíveis candidatos, é bom lembrar que há condicionantes estratégicos que devem falar mais alto em 2014: o candidato indicado pelo governo à sucessão de Antônio Anastásia deve ser, necessariamente, o maior cabo eleitoral de Minas, e não alguém que necessite de apoio para se eleger. Qualquer postulante que não apresente esse perfil pode considerar suas chances de indicação em 2014 bastante remotas. Isso, claro, se partimos do pressuposto de que o PSDB deseja mesmo manter o poder em Minas, ao mesmo tempo que tenta retomar o Governo Federal.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O outono do patriarca

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/10/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)
 
     Pesquisas de opinião de diversas fontes indicam que Hugo Chávez, no poder na Venezuela desde 1999, se aproxima de sua quarta eleição presidencial com a expectativa de conhecer uma inédita derrota nas urnas. Ícone da onda de populismo que tomou a América Hispânica durante a última década, Chávez foi apoio decisivo para a implantação de regimes semelhantes ao venezuelano na Bolívia, Equador, Paraguai e Nicarágua, além de ter oferecido assistência crucial à sempre combalida economia cubana. Sem dúvida, um ator político que alterou profundamente o cenário ao seu redor.
     Como político populista clássico, Chávez construiu sua carreira em torno do culto à própria personalidade, criando na população uma relação pessoal e de dependência para com seu líder, dotado de qualidades sobre-humanas. Nesse sentido até mesmo os restos mortais de Simon Bolívar foram exumados por Chávez, em uma tentativa de associar sua imagem à do herói nacional. Trata-se do fenômeno descrito como “dominação carismática” pelo sociólogo alemão Max Weber: ao mesmo tempo que produz altos níveis de fidelidade popular, tal tipo de poder é pessoal e intransferível, precisamente por se basear nos sentimentos que o povo devota a seu governante. 
     Entretanto, a grave doença diagnosticada em Hugo Chávez em 2011 funcionou como duro golpe sobre as bases “carismáticas” de seu poder. Subitamente, o presidente passou a ser visto como um ser humano comum, passível dos mesmos riscos e limitações; muito diferente do perfil digno de super-herói, divulgado por uma mídia controlada pelo governo.
     A campanha presidencial na Venezuela tem sido um lembrete ao eleitor das limitações do “mito carismático” de Hugo Chávez: é incessante o ritmo de viagens do jovem Henrique Capriles, líder nas últimas pesquisas de preferência popular, o que mostra seu vigor físico e estabelece clara contraposição em relação ao atual presidente. Não é à toa que grupos partidários de Chávez têm tentado, de várias formas, restringir a mobilidade de seu oponente pelo país.
     Para além do destino pessoal de Hugo Chávez, é importante pensar o futuro das estruturas políticas, sociais e estatais implantadas por esse, e que agora devem passar por reformas – dissociando-as do assistencialismo populista – sem afetar os benefícios concedidos à população carente.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O fim do “Dilmasia”

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/10/2012 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 03/10/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)
 
             As eleições municipais se aproximam em Minas Gerais, e com essas, a formação do cenário no qual acontecerá a disputa presidencial de 2014. A princípio, essa deve ser a primeira ocasião na qual não estarão presentes personagens de destaque do período de redemocratização brasileira, o que configura uma interessante renovação na política nacional.
O sucesso do Senador Aécio Neves, principal postulante à Presidência da República no campo da oposição, depende de uma sólida base de apoio em seu estado de origem, até mesmo para vencer a resistência das lideranças paulistas que tradicionalmente dominam seu partido, o PSDB. O futuro de Aécio está associado diretamente aos resultados que surgirão das urnas nos 853 municípios mineiros. Mais do que eleger apoiadores, entretanto, será preciso conquistar aliados, fiéis o suficiente para romper com a “dupla fidelidade” criada em 2010, que levou muitos prefeitos mineiros a apoiar a chapa informal “Dilmasia”: um tucano no Palácio da Liberdade, e uma petista no Planalto. O conflito evitado em 2010 deverá ocorrer obrigatoriamente em 2014, e a lealdade dos prefeitos mineiros será peça fundamental em qualquer estratégia eleitoral.
Considerando esse cenário geral, pode-se perceber que os objetivos tucanos apresentam boas chances de se concretizarem: na maioria das grandes cidades mineiras, candidatos que compõem sua base estadual de apoio aparecem como favoritos para a vitória, com destaque para a capital, onde o PT se retirou por completo da administração municipal, após praticamente duas décadas, como resultado das turbulentas articulações pré-eleitorais. Também deve ser notada a liderança do PSDB nas vizinhas Betim e Contagem, cidades metropolitanas com grande eleitorado operário e tradicionais administrações petistas, que caminham para ter prefeitos tucanos durante a campanha presidencial de 2014.
A base de apoio do PSDB mineiro também promete avanços significativos nas cidades de Governador Valadares, Montes Claros, Teófilo Otoni e Varginha, grandes colégios eleitorais que se encontram sob o comando de prefeitos de oposição. O grande contraponto a essa perda de espaço do PT parece vir de duas das maiores cidades mineiras, Uberlândia e Juiz de Fora: em ambas campanhas locais, a participação ativa do Senador Aécio Neves e do governador Antônio Anastasia não têm tido efeito para reverter o prognóstico negativo que se coloca diante dos candidatos tucanos, falando mais alto o desejo do eleitorado de experimentar o chamado “modo petista de governar”.
A riqueza da política mineira não permite que se trace previsões confiáveis tendo por base apenas os maiores colégios eleitorais do estado; cada uma das 853 cidades de Minas é um universo político por si só, com suas próprias dinâmicas e rivalidades locais. Porém, é inegável o esforço do PSDB mineiro em conquistar mais espaço junto às administrações municipais do que em qualquer passado recente. Os últimos resultados das pesquisas eleitorais mostra que a o projeto do partido para 2014 é uma empreitada que deve ser levada a sério, tanto por aliados quanto por adversários.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Desafio pop das FARC

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/09/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

     As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), grupo armado que sustenta uma guerra civil pelo controle desse país desde 1964, surpreenderam o mundo com seu mais recente comunicado. O conteúdo em si já seria interessante, a retomada das negociações com o governo colombiano, porém a forma do comunicado foi o que chamou mais a atenção: um videoclipe de rap, no qual um casal de guerrilheiros declara em rimas as novas posições do movimento. Após a fase de associação ao tráfico de drogas e a utilização de seqüestros para obtenção de fundos, a empreitada das FARC pelo universo pop guarda algum significado especial?
     Surgidas durante a Guerra Fria, as FARC contaram durante décadas com a comodidade de um ambiente político dicotômico: recebiam recursos e apoio político por exclusão, simplesmente por representarem uma oposição socialista ao governo da Colômbia. A década de 1990 trouxe fim à oposição entre capitalismo e socialismo, deixando a extrema esquerda órfã do patrocínio político e financeiro do bloco soviético. A utilização de práticas criminosas, como seqüestros e tráfico de drogas, pode ter sido eficaz na arrecadação de fundos, mas representou um golpe mortal para a popularidade das FARC. O mundo que surgiu nas duas últimas décadas é extremamente complexo: a formação da identidade da população, essencial para que qualquer movimento tenha seguidores, hoje depende de inúmeros fatores, e não mais da simples simpatia aos ideais da esquerda ou da direita.
     Quando apresenta sua mensagem através de um clipe de rap, as FARC buscam seguidores entre os adeptos da cultura pop: ser socialista não mais basta, é preciso um elemento a mais para gerar afinidade e identificação com a população. Assim, percebe-se que a motivação das FARC para negociar com o governo da Colômbia não tem origem apenas em suas recentes derrotas militares, mas principalmente na dificuldade que um movimento com suas características encontra hoje para conquistar adeptos e, assim, manter sua viabilidade política.
     As mudanças recentes do mundo, que redefiniram a forma como o homem enxerga a si mesmo, tornaram muito mais complexo o ambiente político mundial. Calcadas na antiga utopia esquerdista revolucionária, as FARC têm mesmo que dançar conforme a música atual para vencer o desafio da sobrevivência.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Muito além do “Veta, Dilma!”

por Paulo Diniz
(publicado nas edições de 05/09/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

          A Presidente Dilma Rousseff foi surpreendida, recentemente, ao saber que seu governo havia chegado a um acordo com o Congresso a respeito da redação final do novo Código Florestal. Atônita, Dilma trocou bilhetes durante um evento com suas ministras do Meio Ambiente e das Relações Institucionais, buscando mais informações e, logo após, discursou desautorizando toda e qualquer decisão tomada em seu nome. Prosaico, esse episódio representa o resultado do movimento “Veta, Dilma!”, que mobilizou a sociedade civil brasileira nos meses de abril e maio para levar a Presidente a se opor ao texto do Código Florestal já aprovado pelo Congresso.
Hoje, os poderes Executivo e Legislativo continuam a medir forças em torno do polêmico assunto da preservação ambiental, que voltou a despertar pouca atenção na sociedade desde que retornou para o campo dos deputados e senadores. Na verdade, essa indiferença não é geral: os grupos interessados na aprovação de uma legislação ambiental mais permissiva se movimentam intensamente para influenciar os debates no Congresso, fazendo valer na prática o conceito de “democracia representativa” que temos institucionalizado no Brasil. A grande parte da população não se envolve mais, contente apenas por ter forçado a chefe máxima do Executivo a dizer um sonoro “não” à lei aprovada pelos parlamentares e devolvendo a esses mesmos, logo em seguida, a responsabilidade de rediscutir a questão.
A preferência do brasileiro pelo Poder Executivo é histórica e fartamente estudada pelos sociólogos e cientistas políticos nacionais. Porém, a perpetuação desse padrão de comportamento tem gerado distorções graves na democracia brasileira, sobretudo na forma como essa capta e reproduz os interesses populares; essa função não cabe, primordialmente, ao Presidente da República, mas sim a de colocar em prática – de forma eficiente – as decisões tomadas pela coletividade, através dos legisladores que a representam.
Apesar de louvável, por ter rompido a inércia popular, o movimento “Veta, Dilma!” partiu dessa lógica equivocada, que sobrevaloriza o Poder Executivo. Assim, levou a sociedade a participar da discussão tarde demais e, mesmo assim, foi voltado apenas para a negação de uma proposta já elaborada anteriormente; ao invés de construir opções de ação, programou-se apenas para as destruir.
Mirando o Legislativo, e mais do que isso, concentrando suas atenções sobre o seleto grupo de parlamentares responsável pela condução dos trabalhos, a mobilização popular teria contribuído para produzir uma proposta melhor, além de injetar um novo ânimo sobre os debates do Congresso Nacional. Dessa forma, não teríamos hoje a triste surpresa de ver o futuro ambiental brasileiro ser discutido através de bilhetinhos trocados em segredo.
É sempre bom lembrar que os direitos políticos são construídos com a prática constante, cujo lugar privilegiado é o Poder Legislativo. Um futuro mais promissor pode começar em outubro próximo, a depender das escolhas dos eleitores para as Câmaras Municipais e, principalmente, da forma como iremos nos relacionar com nossos representantes durante os próximos quatro anos.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Legalismo aparente

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/08/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O noticiário internacional do mês de agosto proporcionou valiosa lição de política internacional. O refúgio do jornalista Julian Assange, criador do site Wikileaks, na embaixada do Equador em Londres atraiu os olhos do mundo. Porém, o destaque maior veio da ameaça do governo britânico de invadir tal embaixada para prender Assange, se assim achasse necessário. Toda a intensa reação internacional, evocando tratados que protegem a inviolabilidade das representações diplomáticas, foi friamente respondida pelos britânicos com a afirmação de que há uma lei de seu país que permite tal tipo de ação.
Propositalmente ou não, o argumento dos britânicos resume uma lição fundamental das Relações Internacionais: o interesse político de cada país é a principal força do sistema internacional, ditando a conveniência de se obedecer aos acordos firmados entre as nações. Três séculos e meio de estudos no campo da Ciência Política dão lastro a essa visão.
O Direito Internacional, disciplina repleta de belos princípios, carece de um organismo dotado de força, que possa colocar em prática suas decisões. Diferente do ambiente interno de cada país, marcado por um governo que impõe o cumprimento das leis através da força policial, todo ordenamento de caráter jurídico internacional depende da vontade política das partes envolvidas, para que tenha efetividade. Assim, o resultado final não deriva de uma hipotética força própria da lei, mas sim da combinação de variáveis táticas e estratégicas que, analisada pelos governos envolvidos, compõe a conjuntura internacional do momento.
O Direito Internacional fornece baliza importantíssima no cenário político mundial: em relação a suas disposições, pode-se perceber o interesse geral dos países em cumprir, ou não, com a palavra formalmente empenhada. Porém, acreditar que seus princípios e produtos têm força própria, capaz de tolher os Estados na busca de seus interesses, significa abdicar da visão e análise políticas, cruciais para a sobrevivência em um ambiente internacional hostil. Ao longo da história, a sobrevalorização daquilo que é formalizado no papel tem sido a base de um autismo político arriscado, responsável pela crença, por exemplo, de que compromissos legais seriam suficientes para conter a Alemanha nazista na Europa da década de 1930.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Para quem torcer nas eleições norte-americanas?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/08/2012 do jornal Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Há um dito popular que afirma que o cargo de Presidente dos Estados Unidos concentra tanto poder, que na escolha de seu ocupante deveriam votar cidadãos de todo o mundo. Apesar do poderio norte-americano estar  em  franca redução ao longo dos últimos anos, não há como negar que os EUA ainda mantém o posto de nação mais influente do planeta.
A política externa brasileira tem reservado lugar de destaque às relações com os norte-americanos desde que o Império chegou ao fim. Principalmente no que tange ao comércio, tudo o que se refere aos EUA tem grande influência no Brasil. Uma vez que não podemos, como brasileiros, votar nas eleições presidenciais americanas de novembro, para qual dos atuais candidatos devemos direcionar nossa torcida?
A resposta de tal questão está relacionada com a forte tradição bipartidária vigente nos EUA: a oposição entre os partidos Democrata e Republicano é marcada pelas diferenças entre seus programas e estilos de administração. Desde a gestão da economia – mais intervencionista em governos Democratas – até a política externa – mais favorável às ações militares em administrações Republicanas – as diferenças entre os dois principais partidos norte-americanos são nítidas.
Seguindo a tradição de seu partido, o democrata Barack Obama deve muito de seu sucesso eleitoral ao pacote de medidas anti-crise que apresentou na campanha de 2008, e que vem conseguindo executar com resultados favoráveis. Para  o Brasil, apesar da clara redução no fluxo de comércio com os EUA devido à crise, o governo Obama tem sido bastante positivo.
O típico protecionismo comercial norte-americano foi reduzido em vários pontos importantes, com destaque para um dos produtos brasileiros que há mais tempo vinha sendo impedido de competir no mercado dos EUA, o suco de laranja. É simbólica de tal aproximação a flexibilização dos critérios de emissão de vistos para a entrada de brasileiros nos Estados Unidos. A abertura de consulados norte-americanos em Belo Horizonte e Porto Alegre, e mesmo a carismática visita de Obama em 2011 demonstram que, além da mudança no comércio, existe nos EUA um desejo de valorização das relações com o Brasil que não tem paralelo nas últimas décadas. Pensando como brasileiros, assim, devemos definitivamente torcer por uma vitória de Barack Obama.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Eleições em BH: O poder do "aqui e agora"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 23/08/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
 
           Discretos, objetivos e, de forma alguma, carismáticos: os candidatos que polarizam a disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte têm bastante em comum. Diferente do embate de 2008, quando estilos pessoais radicalmente opostos se confrontaram, na atual eleição a sobriedade impera. Uma vez que Márcio Lacerda e Patrus Ananias são ambos desprovidos do dom de “incendiar as massas” de eleitores quando estão no palanque, o que cada um deles conseguir agregar à sua imagem fará toda a diferença nas urnas.
O principal trunfo da campanha de Patrus está estampado em todo o material de propaganda petista: o apoio da Presidente Dilma Rousseff e, principalmente, do ex-presidente Lula. São apoios de peso, voltados principalmente para potencializar o maior capital político de Patrus Ananias diante do eleitorado belo-horizontino: sua gestão frente à Prefeitura no início da década de 1990. Nesse sentido, a vantagem do petista sobre Márcio Lacerda é enorme, pois o principal aliado do atual prefeito, o Senador Aécio Neves, pouco tem se envolvido na disputa pelo comando da Capital mineira. Também no campo de Lacerda, o Governador Antônio Anastásia pouco fez além de bebericar um ou dois cafezinhos na Praça Sete, na companhia de seu candidato preferido.
           O eleitor belo-horizontino, entretanto, parece indiferente a tal jogo de forças: em sucessivas pesquisas eleitorais, tem demonstrado apoio significativo a Márcio Lacerda. Uma explicação bastante sensata parece vir do poder que o eleitor atribui ao “aqui e agora”, ou seja, aquilo que se pode ver, sentir e experimentar imediatamente. A grande quantidade de obras realizadas em Belo Horizonte hoje oferece ao cidadão uma imagem muito nítida como poderá vir a ser um segundo mandato de Márcio Lacerda; uma visão naturalmente associada às idéias de progresso e dinamismo.
          A administração de Patrus Ananias à frente da Prefeitura de Belo Horizonte representa, para a maioria das pessoas, um conceito distante da realidade atual: uma inovação como o Orçamento Participativo, por exemplo, só é valorizada por quem vivenciou sua construção de perto. Querer que, para o eleitor, o passado seja mais empolgante que o futuro é, sem dúvida, um exercício de auto-ilusão. No mesmo sentido atuam os apoios de Dilma e Lula, notórios por negarem durante uma década a realização do maior sonho do belo-horizontino, a ampliação do metrô; pior, a dupla de presidentes petistas privilegiou, nesse período, o financiamento de obras semelhantes em várias outras cidades brasileiras, e até na Venezuela.
   
         É bom lembrar que as eleições municipais têm um caráter marcadamente gerencial, sendo relativo o valor de trunfos políticos, históricos e simbólicos. Vivendo o dia-a-dia da cidade, o eleitor belo-horizontino parece basear suas expectativas nos problemas concretos que enfrenta, construindo sua opinião com muito pragmatismo. Em suma, trata-se de um jogo no qual os “coringas” políticos têm poder limitado, sobretudo se confrontados com tratores e rolos-compressores.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O Brasil como ator mundial

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/08/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)


O governo do Haiti solicitou, e foi atendido em julho, assistência formal do Brasil para reconstruir suas forças armadas. Um pacote de medidas de apoio está sendo negociado, a partir da condição brasileira de que os novos militares deverão ser estritamente profissionais, desligados do turbulento cenário político haitiano, e que possam assumir as tarefas hoje desempenhadas pelos soldados da ONU presentes no país.
Comandante da missão das Nações Unidas por ter contribuído com o maior contingente militar, o Brasil não recebeu o pedido haitiano por acaso. Quando a política externa brasileira passou a buscar horizontes mais amplos, sobretudo na década de 2000, não só começaram a surgir compromissos de tipos distintos, como também novas oportunidades políticas e comerciais. Interessante destacar a maturidade da sociedade brasileira para aceitar tal cenário, principalmente em comparação com o ano de 1999, quando houve repúdio generalizado ao envio de um grande contingente brasileiro para a pacificação do Timor Leste.
Faz parte também da nova postura brasileira no mundo o plano de recuperação da indústria bélica nacional, uma série de medidas de incentivo lançada em setembro de 2011 pelo Governo Federal. Grande exportadora nas décadas de 1970 e 1980, a indústria de armamentos brasileira chegou a figurar entre as dez maiores do mundo, abastecendo conflitos como a Guerra Civil de Angola e a Guerra Irã-Iraque. Recuperar o poderio militar brasileiro significa, assim, voltar ao centro do debate sobre a responsabilidade da indústria armamentista na construção da miséria humana.
Não há dúvida quanto ao valor humanitário do trabalho que as tropas brasileiras cumprem no Haiti, principalmente após o terremoto de 2010, quando dobramos o número de soldados para auxiliar as vítimas da tragédia. Também não se pode questionar os ganhos políticos, pois o Brasil é cada vez mais visto como referência por muitos países. Porém, é preciso que a sociedade brasileira participe do debate acerca dos efeitos colaterais dessa nova forma de se posicionar diante do mundo, pois corremos o risco de trocar os valores pacifistas, tão caros a nosso povo, por ganhos econômicos limitados e passageiros. Vale lembrar que, até hoje, a paz tem sido o principal capital político do Brasil diante do mundo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Eleição saudosista

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/08/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

           Quando surgiu no cenário político brasileiro, em pleno processo de redemocratização, o Partido dos Trabalhadores podia ser descrito através de uma palavra: esperança. Repleto de novos nomes e propostas de mudança, o PT foi a grande novidade no panorama partidário brasileiro, quando esse ressurgiu do bipartidarismo artificial imposto pelo regime militar. A atuação do PT na política brasileira representava, muitas vezes, um contraponto indispensável para a evolução das instituições democráticas nacionais: o partido sempre reforçava o lembrete de que havia uma outra forma de se proceder em relação à coisa pública, colocando-se como alternativa ao passado de práticas clientelísticas que marcava a política brasileira.
Quando assume o Governo Federal, em 2003, o PT alcança seu ápice político, deixando para trás o tempo em que era apenas uma promessa. A busca de um novo discurso para o partido deveria ter sido iniciada nesse exato momento, mas isso não ocorreu. Parte considerável do PT se entregou a um pragmatismo sem limites, afirmando ser esse uma parte importante da concretização das esperanças de outrora. Porém, outra parte dos petistas preferiu não abandonar sua “zona de conforto” tradicional, o histórico discurso da esperança.
As eleições de 2012 mostram nitidamente essa tendência. Em São Paulo, o ex-presidente Lula se aliou ao mais simbólico adversário do PT na cidade com o intuito de eleger um de seus protegidos; longe da esperança, o objetivo é a vitória. Belo Horizonte, por sua vez, ilustra o extremo oposto: o candidato Patrus Ananias é símbolo de uma época em que o PT dava seus primeiros passos concretos, conquistava suas vitórias iniciais, alimentando a esperança de que um dia poderia vir a transformar o Brasil.
O tão comemorado consenso do PT belo-horizontino, mesmo se momentâneo e superficial, tem sua base e força na oportunidade que ele dá, aos membros do partido, de reviver os “bons tempos”, nos quais se dedicavam a debater esperanças em tempo integral. A enfadonha rotina administrativa da Prefeitura Municipal, marcada pela metódica execução de projetos, deve contribuir pouco para animar os petistas que se lançam em campanha na capital mineira. Por outro lado, é palpável a vontade dos apoiadores de Patrus de realizar uma campanha como “aquelas de antigamente”, marcada pela “militância na rua”. Bandeiras e faixas, corações e vozes tomando as ruas, compondo a prometida “onda vermelha”.
Tal viés romântico e escapista já é a marca principal da campanha do PT em Belo Horizonte. A despeito de seus méritos gerenciais, o candidato Patrus Ananias desempenha, principalmente, o papel de símbolo de uma época em que não havia mensalões, cachoeiras e cpis a assombrar o sono dos petistas. Patrus é hoje, para seus apoiadores, a lembrança de tempos mais felizes. Cabe a ele, unicamente, mostrar que é mais do que isso, especialmente se quiser contar com o voto dos eleitores que não suspiram por bandeiras do passado, mas sim por ações concretas do Poder Público.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Democracia e as multidões

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/07/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

          Recente pesquisa de opinião realizada no Paraguai aponta que mais de 60% da população apóia o afastamento de Fernando Lugo, feito pelo Congresso em menos de 48 horas. Tal aprovação popular é suficiente para justificar a destituição do Presidente paraguaio? A defesa de Lugo computou um voto na Câmara, contra 73 pelo seu afastamento; no Senado quatro votos foram favoráveis ao Presidente, e 39 contrários. Não foram registradas violações à Constituição do Paraguai, então fica a pergunta: essa maioria justifica a deposição de Fernando Lugo? Não ocorreram manifestações populares que pedissem a recondução do ex-bispo ao poder. Temos, assim, sinal de uma democracia representativa capaz de corrigir seus rumos sem gerar instabilidades, ou a população é manipulada pelo parlamento?
Todas essas questões, que ocupam a crítica política sul-americana, apontam para a complexidade do cenário político paraguaio: não há respostas simples, de forma que a afirmação imediata – feita por Brasil e Argentina – de que se tratou de um “golpe de Estado” foi, no mínimo, precipitada; em último caso, pode ser vista como tendenciosa e intervencionista. Quando se trata de uma nação vizinha, cautela e respeito são recomendados.
A rediscussão do conceito de democracia se faz urgente, principalmente porque o Paraguai – sob alegação de violação da “cláusula democrática” do Mercosul – foi suspenso das atividades políticas dessa organização. A punição paraguaia tornou possível a adesão da Venezuela ao bloco, país cujo regime é notório por impedir o funcionamento dos órgãos de imprensa que o criticam, afastando também membros do Judiciário que não favorecem o governo.
Percebe-se na América do Sul a volta de uma concepção simplista de democracia, que a reduz ao mero ato do voto, e valoriza excessivamente as grandes manifestações populares. Tais elementos, com certeza, são centrais ao processo democrático, mas esse tradicionalmente demonstra mais qualidade na medida que garante a atuação livre da oposição política, que dá voz às minorias. Não é coincidência que o Senado paraguaio era a única casa legislativa que não havia aprovado a adesão venezuelana ao Mercosul, alegando exatamente desrespeito à “cláusula democrática” do bloco. Em torno do conceito de democracia, assim, tem girado toda a crise.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Aliança com data para começar

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 25/07/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 26/07/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

O assunto predominante durante a etapa inicial das campanhas municipais tem sido a “nacionalização” das disputas em várias cidades: lideranças do alto escalão petista e tucano têm buscado se envolver nas estratégias de seus candidatos a prefeito preferidos, criando bases de apoio para o futuro. Tais comportamentos não podem ser assumidos abertamente, pois significaria dizer que os problemas da gestão local estão em segundo plano, se comparados com os interesses partidários de amplitude estadual e federal.
Entretanto, quem não se prende às amarras de tal dilema é o PSB, capitaneado pelo governador pernambucano Eduardo Campos. Em várias grandes cidades brasileiras, o PSB rompeu alianças tradicionais com o PT, em favor do lançamento de candidaturas próprias – independentes, ou em associação com o PSDB. A dramaticidade dos acontecimentos pré-eleitorais em Belo Horizonte chamou a atenção para essa tendência, repetida também na vizinha Contagem, e nas capitais nordestinas de Recife e Fortaleza. Questionado sobre a coincidência dessas conjunturas políticas municipais, Eduardo Campos responde com críticas generosas ao PT e à convivência administrativa com seus quadros.
O fato de Campos pouco dizer sobre as possibilidades de aliança com os tucanos constitui, na verdade, um silêncio eloqüente; afinal, alguns fatos falam por si mesmos. O crescimento do PSB durante a administração Lula foi notável, especialmente em estados governados pelo partido, como Pernambuco e Ceará. Entretanto, em aliança com o PT, o PSB atingiu seu limite de crescimento, indo fatalmente em rota de colisão com o “parceiro principal” do Governo Federal – o PMDB – caso queira mais espaço ao lado de Dilma Rousseff. No mesmo sentido, uma hipotética vitória do PSDB na corrida presidencial de 2014 poderia representar espaço ampliado na esfera federal para o partido de Eduardo Campos, distante da incômoda convivência com o PMDB.
Interessante considerar que o PSB tem a oferecer justamente aquilo que mais faltou aos tucanos em suas últimas campanhas presidenciais: aceitação por parte do eleitorado do Nordeste. Dono de maiorias praticamente unânimes em Pernambuco, Campos traz consigo também o Ceará dos irmãos Ciro Gomes – governador entre 1991 e 1994 – e Cid Gomes – governador desde 2007.
Considerando perfis pessoais, uma aliança entre Aécio Neves – o principal presidenciável do PSDB – e Eduardo Campos seria marcada pelo atrativo da “renovação” na política brasileira: ambos figuram como destaques da uma “nova geração”, cujas carreiras foram construídas inteiramente no período de democracia pós-1985. Ainda não se sabe qual impacto tal discurso pode ter sobre o eleitor, porém é inegável a existência de uma forte tendência de aproximação entre PSB e PSDB, visível a partir de diferentes contextos municipais, além das muitas vantagens que ambos podem obter desse pacto. O progresso de tal aliança depende, assim, muito mais do resultado das urnas em outubro, do que da vontade dos parceiros em se coligarem.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A velha política do poder

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 17/07/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)


Durante a Guerra Fria (1947-1991), Estados Unidos e União Soviética tinham nas armas nucleares a principal peça de suas políticas exteriores. O jogo político internacional tinha como principal objetivo evitar que a rivalidade entre as duas superpotências levasse ao conflito nuclear apocalíptico. Contrariar os interesses norte-americanos ou soviéticos colocava em risco esse frágil equilíbrio de forças, de forma que o poder – sobretudo militar – ditava o ritmo da política no mundo.
Duas décadas após o fim da Guerra Fria, o contexto internacional se tornou muito mais complexo, com governos, empresas e sociedades defendendo interesses e se influenciando mutuamente em tempo real. A chamada “Primavera Árabe” aparece como um bom exemplo: por meio de redes sociais, surgiram poderosas manifestações populares que derrubaram os regimes da Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. A partir de janeiro de 2011, sólidas máquinas políticas e partidárias, sustentadas em aparatos policiais de repressão, ruíram diante da comunicação e mobilização populares. Em poucas semanas se formaram novas alianças (nacionais e internacionais), cresceu a oposição política e – não sem violência – novos governos foram levados ao poder para realizar as reformas desejadas pela população.
A crise que abala a Síria, entretanto, é exceção nesse contexto. Rússia e China – destaque para a primeira – deixaram claro o apoio ao regime sírio, no poder desde 1971, opondo-se a qualquer apoio militar ocidental ao levante popular nesse país. A curta guerra civil líbia de 2011, por exemplo, só foi decidida em favor dos rebeldes devido à participação das forças aéreas da OTAN, aliança militar liderada pelos EUA.
A substituição de ditaduras por democracias liberais no Oriente Médio é um cenário que, se concretizado, tende a fortalecer a influência norte-americana. A Rússia, pouco democrática e liberal, incomoda-se diante da formação dos novos governos árabes, menos suscetíveis ao exemplo russo. O maior país do mundo coloca, assim, seu poder no debate político, revivendo a polarização da Guerra Fria, e sustentando Bashar al-Assad no comando da Síria. Cada vez mais parecida com a União Soviética, a Rússia mantém hoje uma queda de braço com os EUA, que prolonga o impasse político, a violência e o sofrimento do povo sírio.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Efeitos da ação de Lula

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/06/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 09/06/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 24/07/2012 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais)

As comissões parlamentares de inquérito brasileiras têm sido marcadas por uma seqüência de acontecimentos previsíveis: após início cercado de expectativas, o ânimo investigativo se dissipa, até que surge um informante que novamente atiça a esperança geral de que sejam encontrados os culpados da vez. Desde a CPI que levou à renúncia de Collor de Mello, vinte anos atrás, tais informantes-chave vem sendo chamados “homens bomba” no meio político, pela capacidade que possuem de mandar pelos ares qualquer possibilidade de acordo que submeta as investigações ás conveniências políticas.
A grande dúvida a respeito da CPMI que investiga o bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira vinha sendo a respeito da identidade do “homem-bomba” da vez. À medida que grandes nomes da política foram afastados do rol de suspeitos, essa dúvida se transformou em um misto de angústia e esperança. Certo de que poderá retomar seus negócios futuramente, Cachoeira se manteve calado em seu depoimento, preservando seus esquemas e parceiros no anonimato.
Entretanto, dessa vez o inesperado foi completo: o elemento detonador da polêmica foi o ex-presidente Lula, que supostamente usou informações da CPMI para pressionar Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, em relação ao julgamento do resultado de outra CPI, a do mensalão. A tibieza da resposta dada pela assessoria de imprensa de Lula, somada à quase imperceptível defesa do ex-presidente por seus aliados, empresta grande credibilidade à versão apresentada por Mendes.
O episódio, por si só, já reduz em muito a estatura de Lula perante a história. Porém, a conseqüência mais importante veio da vinculação entre contextos políticos diferentes feita por Lula: pediu o adiamento do julgamento do mensalão para depois das eleições municipais, tendo por argumento um suposto envolvimento de Gilmar Mendes com Cachoeira; desmentido, Lula vai à TV, e além de apresentar seu candidato à prefeitura de São Paulo, fala da possibilidade concreta de se candidatar à Presidência da República em 2014. Estão aí, amarradas em um só nó, duas CPIs e duas eleições.
Não só pelo conteúdo de suas declarações, mas principalmente pelos métodos utilizados para expressá-las, Lula teve o condão de acirrar instantaneamente os ânimos de todos. À oposição, não caberá se manter no embate morno dos últimos anos, sob pena de desaparecer de vez aos olhos do eleitor como projeto alternativo de governo. Para o presidenciável Aécio Neves, foi dado o sinal de que conciliação tem limites, e mais importante, que não se chega à Presidência da República por aclamação. Os aliados do governo, que responderam com enfático silêncio, agora têm de lidar com a volta de Lula (em campanha, ou no poder), e com a conseqüente reorganização da coalizão governista tão duramente construída.
Como “homem-bomba” que foi, Lula deslocou a “CPMI do Cachoeira” para um novo contexto, quando essa ainda dá seus primeiros passos. Um grande feito, considerando que Lula sequer depôs diante da Comissão, e sempre afirmava que ex-presidentes não deveriam se envolver mais com a política.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A dura vida do PMDB

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, na edição de 13/06/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 06/06/2012 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais)

Partido político mais antigo do Brasil, detentor do maior número de filiados, prefeitos e vereadores do país, da maior bancada na Câmara dos Deputados e da vice-Presidência da República, além de um número significativo de Ministérios: eis a posição atual do PMDB, tido por muitos como exemplo maior de sucesso no cenário político brasileiro. Contrasta com essa pujança, entretanto, a intervenção feita recentemente pela direção estadual do partido no diretório municipal de Uberaba, cidade de grande importância política e já governada pelo partido. Convém analisar, assim, o momento vivido pelo PMDB em Minas Gerais.
As raízes de tal situação são profundas: ao atravessar o período de ditadura militar como única expressão de oposição tolerada, o PMDB teve como sua espinha dorsal uma constelação de personalidades políticas, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Com atuações parlamentares corajosas e incontáveis articulações em estados e municípios, as lideranças do então MDB desgastaram o poder dos militares até a derrocada final, por exaustão administrativa. Essa atuação política, marcante na história brasileira, teve um efeito profundo na vida partidária: consolidou a formação de um partido intrinsecamente personalista, vinculado à atuação de suas principais lideranças.
Percebe-se, hoje, que o personalismo representa tanto a fonte de força quanto de fraqueza do PMDB: ao mesmo que tempo em que é capaz de produzir lideranças de grande expressão eleitoral, o partido demanda continuamente o controle de amplos espaços institucionais, como forma de abrigar seus diversos núcleos de poder. Contando com vários centros gravitacionais, o PMDB tem um número conseqüentemente maior de satélites girando à sua volta: quanto mais cresce nas urnas, mais precisa crescer em cargos e posições.
Para além do gigantismo político-burocrático – ao mesmo tempo, fator positivo e negativo – o conflito de personalidades é outro problema a afligir o PMDB. Tendo as pessoas sempre em primeiro plano, as instituições partidárias não ganharam força própria, tendo sido incapazes de gerenciar os conflitos internos típicos de qualquer agremiação política.
Devido a esse quadro de dispersão de poder, nas eleições gerais de 2010 foram muitas as lideranças municipais do PMDB que negaram apoio ao candidato oficial do partido ao Palácio da Liberdade; no ano seguinte, uma autêntica “caça às bruxas” tomou conta do partido, com mais de 100 pedidos de dissolução de diretórios locais, e algumas dezenas desses se concretizando. O objetivo almejado é o reforço das bases municipais do PMDB, com vistas a um desempenho expressivo no pleito municipal de outubro próximo.
Porém, não será conquistando ainda mais votos que o PMDB irá alterar sua posição em Minas Gerais. O exemplo de Uberaba é flagrante da necessidade de fortalecimento das estruturas partidárias, de forma que essas possam gerenciar os interesses mesmo das maiores lideranças eleitorais. Não parece haver, entretanto, qualquer movimentação nesse sentido no âmbito do PMDB mineiro.

Dilma e os prefeitos

por Paulo Diniz
(publicado edição de 24/05/2012 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais)

A Presidente Dilma Rousseff tem atingido, a cada pesquisa de opinião, níveis de popularidade inéditos na história recente. A comparação com seus antecessores é inevitável, e amplamente favorável à atual comandante. Entretanto, a sonora vaia recebida pela Presidente durante um encontro nacional de prefeitos constitui lembrete de que popularidade não é sinônimo de habilidade política e, mais importante, de que há problemas estruturais na federação brasileira que seguem sem solução.
          Comparada com Lula e Fernando Henrique, no que se refere à capacidade de conciliar interesses e construir apoios que viabilizam os objetivos do governo, Dilma apresenta desvantagem evidente. A imagem que ilustra isso é a da careta que a Presidente estampou quando foi questionada pelos prefeitos sobre a divisão dos royalties do petróleo, agravada pelo azedume da resposta proferida; mesmo os neófitos em política brasileira sabem que, nessa seara, os prefeitos ocupam papel de destaque como angariadores de apoio, e desprezá-los representa um grave erro.
Quando se considera o pleito dos prefeitos, motivador da vaia que tirou das manchetes a “CPI do Cachoeira”, é preciso considera-lo como mais do que uma simples demanda por recursos, típica de um evento político. A federação brasileira é historicamente marcada pelo desequilíbrio na distribuição final dos recursos fiscais: em 2010, a esfera federal ficou com 57,0% do montante arrecadado em todo o país, ao passo que os municípios receberam – incluídas transferências – apenas 18,3%. Por outro lado, o principal responsável pela oferta direta de serviços aos cidadãos é a instância municipal, em cumprimento do princípio da descentralização das políticas públicas, ponto central da Constituição de 1988.
Esse grave dilema vem sendo equacionado, também desde o final da década de 1980, através da estruturação de sistemas nacionais de políticas públicas, cujo exemplo mais completo é o do Sistema Único de Saúde (SUS): o município presta os serviços à população, de acordo com regulamentos federais detalhados, sendo custeado para tanto pelo Governo Federal. O poder, assim, emana de Brasília de forma nítida, pois o espaço de ação das prefeituras é limitado pelo financiamento que essas recebem; não há qualquer impedimento legal para que os governos locais desenvolvam formas de ação autônomas, porém, são poucas as cidades capazes de custeá-las.
Quando os prefeitos brasileiros reivindicam uma parcela maior da riqueza gerada pelo petróleo do pré-sal, o que fazem é pedir por um pouco mais de autonomia no atendimento a suas populações, um alívio na rotina de execução padronizada dos programas federais. Com certeza, os sentimentos de Dilma Rousseff diante da pressão municipalista devem ter sido os mesmos experimentados por outros presidentes brasileiros no passado, porém nada justifica a impaciência e a rispidez com as quais a Presidente tratou os mandatários municipais brasileiros. Sem dúvida, no contexto de uma democracia federativa como a brasileira, Dilma fez por merecer a vaia.

sábado, 12 de maio de 2012

Mineração e as escolhas políticas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/05/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 16/05/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 12/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

           Um grupo de investidores norte-americanos anunciou recentemente projeto para levar a atividade de mineração ao espaço sideral, retirando de asteróides elementos de alto valor de mercado, como a platina. A vida, assim, imita a ficção, impulsionada por uma das mais vorazes atividades econômicas do homem. Diante dessa perspectiva, convém analisar a situação do setor minerador em nosso planeta, mais precisamente, em Minas Gerais.
            Muitos defendem a expansão da atividade extrativa tendo por base a riqueza que essa gera, os empregos que cria e seu efeito multiplicador sobre a economia de regiões inteiras. Nesse sentido, opor-se à mineração significa aliar-se ao atraso, negar a chance de uma vida melhor a milhares de famílias, tendo como compensação slogans ambientais e sociais abstratos. Trata-se de uma discussão difícil, pois as grandes empresas do setor alegam deter soluções técnicas para todos os problemas ambientais, restando o medo irracional da mudança como força contrária à mineração.
            Não convém manter um embate de cunho técnico: desses, só os especialistas participam, enquanto que dos efeitos – sobretudo os negativos – participam todos. O que deve ser analisado, aqui, é o campo das escolhas à disposição da sociedade mineira. Nesse contexto, merece destaque uma frase muito citada, porém poucas vezes explicada em seu significado: “minério não dá duas safras”, proferida pelo governador mineiro Arthur Bernardes em 1920.
            A frase se tornou símbolo de um nacionalismo extremado, pois foi dita no âmbito da oposição que o governador de Minas fazia ao grande projeto de exploração da região de Itabira pelo magnata norte-americano Percival Farquhar. Porém, o questionamento de Bernardes não se referia ao empreendimento em si, mas sim à sua formatação: Farquhar planejava exportar o minério in natura para os países industrializados e, se possível, instalar uma pequena siderurgia no Espírito Santo. Através do governador Arthur Bernardes, a sociedade mineira rejeitava a oferta do empresário norte-americano, considerando que os benefícios eram pequenos em comparação com os prejuízos causados pela mineração.
É justamente essa discussão, eminentemente política, que deve ser feita hoje. Grandes projetos mineradores têm sido anunciados em todo o estado, porém centrados na simples retirada e exportação do produto. Novamente, as poucas indústrias previstas para serem instaladas devem ficar no Espírito Santo e Rio de Janeiro, enquanto o dano ambiental ocupará o lugar das montanhas. Dentre as visões de progresso possíveis, é essa a escolha de Minas?
O debate de ordem técnica deve ser feito, porém, esse não pode ser o centro das atenções, pois retira o protagonismo do povo na escolha das formas de desenvolvimento futuro. Único estado brasileiro que tem a exploração mineral em todas as suas regiões, Minas Gerais tem todo o seu povo afetado pelo presente dilema. As eleições de outubro próximo, pela maior proximidade que as Prefeituras guardam com os efeitos colaterais da mineração, podem ser uma grande oportunidade para se fazer ouvir a opinião do povo de Minas.

domingo, 6 de maio de 2012

Cachoeira e as eleições municipais

(publicado na edição de 03/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)


A aprovação da CPMI dedicada à investigação do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira tem ocupado boa parte do noticiário das últimas semanas. As especulações sobre o futuro de tal empreitada, entretanto, são diversas: vão desde a expectativa da repetição do enredo de CPIs do passado recente – muita agitação inicial e poucos resultados finais – até a certeza de que se produzirá algo da magnitude da renúncia do Presidente Collor de Mello. Analisar os componentes da atual conjuntura é, assim, uma tarefa indispensável para que se possa calibrar as expectativas de muitos, e as esperanças de outros tantos.
Inicialmente, é preciso destacar uma característica incomum da nova CPMI: sua criação foi desejada por várias correntes políticas, tanto do governo quanto da oposição. Esse desejo tem origem em uma crença, disseminada entre muitas lideranças, de que há fortes possibilidades de ganhos políticos a partir dos resultados das investigações. Configura-se um ímpeto coletivo de busca por fatos e nomes suspeitos, que tem tudo para se tornar incontrolável pelos interesses de correntes políticas específicas, mesmo que essas ocupem Presidência e Relatoria da Comissão. Com tanto furor investigativo no ar, a CPMI deve se desenvolver com a dinâmica própria do fogo no mato seco.
Nesse contexto, desempenha papel crucial o fator regional: com atividades espalhadas de norte a sul do Brasil, Carlinhos Cachoeira pode se tornar um elemento decisivo em várias eleições municipais. A descoberta de ligações com o bicheiro, a poucos meses do pleito, pode ferir mortalmente candidaturas até agora tidas como imbatíveis; encontrar todas as pontas soltas dos negócios escusos de Cachoeira tende a se transformar em uma verdadeira “caça ao tesouro” para muitos políticos brasileiros. Por enquanto, o mais ruidoso exemplo foi dado pelo deputado federal Anthony Garotinho, ao divulgar um vídeo no qual aparecem jantando um suposto sócio de Carlinhos Cachoeira e o atual governador fluminense, Sérgio Cabral. Por si só, as imagens nada provam, mas têm potencial para produzir um impacto colossal sobre o julgamento que o eleitor faz das figuras públicas retratadas, refletindo diretamente na base de apoio de Cabral em seu estado.
A corrida por “trunfos eleitorais” desse tipo pode afastar a CPMI de qualquer tipo de controle: a tentação da desobediência aos comandos partidários pode ser forte demais, assim como a prática dos “vazamentos” de informações sigilosas pode se mostrar muito conveniente. É nas eleições municipais que os deputados e senadores consolidam suas bases de apoio locais, indispensáveis para o pleito de 2014. Nesse sentido, interesses locais passam a ter influência maior do que a coerência e a disciplina partidárias: para muitos políticos, trata-se da escolha entre obter benefícios imediatos em suas regiões de atuação, ou trabalhar pelas recompensas um tanto genéricas que podem derivar de uma aliança partidária nacional. Com tantos personagens e interesses envolvidos, a única previsão segura é a de muita instabilidade.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Petrobrás corre perigo?

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/04/2012 do Estado de Minas - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 03/05/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 03/05/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 26/04/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

         O conturbado cenário político argentino produziu, mais uma vez, manchetes preocupantes no noticiário econômico. Com um golpe certeiro de sua caneta presidencial, Cristina Kirchner tomou da empresa espanhola Repsol a propriedade da petrolífera YPF, uma ex-estatal Argentina privatizada em 1992. O fato não constitui novidade, pois já ocorreu várias vezes no continente, sob nomes diversos: expropriação, encampação, nacionalização são alguns dos termos, aos quais se soma a “declaração de utilidade pública”, inaugurada por Cristina. O que chama a atenção, agora, são os interesses brasileiros envolvidos, principalmente quando se leva em conta as tendências políticas do governo vizinho.
Inicialmente, é preciso considerar os fatores favoráveis à Argentina: a privatização da YPF faz, desde os anos 1990, parte do folclore nacional como sinônimo de um negócio mal feito. Também parece válido o argumento de que os espanhóis da Repsol vinham conduzindo a YPF de maneira pouco competente, o que gerava conseqüências para a economia argentina: pela primeira vez em sua história recente, em 2011, o país se viu obrigado a importar combustíveis. Entretanto, para cada um desses problemas há soluções menos radicais, como a alteração das condições de funcionamento do mercado, ou outras medidas de caráter político, como mudanças pontuais na legislação vigente. Qualquer dessas medidas seria capaz de gerar resultados diante dos problemas apontados pelos argentinos, porém nenhum deles produziria o terremoto político que uma nacionalização, como a feita agora por Cristina, é capaz de causar.
Ávida por índices de popularidade melhores, Cristina Kirchner aguardou o encerramento do pregão da bolsa de valores de Madrid para desferir seu golpe contra a moribunda economia espanhola. Convocou reunião com as principais lideranças políticas do país – governadores e senadores, que gritavam e cantavam como se estivessem em um estádio de futebol – e anunciou seu decreto, rodeada por imagens de Evita Perón. A cena, transmitida em cadeia nacional, compõe um quadro – literalmente – gritante da euforia e do descontrole populistas que tomaram conta da Argentina.
Inevitável não temer pelo destino da subsidiária da Petrobrás na Argentina. Ainda está nítido na memória dos brasileiros o episódio no qual o governo da Bolívia se apossou das instalações da Petrobrás naquele país, em 2006, usando tropas do exército diante de equipes de televisão. O quadro econômico boliviano pouco mudou com o episódio, mas a bravata nacionalista de Evo Morales o fortaleceu o suficiente para vencer uma eleição presidencial e um plebiscito constitucional.
Após décadas de populismo, e das inexoráveis decepções no médio prazo, a América Hispânica continua suscetível ao apelo de “salvadores da pátria”. O desenvolvimento econômico recente do Brasil coloca nosso país como candidato natural ao papel de “vilão imperialista”, sempre culpado pelas mazelas alheias. A província argentina de Neuquém, no início do mês, já suspendeu a concessão da Petrobrás em seu território: o sinal amarelo foi aceso.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dois dias de abril

por Paulo Diniz
(publicado na edção de 19/04/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

          O mês de abril tem dois dias emblemáticos para a democracia brasileira, o primeiro e o vigésimo primeiro. A forma como lidamos com eles, e com seus respectivos legados, diz muito a respeito do civismo das novas gerações de nosso povo. Nesse sentido, acontecimentos recentes têm mostrado sinais preocupantes.
            Em 1º de abril de 1964, teve início mais uma ditadura no conturbado período republicano brasileiro. Os autores de tal mudança política preferiram, para agregar respeitabilidade, que a data oficial do golpe de Estado fosse registrada como 31 de março, e foi nesse dia do corrente ano, que alguns dos militares envolvidos no golpe decidiram realizar no Rio de Janeiro uma cerimônia comemorativa pelos 48 anos de seu feito. Não bastasse a infâmia de tal celebração, ainda foram confrontados por manifestantes que, furiosos, entraram em confronto com a polícia na tentativa de responder com igual demonstração de radicalismo político à comemoração dos militares.
Triste cenário, em sua completude: em pleno ano de 2012, centenas de pessoas se agridem em praça pública, sustentando a fantasia de que ainda vivem em 1964. De tal passado triste, devemos apenas guardar as lições, que apontam no sentido da tolerância, convivência, debate e negociação. Representantes de ambos os extremos do espectro político brasileiro, demonstram claro desejo de alienação em relação ao mundo complexo em que hoje vivemos. Amedrontados com o século XXI, buscam refúgio em um passado romântico, no qual duelavam “mocinhos e bandidos”.
Poderíamos chamar tal tendência “Efeito Bolsonaro”, em referência ao deputado federal que ganha cada vez mais notoriedade extravasando opiniões extremadas. Porém, o nome não faria jus à realidade completa, pois tal exagero seria apenas caricato se não fosse sempre rebatido pelo extremismo esquerdista, tão raivoso e estridente quanto o dos adeptos da finada ditadura militar. Ganham ambos, com tal confronto coreografado, pois podem posar como defensores de seus ideais “puros”; perde o Brasil, com o empobrecimento do debate político nacional, imerso no simplismo de ideologias já há muito superadas pela realidade do mundo contemporâneo. Tentar viver no passado, simplesmente, não é uma opção.
O dia 21 de abril, por outro lado, representa o oposto exato: nele são lembrados o mártir da Inconfidência, Tiradentes, e um dos principais articuladores do desmantelamento da ditadura militar, o mineiro Tancredo Neves. Avesso ao confronto e à violência, Tancredo atravessou o período de repressão política como opositor do regime imposto pelos militares, atuando às claras e tendo por armas apenas o diálogo e o profundo desejo de construir o consenso. Ao final, obteve o sucesso de uma transição política pacífica, base sólida para a democracia que vem sendo reconstruída desde então. Sucumbindo ao esforço extremo e continuado, Tancredo faleceu em 21 de abril de 1985, já eleito presidente. É a esse verdadeiro herói, e principalmente a seu espírito de paz e entendimento, que devemos as mais profundas manifestações de admiração, orgulho e inspiração para o futuro.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Corruptores e a ação política no Brasil

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/04/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 12/04/2012 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais -, na edição de 10/04/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, na edição de 11/04/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 03/05/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Jornalistas estrangeiros que acompanham os acontecimentos do Brasil devem encontrar dificuldade para traduzir as sutilezas da língua portuguesa e da vida em nosso país. Quando o assunto é política, a dificuldade deve ser ainda maior: em 2004, a revista norte-americana Time passou por tal dilema ao descrever o pivô do primeiro escândalo do Governo Lula; optou pela tradução literal, tratando o personagem por “Charlie Waterfall” (ou seja, Carlinhos Cachoeira).
Quando ganhou destaque no noticiário pela primeira vez, o bicheiro goiano Carlos Augusto Ramos – nome de batismo – divulgava haver sofrido extorsão dois anos antes por parte de Waldomiro Diniz, que havia se tornado Subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República com o início do Governo Lula. Os recursos, segundo o bicheiro, deveriam financiar campanhas do PT, porém esse não mencionava que, como retribuição, receberia facilidades em licitações do governo. Passado o impacto inicial, vieram os desmentidos e a exoneração de praxe, perdendo-se no vazio muitas perguntas sobre a profundidade das relações entre esses personagens. Apesar de Waldomiro ter sido alvo de um processo, nada mais se falou sobre Cachoeira.
Passados oito anos, ressurge em grande estilo “Charlie Waterfall”, desta feita, íntimo de um senador do Democratas – esteio moral da oposição – o também goiano Demóstenes Torres. Ainda está sendo descoberta a natureza dos negócios realizados por Cachoeira, mas sabe-se que ele centralizava uma rede de informações sobre atividades policiais e parlamentares, sem que esteja claro o uso dado a tais informações.
O que importa perceber, inicialmente, é que o ecletismo político de Cachoeira parece não ter limites: vai do PT ao Democratas, do núcleo do governo à liderança da oposição. Também é importante destacar que sua reincidência em negócios escusos indica total impunidade, e a permanência junto ao meio político é sinal de uma aposta – que se mostrou acertada – na falta de valores que permeia esse ambiente. São fatos demasiado evidentes para serem ignorados, reforçando o antigo clichê segundo o qual não basta punir os corruptos, é preciso anular os corruptores.
Nesse contexto, não é saudável para a democracia brasileira que seus partidos e homens públicos façam uso político de escândalos como o de Carlinhos Cachoeira. Tais ocorrências não são exclusividade de nenhuma corrente partidária e, diferente do que se acredita no meio político nacional, o erro de alguns não inocenta o dos outros; pelo contrário, os potencializa. Quando apontam o malfeito alheio com o intuito de diminuir o adversário, os políticos brasileiros acabam tirando de cena o personagem principal, o corruptor, eterno inventor de “esquemas” e explorador das brechas da Lei. Enquanto os partidos se acusam irracionalmente, rebatendo acusações com outras acusações, os “Charlies” saem discretamente de cena, para continuar a agir nas sombras, recrutando homens públicos de caráter fraco. Definitivamente, não é com esse “ímpeto destruidor” que se constroem condutas éticas na política.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Capitais cruciais

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/04/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

Os acontecimentos recentes do cenário político brasileiro deram as primeiras cores ao quadro da campanha eleitoral de outubro, mas principalmente, influíram de forma decisiva na próxima disputa presidencial. Em duas capitais brasileiras de grande importância política, o processo de formação de alianças teve avanços significativos: Belo Horizonte e São Paulo têm servido de indicadores diretos da forma como se movimentam as forças políticas nacionais com vistas a 2014.
Em Belo Horizonte, a aliança de 2008 entre PSDB e PT em torno do candidato Márcio Lacerda (PSB) atraiu as atenções do Brasil para uma tendência que se desenhava na capital mineira. Tratada como “convergência” e encabeçada pelo governador tucano Aécio Neves e pelo prefeito petista Fernando Pimentel, essa aliança gerou especulações quanto aos interesses de cada parte; o palpite predominante versava sobre uma troca de apoios em 2014, quando o tucano buscasse a Presidência, e o petista, o Governo Estadual. Após quatro anos, a grande questão gira em torno da permanência desse compromisso, principalmente após os desgastes sofridos durante a convivência na administração municipal.
Aprovada a renovação da aliança com o PSB, permaneceu o debate entre os petistas belo-horizontinos sobre a continuidade da parceria com os tucanos. A discussão ficou marcada pela declaração de uma destacada liderança, que deixou clara sua desconfiança em relação ao PSDB ao afirmar não haver garantias de que, em 2014, os tucanos não lancem candidato próprio ao Governo do Estado. Em poucas palavras, sua dúvida confirma o acordo de troca de apoios negociado em 2008, pois apenas questiona se esse será mesmo cumprido.
A proposta de “convergência” permanece viva, dependendo agora da sobrevivência do Ministro Fernando Pimentel às denúncias de corrupção que surgem contra ele, e que já vitimaram vários no governo de Dilma Rousseff. É bom lembrar que o fator tempo tem papel crucial: uma suposta queda de Pimentel, se ocorrida depois das eleições municipais, poderia produzir o melhor dos cenários aos tucanos, uma vez que esses estariam desobrigados de realizar sua parte do trato perante um candidato petista “inviável”.
Em São Paulo, o destaque cabe à vitória de José Serra nas primárias do PSDB para escolha do candidato a prefeito da capital. Após aguardar que a posição petista se solidificasse em favor do ex-Ministro da Educação Fernando Haddad, figura polêmica devido aos escândalos envolvendo a realização do ENEM, e muito menos popular do que outros nomes do PT, José Serra  anuncia seu desejo de concorrer em outubro próximo. Caso indicasse seus planos com antecedência, Serra certamente colocaria seus adversários em posição de alerta, e provavelmente o indicado pelo PT à prefeitura paulistana seria outro.
Resta agora ao PT uma batalha gigantesca para reverter o favoritismo de José Serra, e assim evitar que a maior cidade do país se torne um palanque privilegiado do PSDB em 2014. Assim, mais um prognóstico favorável se forma em relação a Aécio Neves, provável ocupante desse palanque articulado por Serra.

sábado, 31 de março de 2012

A saída de Ministros: queda ou desvio político?

por Walkiria Zambrzycki Dutra*
(publicado  na edição de 17 de fevereiro de 2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

            O início ano de 2012 retomou a sequencia de ministros do governo Dilma Rousseff que deixaram o cargo após escândalos de diversas naturezas: desde afirmações polêmicas contra o governo a acusações de desvio de verbas. Ao todo, são oito os ministros que foram exonerados ou pediram demissão, pois não resistiram às denúncias divulgadas pela mídia. O mais resistente foi Mário Negromonte, ex-ministro das Cidades, que permaneceu aproximadamente cinco meses após a primeira série de denúncias envolvendo favorecimento político, aprovação de fraudes, e má conduta de seu chefe de gabinete.
Entretanto, alguns dos afastados do Executivo federal continuam no poder, pois retornaram à vaga que originalmente os levou a Brasília: o cargo de deputado federal. Exemplo disso é o próprio Negromonte, representante da Bahia. Diante desse cenário, fica para o cidadão a seguinte pergunta: qual a justificativa para a recondução dos ex-ministros a cargos políticos em outras instâncias?
            O embasamento legal está assegurado pela Constituição Federal de 1988: os deputados federais ou senadores podem se afastar do cargo para assumir o posto de Ministro de Estado (além de outras funções), sem perder o mandato. Em termos políticos, a estratégia se torna interessante quando se leva em consideração a questão do jogo de forças que os partidos políticos exercem para a relação governo x oposição na arena da formulação das leis. Na vertente da ciência política tem-se uma grande incoerência, pois a nomeação indica que o agente político passa de formulador das leis para um executor dessas, cuja prestação de contas da gestão do seu ministério se faz a cada final de ano para o Presidente da República.
            Quando identificada uma conduta irregular por parte do ministro, a Câmara dos Deputados pode autorizar a instauração de processo contra aquele, e o Senado Federal processa e julga os ministros nos crimes de responsabilidade. Assim, quando da denúncia de irregularidades, o pedido de demissão ou a exoneração por parte do presidente da república não resumem o caso, mas sim pode dar força para a verificação dos fatos.
No entanto, alguns ex-ministros retornam ao Legislativo. Nessa instância, o grande fiscalizador das ações dos deputados e senadores é o cidadão que - diga-se de passagem - originalmente os elegeu para assumirem, em seu lugar, a posição de tomador de decisões da vida pública e privada do país. Como na terra do carnaval a memória do brasileiro é curta e a opinião pública busca apenas resultados imediatistas, logo fica esquecida a razão que deu origem ao processo até aqui descrito.

* Bacharel em Relações Internacionais (PUC-MInas), Mestranda em Ciência Política (UFMG)