terça-feira, 31 de julho de 2012

Democracia e as multidões

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/07/2012 do Hoje em Dia - Belo Horizonte, Minas Gerais)

          Recente pesquisa de opinião realizada no Paraguai aponta que mais de 60% da população apóia o afastamento de Fernando Lugo, feito pelo Congresso em menos de 48 horas. Tal aprovação popular é suficiente para justificar a destituição do Presidente paraguaio? A defesa de Lugo computou um voto na Câmara, contra 73 pelo seu afastamento; no Senado quatro votos foram favoráveis ao Presidente, e 39 contrários. Não foram registradas violações à Constituição do Paraguai, então fica a pergunta: essa maioria justifica a deposição de Fernando Lugo? Não ocorreram manifestações populares que pedissem a recondução do ex-bispo ao poder. Temos, assim, sinal de uma democracia representativa capaz de corrigir seus rumos sem gerar instabilidades, ou a população é manipulada pelo parlamento?
Todas essas questões, que ocupam a crítica política sul-americana, apontam para a complexidade do cenário político paraguaio: não há respostas simples, de forma que a afirmação imediata – feita por Brasil e Argentina – de que se tratou de um “golpe de Estado” foi, no mínimo, precipitada; em último caso, pode ser vista como tendenciosa e intervencionista. Quando se trata de uma nação vizinha, cautela e respeito são recomendados.
A rediscussão do conceito de democracia se faz urgente, principalmente porque o Paraguai – sob alegação de violação da “cláusula democrática” do Mercosul – foi suspenso das atividades políticas dessa organização. A punição paraguaia tornou possível a adesão da Venezuela ao bloco, país cujo regime é notório por impedir o funcionamento dos órgãos de imprensa que o criticam, afastando também membros do Judiciário que não favorecem o governo.
Percebe-se na América do Sul a volta de uma concepção simplista de democracia, que a reduz ao mero ato do voto, e valoriza excessivamente as grandes manifestações populares. Tais elementos, com certeza, são centrais ao processo democrático, mas esse tradicionalmente demonstra mais qualidade na medida que garante a atuação livre da oposição política, que dá voz às minorias. Não é coincidência que o Senado paraguaio era a única casa legislativa que não havia aprovado a adesão venezuelana ao Mercosul, alegando exatamente desrespeito à “cláusula democrática” do bloco. Em torno do conceito de democracia, assim, tem girado toda a crise.

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