terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Maré baixa dos protestos populares

por Jessé Saturnino e Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/01/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, na edição de 15/01/2014 do Diário do Comércio - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 18/01/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 23/01/2014 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais)

As eleições gerais de 2014 revelarão um dos segredos mais intrigantes do Brasil em sua história democrática recente: o efeito das manifestações de junho passado sobre a forma de votação do eleitor brasileiro. Considerando uma perspectiva estrutural, será que algo mudou? Em qual medida foi alterada a capacidade de julgamento e avaliação do eleitor, no que se refere à escolha de seus representantes junto ao Estado?
O fato principal a ser considerado é o protagonismo da juventude brasileira durante a mobilização popular de 2013: além de constituir, visivelmente, o maior grupo que foi às ruas, os jovens também forneceram a motivação e a esperança para que brasileiros de outras idades também se manifestassem. De volta à rotina, resta saber se os jovens brasileiros aprenderam alguma lição sobre civismo e democracia, ou se apenas se entediaram e abriram mão de suas reivindicações. Uma terceira hipótese, entretanto, parece mais viável à luz dos tempos pós-modernos em que vivemos.
Alguns autores das Ciências Sociais afirmam que, em fins do século passado, uma nova configuração social começou a ser vislumbrada, marcada pela destruição da sociedade moderna com a qual todos estavam acostumados. Segundo o sociólogo Zygmunt Baumam, transformou-se o mundo “sólido” da modernidade em um mundo pós-moderno “líquido”. Neste mundo líquido, as formas e configurações sociais são sempre efêmeras e passageiras; escapam constantemente dos limites tradicionais dos padrões de comportamento, mais estáveis e sólidos, do passado. A política e a participação não ficaram imunes à liquefação do mundo. A mobilização popular do inverno passado, no Brasil, pode negar ou corroborar essa teoria de um mundo líquido: os jovens e suas reivindicações, mostradas em alegres e irreverentes cartazes, mobilizados a partir das redes sociais, podem ter tido apenas um lampejo juvenil. Após consumir o produto “manifestação política”, os jovens teriam partido logo depois para consumir outras coisas, e assim terem algo novo para postar em seus perfis nas redes sociais.
Ante à perspectiva de que as mobilizações populares de junho tenham sido apenas mais um produto de consumo da juventude brasileira, o que podemos então esperar das eleições do ano que vem? Um coeficiente de mudança ocorrerá, inegavelmente, se não pela ação do eleitor, com certeza pela reação dos vários políticos que buscam se antecipar àquilo que interpretam como sendo “a voz das ruas”. Outro aspecto importante deriva do fato de que muitos jovens podem, sim, ter se despertado para a política de maneira permanente, assim como ocorreu após os protestos de 1992 e as eleições de 1989.
Independente da profundidade e consistência desses efeitos, o que se espera é que a experiência de comunhão real, e não somente virtual, com outras centenas de milhares de pessoas, em torno do objetivo de melhorar a atuação do Poder Público no Brasil, seja por demais impactante para ser deixada de lado como o interesse por uma sub-celebridade televisiva qualquer.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Casamento de conveniência

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/01/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 11/01/2014 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais -, na edição de 03/01/2014 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 04/01/2014 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)
Outubro passado foi marcado pela surpreendente aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva, com vistas às eleições presidenciais. Enquanto a dúvida principal era relativa a quem encabeçaria a chapa, pouco se discutiu a respeito da forma como iria se desenvolver a relação entre os dois no decorrer da campanha.
Essa aliança traz um potencial enorme de alterar o panorama nacional, marcado pela polarização entre PSDB e PT. Marina tende a absorver boa parte da esperança dos jovens que tomaram as ruas em junho, uma vez que seu discurso em 2010 adiantava boa parte dos slogans populares de 2013. Já Eduardo Campos comanda uma das estruturas partidárias que mais cresceu no Brasil dos últimos anos, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste; em Pernambuco, estado que governa, exerce um domínio eleitoral forte o suficiente para tornar desprezível a presença do PT na região, o que se comprovou nas eleições municipais de 2012. Os pontos fortes de Marina e Eduardo atingem a plataforma do PT de maneira inédita, reduzindo seu apoio junto à juventude e à população atendida pelos benefícios sociais do governo.
O potencial de Marina e Eduardo para alterar o equilíbrio de 2014, por mais que tenha animado a vários setores da oposição, não anula os desafios que ambos ainda têm pela frente: a dificuldade de se manter a coesão da nova aliança, e os pequenos índices de preferência do eleitorado que apresentam nas pesquisas.
A definição de quem será o candidato à Presidência é crucial, uma vez que um vice-presidente dificilmente cumpre uma plataforma própria de governo. É pouco provável que o público de Marina – jovem e ávido por mudanças – vote em Campos para ver realizadas suas expectativas. Já a máquina partidária de Campos, porque lastreada em governos estaduais, é mais disciplinada, podendo acompanha-lo com fidelidade caso esse assuma a candidatura à vice-presidência. A grande questão é se Eduardo Campos aceitaria tal posição.
Além da definição de lugares, é preciso também considerar que ambos os pré-candidatos devem estabelecer uma fórmula de convívio, antes de encarar o eleitor. Está claro que concordam em relação a uma agenda negativa, que os opõe à administração federal petista. Porém, sobram diferenças no que tange aos objetivos de cada um; a construção de um “alinhamento programático”, anunciada por Marina no dia da aliança, ainda não avançou. É provável que o impasse ocorra devido à dificuldade de conciliação entre as visões de um grupo que pretende conquistar a preferência da classe média das regiões Sudeste e Sul, e outro que busca nada menos do que refundar a política brasileira desde suas bases.
Considerando que Eduardo Campos acaba de somar a importante adesão do PPS nacional, fica clara a urgência de se construir uma base sólida de trabalho. Como nos casamentos por conveniência, da ficção e da realidade, a etapa mais complexa não é a união de interesses inicial, mas sim a manutenção da relação no dia a dia, quando os menores desgastes assumem grandes proporções.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Uma questão de contexto

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/01/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
 
O debate sobre a reforma política, que movimentou esperanças no Brasil em 2013, tem partido de uma premissa limitada: a qualidade da democracia está baseada nas regras que organizam o sistema político. Tal relação existe, porém o problema brasileiro está mais relacionado com as características de nossa população: baixo nível educacional, aliado a uma curta experiência de democracia, fazem com que a maioria dos brasileiros limite seu conceito de democracia ao ato de votar.
Pouco valorizada no Brasil, a vivência partidária é um elemento crucial para a democracia. Em países com longas tradições democráticas, é no interior dos partidos que ocorrem os debates diretos entre lideranças e eleitores, construindo os consensos e as plataformas eleitorais. Também dessas discussões, acessíveis a todos, emergem as lideranças partidárias que compõem a lista de candidatos do partido, ordenada de forma a indicar a precedência que alguns filiados têm sobre os demais, na distribuição das cadeiras parlamentares obtidas pelo partido nas eleições. Trata-se da “lista fechada” de candidatos, muito comum pelo mundo, e objeto do desejo de vários políticos envolvidos na reforma política brasileira.
O contexto nacional, marcado pelo nível insignificante de participação popular na vida partidária, definitivamente não comporta um instrumento como a “lista fechada”: se adotada, essa seria elaborada apenas pelas lideranças tradicionais de cada agremiação política, de forma isolada e pouco democrática. O voto do eleitor serviria apenas para referendar os interesses das lideranças partidárias estabelecidas, blindando o acesso de novos nomes à cena política.
Já no sistema de “lista aberta”, vigente no Brasil, a ordem na qual os candidatos de um partido podem assumir vaga no parlamento é definida pelo número de votos que cada um obteve. Prevalece a vontade popular, se não expressa nos debates partidários, certamente no resultado das urnas. Se esse mecanismo confere poder a pessoas descompromissadas com o interesse público, a origem do problema se encontra nos critérios de escolha da população, e não no arcabouço institucional que reproduziu o gosto da maioria.
O aperfeiçoamento da política brasileira passa pelo enriquecimento de nossa cultura política, que parte de investimentos educacionais de grande porte. Soluções simplistas como a adoção da “lista fechada” para eleições parlamentares, não só contornam o real dilema da democracia brasileira, como também contribuem para elitizar o processo eleitoral, concentrando poder nas lideranças partidárias atuais, principais interessadas nessa mudança.