sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Uma questão de contexto

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/01/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
 
O debate sobre a reforma política, que movimentou esperanças no Brasil em 2013, tem partido de uma premissa limitada: a qualidade da democracia está baseada nas regras que organizam o sistema político. Tal relação existe, porém o problema brasileiro está mais relacionado com as características de nossa população: baixo nível educacional, aliado a uma curta experiência de democracia, fazem com que a maioria dos brasileiros limite seu conceito de democracia ao ato de votar.
Pouco valorizada no Brasil, a vivência partidária é um elemento crucial para a democracia. Em países com longas tradições democráticas, é no interior dos partidos que ocorrem os debates diretos entre lideranças e eleitores, construindo os consensos e as plataformas eleitorais. Também dessas discussões, acessíveis a todos, emergem as lideranças partidárias que compõem a lista de candidatos do partido, ordenada de forma a indicar a precedência que alguns filiados têm sobre os demais, na distribuição das cadeiras parlamentares obtidas pelo partido nas eleições. Trata-se da “lista fechada” de candidatos, muito comum pelo mundo, e objeto do desejo de vários políticos envolvidos na reforma política brasileira.
O contexto nacional, marcado pelo nível insignificante de participação popular na vida partidária, definitivamente não comporta um instrumento como a “lista fechada”: se adotada, essa seria elaborada apenas pelas lideranças tradicionais de cada agremiação política, de forma isolada e pouco democrática. O voto do eleitor serviria apenas para referendar os interesses das lideranças partidárias estabelecidas, blindando o acesso de novos nomes à cena política.
Já no sistema de “lista aberta”, vigente no Brasil, a ordem na qual os candidatos de um partido podem assumir vaga no parlamento é definida pelo número de votos que cada um obteve. Prevalece a vontade popular, se não expressa nos debates partidários, certamente no resultado das urnas. Se esse mecanismo confere poder a pessoas descompromissadas com o interesse público, a origem do problema se encontra nos critérios de escolha da população, e não no arcabouço institucional que reproduziu o gosto da maioria.
O aperfeiçoamento da política brasileira passa pelo enriquecimento de nossa cultura política, que parte de investimentos educacionais de grande porte. Soluções simplistas como a adoção da “lista fechada” para eleições parlamentares, não só contornam o real dilema da democracia brasileira, como também contribuem para elitizar o processo eleitoral, concentrando poder nas lideranças partidárias atuais, principais interessadas nessa mudança.


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