quinta-feira, 24 de maio de 2012

A dura vida do PMDB

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 24/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais -, na edição de 13/06/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 06/06/2012 do Bocaiúva em Notícias - Bocaiúva, Minas Gerais)

Partido político mais antigo do Brasil, detentor do maior número de filiados, prefeitos e vereadores do país, da maior bancada na Câmara dos Deputados e da vice-Presidência da República, além de um número significativo de Ministérios: eis a posição atual do PMDB, tido por muitos como exemplo maior de sucesso no cenário político brasileiro. Contrasta com essa pujança, entretanto, a intervenção feita recentemente pela direção estadual do partido no diretório municipal de Uberaba, cidade de grande importância política e já governada pelo partido. Convém analisar, assim, o momento vivido pelo PMDB em Minas Gerais.
As raízes de tal situação são profundas: ao atravessar o período de ditadura militar como única expressão de oposição tolerada, o PMDB teve como sua espinha dorsal uma constelação de personalidades políticas, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Com atuações parlamentares corajosas e incontáveis articulações em estados e municípios, as lideranças do então MDB desgastaram o poder dos militares até a derrocada final, por exaustão administrativa. Essa atuação política, marcante na história brasileira, teve um efeito profundo na vida partidária: consolidou a formação de um partido intrinsecamente personalista, vinculado à atuação de suas principais lideranças.
Percebe-se, hoje, que o personalismo representa tanto a fonte de força quanto de fraqueza do PMDB: ao mesmo que tempo em que é capaz de produzir lideranças de grande expressão eleitoral, o partido demanda continuamente o controle de amplos espaços institucionais, como forma de abrigar seus diversos núcleos de poder. Contando com vários centros gravitacionais, o PMDB tem um número conseqüentemente maior de satélites girando à sua volta: quanto mais cresce nas urnas, mais precisa crescer em cargos e posições.
Para além do gigantismo político-burocrático – ao mesmo tempo, fator positivo e negativo – o conflito de personalidades é outro problema a afligir o PMDB. Tendo as pessoas sempre em primeiro plano, as instituições partidárias não ganharam força própria, tendo sido incapazes de gerenciar os conflitos internos típicos de qualquer agremiação política.
Devido a esse quadro de dispersão de poder, nas eleições gerais de 2010 foram muitas as lideranças municipais do PMDB que negaram apoio ao candidato oficial do partido ao Palácio da Liberdade; no ano seguinte, uma autêntica “caça às bruxas” tomou conta do partido, com mais de 100 pedidos de dissolução de diretórios locais, e algumas dezenas desses se concretizando. O objetivo almejado é o reforço das bases municipais do PMDB, com vistas a um desempenho expressivo no pleito municipal de outubro próximo.
Porém, não será conquistando ainda mais votos que o PMDB irá alterar sua posição em Minas Gerais. O exemplo de Uberaba é flagrante da necessidade de fortalecimento das estruturas partidárias, de forma que essas possam gerenciar os interesses mesmo das maiores lideranças eleitorais. Não parece haver, entretanto, qualquer movimentação nesse sentido no âmbito do PMDB mineiro.

Dilma e os prefeitos

por Paulo Diniz
(publicado edição de 24/05/2012 da Tribuna de Minas - Juiz de Fora, Minas Gerais)

A Presidente Dilma Rousseff tem atingido, a cada pesquisa de opinião, níveis de popularidade inéditos na história recente. A comparação com seus antecessores é inevitável, e amplamente favorável à atual comandante. Entretanto, a sonora vaia recebida pela Presidente durante um encontro nacional de prefeitos constitui lembrete de que popularidade não é sinônimo de habilidade política e, mais importante, de que há problemas estruturais na federação brasileira que seguem sem solução.
          Comparada com Lula e Fernando Henrique, no que se refere à capacidade de conciliar interesses e construir apoios que viabilizam os objetivos do governo, Dilma apresenta desvantagem evidente. A imagem que ilustra isso é a da careta que a Presidente estampou quando foi questionada pelos prefeitos sobre a divisão dos royalties do petróleo, agravada pelo azedume da resposta proferida; mesmo os neófitos em política brasileira sabem que, nessa seara, os prefeitos ocupam papel de destaque como angariadores de apoio, e desprezá-los representa um grave erro.
Quando se considera o pleito dos prefeitos, motivador da vaia que tirou das manchetes a “CPI do Cachoeira”, é preciso considera-lo como mais do que uma simples demanda por recursos, típica de um evento político. A federação brasileira é historicamente marcada pelo desequilíbrio na distribuição final dos recursos fiscais: em 2010, a esfera federal ficou com 57,0% do montante arrecadado em todo o país, ao passo que os municípios receberam – incluídas transferências – apenas 18,3%. Por outro lado, o principal responsável pela oferta direta de serviços aos cidadãos é a instância municipal, em cumprimento do princípio da descentralização das políticas públicas, ponto central da Constituição de 1988.
Esse grave dilema vem sendo equacionado, também desde o final da década de 1980, através da estruturação de sistemas nacionais de políticas públicas, cujo exemplo mais completo é o do Sistema Único de Saúde (SUS): o município presta os serviços à população, de acordo com regulamentos federais detalhados, sendo custeado para tanto pelo Governo Federal. O poder, assim, emana de Brasília de forma nítida, pois o espaço de ação das prefeituras é limitado pelo financiamento que essas recebem; não há qualquer impedimento legal para que os governos locais desenvolvam formas de ação autônomas, porém, são poucas as cidades capazes de custeá-las.
Quando os prefeitos brasileiros reivindicam uma parcela maior da riqueza gerada pelo petróleo do pré-sal, o que fazem é pedir por um pouco mais de autonomia no atendimento a suas populações, um alívio na rotina de execução padronizada dos programas federais. Com certeza, os sentimentos de Dilma Rousseff diante da pressão municipalista devem ter sido os mesmos experimentados por outros presidentes brasileiros no passado, porém nada justifica a impaciência e a rispidez com as quais a Presidente tratou os mandatários municipais brasileiros. Sem dúvida, no contexto de uma democracia federativa como a brasileira, Dilma fez por merecer a vaia.

sábado, 12 de maio de 2012

Mineração e as escolhas políticas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/05/2012 do Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais -, na edição de 16/05/2012 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 12/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)

           Um grupo de investidores norte-americanos anunciou recentemente projeto para levar a atividade de mineração ao espaço sideral, retirando de asteróides elementos de alto valor de mercado, como a platina. A vida, assim, imita a ficção, impulsionada por uma das mais vorazes atividades econômicas do homem. Diante dessa perspectiva, convém analisar a situação do setor minerador em nosso planeta, mais precisamente, em Minas Gerais.
            Muitos defendem a expansão da atividade extrativa tendo por base a riqueza que essa gera, os empregos que cria e seu efeito multiplicador sobre a economia de regiões inteiras. Nesse sentido, opor-se à mineração significa aliar-se ao atraso, negar a chance de uma vida melhor a milhares de famílias, tendo como compensação slogans ambientais e sociais abstratos. Trata-se de uma discussão difícil, pois as grandes empresas do setor alegam deter soluções técnicas para todos os problemas ambientais, restando o medo irracional da mudança como força contrária à mineração.
            Não convém manter um embate de cunho técnico: desses, só os especialistas participam, enquanto que dos efeitos – sobretudo os negativos – participam todos. O que deve ser analisado, aqui, é o campo das escolhas à disposição da sociedade mineira. Nesse contexto, merece destaque uma frase muito citada, porém poucas vezes explicada em seu significado: “minério não dá duas safras”, proferida pelo governador mineiro Arthur Bernardes em 1920.
            A frase se tornou símbolo de um nacionalismo extremado, pois foi dita no âmbito da oposição que o governador de Minas fazia ao grande projeto de exploração da região de Itabira pelo magnata norte-americano Percival Farquhar. Porém, o questionamento de Bernardes não se referia ao empreendimento em si, mas sim à sua formatação: Farquhar planejava exportar o minério in natura para os países industrializados e, se possível, instalar uma pequena siderurgia no Espírito Santo. Através do governador Arthur Bernardes, a sociedade mineira rejeitava a oferta do empresário norte-americano, considerando que os benefícios eram pequenos em comparação com os prejuízos causados pela mineração.
É justamente essa discussão, eminentemente política, que deve ser feita hoje. Grandes projetos mineradores têm sido anunciados em todo o estado, porém centrados na simples retirada e exportação do produto. Novamente, as poucas indústrias previstas para serem instaladas devem ficar no Espírito Santo e Rio de Janeiro, enquanto o dano ambiental ocupará o lugar das montanhas. Dentre as visões de progresso possíveis, é essa a escolha de Minas?
O debate de ordem técnica deve ser feito, porém, esse não pode ser o centro das atenções, pois retira o protagonismo do povo na escolha das formas de desenvolvimento futuro. Único estado brasileiro que tem a exploração mineral em todas as suas regiões, Minas Gerais tem todo o seu povo afetado pelo presente dilema. As eleições de outubro próximo, pela maior proximidade que as Prefeituras guardam com os efeitos colaterais da mineração, podem ser uma grande oportunidade para se fazer ouvir a opinião do povo de Minas.

domingo, 6 de maio de 2012

Cachoeira e as eleições municipais

(publicado na edição de 03/05/2012 do Correio do Sul - Varginha, Minas Gerais)


A aprovação da CPMI dedicada à investigação do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira tem ocupado boa parte do noticiário das últimas semanas. As especulações sobre o futuro de tal empreitada, entretanto, são diversas: vão desde a expectativa da repetição do enredo de CPIs do passado recente – muita agitação inicial e poucos resultados finais – até a certeza de que se produzirá algo da magnitude da renúncia do Presidente Collor de Mello. Analisar os componentes da atual conjuntura é, assim, uma tarefa indispensável para que se possa calibrar as expectativas de muitos, e as esperanças de outros tantos.
Inicialmente, é preciso destacar uma característica incomum da nova CPMI: sua criação foi desejada por várias correntes políticas, tanto do governo quanto da oposição. Esse desejo tem origem em uma crença, disseminada entre muitas lideranças, de que há fortes possibilidades de ganhos políticos a partir dos resultados das investigações. Configura-se um ímpeto coletivo de busca por fatos e nomes suspeitos, que tem tudo para se tornar incontrolável pelos interesses de correntes políticas específicas, mesmo que essas ocupem Presidência e Relatoria da Comissão. Com tanto furor investigativo no ar, a CPMI deve se desenvolver com a dinâmica própria do fogo no mato seco.
Nesse contexto, desempenha papel crucial o fator regional: com atividades espalhadas de norte a sul do Brasil, Carlinhos Cachoeira pode se tornar um elemento decisivo em várias eleições municipais. A descoberta de ligações com o bicheiro, a poucos meses do pleito, pode ferir mortalmente candidaturas até agora tidas como imbatíveis; encontrar todas as pontas soltas dos negócios escusos de Cachoeira tende a se transformar em uma verdadeira “caça ao tesouro” para muitos políticos brasileiros. Por enquanto, o mais ruidoso exemplo foi dado pelo deputado federal Anthony Garotinho, ao divulgar um vídeo no qual aparecem jantando um suposto sócio de Carlinhos Cachoeira e o atual governador fluminense, Sérgio Cabral. Por si só, as imagens nada provam, mas têm potencial para produzir um impacto colossal sobre o julgamento que o eleitor faz das figuras públicas retratadas, refletindo diretamente na base de apoio de Cabral em seu estado.
A corrida por “trunfos eleitorais” desse tipo pode afastar a CPMI de qualquer tipo de controle: a tentação da desobediência aos comandos partidários pode ser forte demais, assim como a prática dos “vazamentos” de informações sigilosas pode se mostrar muito conveniente. É nas eleições municipais que os deputados e senadores consolidam suas bases de apoio locais, indispensáveis para o pleito de 2014. Nesse sentido, interesses locais passam a ter influência maior do que a coerência e a disciplina partidárias: para muitos políticos, trata-se da escolha entre obter benefícios imediatos em suas regiões de atuação, ou trabalhar pelas recompensas um tanto genéricas que podem derivar de uma aliança partidária nacional. Com tantos personagens e interesses envolvidos, a única previsão segura é a de muita instabilidade.