sábado, 27 de fevereiro de 2016

2015: O ano que continuou 2013

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/01/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A temporada de retrospectivas segue a pleno vapor, e a crônica política de 2015 tem dado trabalho. Por mais que o ano termine como começou, com o mandato de Dilma Rousseff sob questionamento intenso, nesses doze meses de intervalo os fatos ocorridos foram surpreendentes. O processo de impeachment da presidente, cujo desenrolar foi suspenso pelo recesso parlamentar, serve como exemplo do quão incomum foi 2015, mas principalmente, ilustra o protagonismo do Legislativo no ano que se encerrou.
A odisseia de Eduardo Cunha, da vitória para o comando da Câmara, passando pela aceitação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff e culminando com seu próprio envolvimento com o escândalo da Petrobrás, ilustra como o parlamento brasileiro foi o centro das atenções políticas de 2015. Embora a maioria da população acredite ter sido esse um momento histórico de descrédito do Legislativo, interpretar esse contexto demanda distanciamento: antes lugar de conchavos de bastidores, no qual as decisões eram tomadas na obscuridade e os debates ocorriam nos desvãos dos gabinetes, agora a Câmara é palco de disputas abertas de interesses, cumprindo com isso parte de sua função principal.
É nesse sentido que se pode ver o ano de 2015 como dotado de uma lógica geral: a agitação do Congresso Nacional foi consequência direta da explosão de protestos populares que marcou o ano de 2013. Nessa lógica, se a população brasileira despertou abruptamente para a vida coletiva e para o que ocorre com o Estado em 2013, o que assistimos em 2015 foi o encontro entre essa gigantesca força popular e os canais institucionais da política. As eleições de 2014, agora parece mais claro, aconteceram cedo demais para que fosse absorvido e traduzido formalmente esse novo direcionamento da sociedade brasileira: por isso, não tivemos níveis radicais de renovação no Legislativo Federal, ou mesmo qualquer grande surpresa nas votações para o Executivo. Assim, em poucos momentos como em 2015, tantos olhos estiveram ligados ao que se passava no Congresso Nacional, tantos nomes de parlamentares estiveram tão presentes nas conversas populares, e tantas reuniões de comissões legislativas foram tão vivamente acompanhadas; enfim, a ideia da representação legislativa avançou muito na compreensão do povo brasileiro, e o Parlamento passou a ser visto como uma continuação da vida em sociedade.
Obviamente, a descoberta dessa relação não se deu de maneira elogiosa, mas o repúdio dos eleitores a seus representantes já é sinal claro de que a alienação do passado se foi. Melhor ainda promete ser o ano de 2016, também eleitoral, e por isso ainda mais capaz de transpor as muitas faces da sociedade brasileira para os meandros do sistema político nacional. Para os extremistas da esquerda à direita, vale recordar que em uma democracia cada vez mais representativa, como a brasileira, os parlamentares eleitos tendem a refletir as múltiplas faces de nossa sociedade; aceitar essa diversidade é base essencial para um futuro melhor.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O divórcio do século


por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Celebridades do mundo artístico costumam ter suas vidas pessoais ativamente cobertas pela mídia. Brigas e divórcios despertam especial interesse no público, que se deleita em acompanhar as frustrações alheias. Um processo semelhante marca a política brasileira, envolvendo o ex-presidente Lula e a atual mandatária Dilma Rousseff: dada a importância política que a relação entre eles adquiriu, a curiosidade em torno de qualquer abalo nesse relacionamento beira a histeria. Para contornar a torrente de boatos sobre o assunto, e assim extrair valor político desse cenário, é essencial analisar quais interesses poderia haver, para qualquer parte, em encerrar essa feliz união política.
Ano passado, quando Dilma atravessava seus piores momentos, se multiplicaram rumores de que Lula hesitava em se arriscar na defesa de sua sucessora. Adepto de estilo político personalista, Lula sabe que a imagem é seu maior patrimônio, protegendo-a com muito zelo. A crise econômica, que aniquilou a popularidade de Dilma, poderia poupar Lula se esse não fosse associado ao cotidiano da gestão do país. Esse raciocínio, feito por vários analistas, ganhou credibilidade à medida que o ex-presidente criticava os erros cometidos pela equipe econômica.
O pedido de impeachment contra Dilma pode ter funcionado como um divisor de águas, forçando sobre Lula duas opções extremas: voltar aos braços de Dilma ou, calando-se, endossar a visão daqueles que a queriam destituída. Preferindo a reaproximação, Lula fez gestões pelo apaziguamento do PMDB, sem muito sucesso, e indicou seu aliado Jacques Wagner para o comando da Casa Civil de Dilma. Não foi, definitivamente, a salvação do governo, mas contribuiu para que 2015 se encerrasse com Dilma ainda no cargo. Independentemente das cogitações que habitaram as profundezas da mente de Lula, a conjuntura que lhe permitia ganhos a partir do rompimento com Dilma se esgotou.
No início de 2016, quanto mais se aperta o cerco de investigações ao ex-presidente Lula, mais esse se torna uma figura cuja parceria política se mostra potencialmente arriscada. Diante da exposição das suspeitas sobre o ex-presidente, ligadas a questões de fácil compreensão pela população, pouco importa a comprovação de qualquer crime: o estrago à imagem de Lula já foi feito. Agora, enquanto o público concentra sua atenção sobre Lula, configura-se o momento ideal para Dilma se distanciar do caso, obtendo o sossego muito esperado para trabalhar a gestão de seu governo.
Desconsiderando os boatos que já enxergam como fria a relação entre Dilma e Lula, o fato é que a conjuntura atual beneficiaria à presidente em caso de rompimento. Além de ganhar sobrevida para sua popularidade, Dilma reduziria a influência do PT em seu governo, o que lhe daria a possibilidade de construir uma aliança mais ampla de sustentação política. Porém, considerando o histórico de Dilma em termos de articulação e estratégia, o mais provável é que ela mantenha o casamento de aparências, frustrando os boateiros da vez.

Cada um por si


por Paulo Diniz
(publicado na edição de 14/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Pela primeira vez desde 2002, o Governo de Minas Gerais deixa de pagar o salário de seus servidores de forma integral e regular, no quinto dia útil do mês. O motivo, mencionado pela equipe econômica de Fernando Pimentel ao longo de todo 2015, é a insuficiência de recursos fiscais, decorrente da queda na arrecadação do principal imposto estadual, o ICMS. Intrinsecamente ligado ao ritmo da economia, esse tributo foi duramente atingido pela crise que assolou todo o Brasil. Crises fiscais na federação brasileira não são novidade. O que torna o momento atual diferenciado não é o panorama financeiro que ocupa as manchetes, mas sim a estrutura federativa nacional, muito diferente daquela que, em décadas passadas, deixava espaço para manobras políticas dos governadores.
A relação entre economia e política, sempre existente porque os responsáveis pela gestão econômica são mesmo os mandatários eleitos, ficou muito evidente na última grande crise estadualista. Ao longo da década de 1980, governadores de todo o Brasil abusaram do direito de gastar além do que seus governos arrecadavam: o eufórico contexto de redemocratização, somado ao descontrole inflacionário vigente na época, contribuíram muito para que os governadores não pensassem, ao menos na perspectiva fiscal, no dia de amanhã. Os bancos estaduais, muito comuns em todo o país, servem como emblemático exemplo: frequentemente acabavam por financiar o excesso de despesas de seus respectivos estados, não raro contraindo empréstimos no exterior para equilibrar a ficção contábil que era o orçamento público.
Em meados dos anos 1990, as consequências da gestão irresponsável se apresentaram ferozmente, sendo que a saída de tal dilema só foi possível a partir de uma negociação política junto ao Governo Federal: esse assumiu as dívidas estaduais, em troca do compromisso de que fosse executado um conjunto de reformas nas gestões estaduais. Foi assim, por exemplo, que a maioria dos bancos estaduais acabou extinta. Ainda hoje, os estados brasileiros têm parte de seus repasses federais retida para honrar os compromissos assumidos nessa época.
Como forma de evitar que o descontrole dos anos 1980 se repetisse, foi aprovada em 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou regras e limites para a gestão fiscal que valem para toda a Administração Pública. Essa regulação impede, na prática, que se produza algum tipo de atalho de ordem política para que estados e municípios saiam mais depressa da situação em que se encontram agora. É fato que hoje, via de regra, não se pode reputar a crise à irresponsabilidade de governadores e prefeitos; de toda forma, para resolver o problema atual, tais gestores só podem contar com o próprio esforço e criatividade, pois não há afinidade partidária capaz de contornar a lei. Basta ver, por exemplo, que a própria Dilma Rousseff se encontra diante de um processo de impeachment fundamentado na acusação de haver burlado, usando os bancos públicos, o limite de gastos anual do Governo Federal.

O exército de um homem só


por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Ao longo da história, certos regimes políticos foram popularmente conhecidos por símbolos específicos, fruto de associações de imagens voluntárias ou não. Um exemplo marcante foi o da monarquia francesa do século XVIII, lembrada a partir da Bastilha, uma prisão cuja tomada pela população, rebelada em 1789, marcou a Revolução Francesa. Das pirâmides do Egito antigo ao Fusca do governo Itamar Franco, tais símbolos resumem tanto os pontos positivos quanto os negativos de cada era na vida de um povo. Considerando os treze anos de governo petista, assim como o período de preparação para a conquista do poder, o símbolo mais evidente dessa época salta aos olhos na pessoa de Luís Inácio Lula da Silva.
Muitos já apontaram, tanto de forma crítica quanto elogiosa, o tremendo impacto que significou a união entre o grupo de elite altamente intelectualizado que deu origem ao PT, e o líder sindical Lula na década de 1970: um trabalhador típico, e não um integrante de família tradicional e abastada como Eduardo Suplicy, seria o responsável por encarnar a imagem pública do Partido dos Trabalhadores. Do ponto de vista eleitoral, a aliança foi tremendamente feliz, uma vez que Lula soube representar muito bem o papel do “brasileiro comum”, fustigado pela fome, baixos salários, vida difícil nas cidades e, mesmo assim, esperançoso em relação a um futuro melhor. É irrelevante determinar o ponto a partir do qual a mensagem de Lula deixou de ser genuína e passou a ser uma encenação para comover o eleitor; até porque, por definição, discursos eleitorais sempre carregam algum quesito emotivo, que quase sempre é motivado e artificial. O mais importante é perceber que, ao longo dos anos, o PT passou a acreditar piamente em uma das máximas mais presentes em sua propaganda: aquela que propagava que “só quem já passou fome, pode resolver o problema da fome”, articulada também para todos os demais problemas do país. Essa lógica tornou a organização partidária praticamente refém do poder eleitoral de Lula.
Sem coragem para planejar, ou sequer imaginar um futuro sem Lula, o PT se tornou um partido personalista, desperdiçando incrivelmente o enorme potencial intelectual que abrigava em seus quadros. Hoje, boa parte da elite acadêmica brasileira se esforça para dar lustros técnicos, econômicos, táticos e éticos para as decisões que são tomadas em torno da conveniência política de uma só pessoa; trata-se um debate delirante que constitui uma lástima para a academia, para o partido e para o Brasil.
Por ter alcançado a posição de símbolo, que pouco tem a ver com seus méritos como gestor dos problemas nacionais, Lula acaba por atrair as mais extremas paixões. Sua queda, seja por meio de alguma das investigações em curso que o envolvem, ou graças a uma derrota eleitoral, anima a oposição e desespera o governo. Como não houve, no PT, o surgimento de outras figuras populares, a ruína de Lula afetaria gravemente o partido, restando o árduo caminho de construção de um novo caminho até o eleitor.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O destino dos "postes"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 31/01/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O ano de 2016 encerra um ciclo na política de Minas e do Brasil, que teve início com o pleito municipal de 2008: esse se caracterizou pela eleição de candidatos de perfil puramente técnico a cargos de destaque no Executivo, apoiados ostensivamente por figuras políticas de grande sucesso. Foram apelidados por seus adversários como “postes”, em alusão a uma suposta falta de liberdade em relação a seus apoiadores. Eleito Márcio Lacerda como prefeito de Belo Horizonte em 2008, a campanha de 2010 trouxe a reedição dessa fórmula: Antônio Anastasia e Dilma Rousseff chegaram à vitória, nos governos de Minas e do Brasil, contando muito mais com os votos de Aécio e Lula, respectivamente, do que graças a seus próprios carismas pessoais.
Cada um já testado em mais uma eleição, Lacerda, Anastasia e Dilma parecem ter sido mesmo os únicos representantes dessa dinâmica política, uma vez que não surgiram novos nomes com perfil semelhante nos últimos anos. Os palanques, portanto, voltaram a ser monopolizados por seus protagonistas tradicionais, os políticos profissionais. Apesar dessa semelhança, cada um dos três vive hoje situações bem distintas em suas carreiras, o que diz muito sobre o que lhes reserva o futuro.
Antônio Anastasia, senador com a maior parte do mandato pela frente, tem negado com frequência rumores sobre seu interesse em se candidatar a novos postos no Executivo. Adota uma estratégia cautelosa, provavelmente por ser um dos poucos que desfrutam de uma posição tão confortável, no ambiente político agitado do Brasil. Faz uso do recurso do qual mais dispõe, o tempo, enquanto espera o desenrolar da trama atual.
Dilma Rousseff, ainda presidente, registra seguidos recordes em seu segundo mandato: menor índice de aprovação popular das últimas três décadas, maior nível de inflação desde o início do Plano Real, maior retração da economia nos últimos 25 anos, dentre outras marcas infelizes que cobram um preço pesado sobre a viabilidade política de seu governo. Uma das explicações para tal situação é que a presidente não cuidou pessoalmente de sua articulação política, delegando a tarefa vital a terceiros. Desprezando a prática cotidiana da política, Dilma se aferrou à condição de gestora, construindo o isolamento que hoje enfrenta; assim, acabou por dar razão àqueles que a chamavam como “poste”, alusão à sua inabilidade política.

Márcio Lacerda, nesse grupo, chama a atenção: sem mudar seu estilo pessoal, o prefeito da capital mineira aprendeu a articular, provavelmente consequência da relação conturbada com os vereadores no passado. Hoje tecendo uma rede de apoios nas principais cidades do interior mineiro, Lacerda se credencia cada vez mais como um dos nomes mais fortes na disputa pelo Palácio da Liberdade em 2018; agora, sem a necessidade de um fiador de maior destaque em sua campanha. Bem avaliado pela maioria dos belo-horizontinos, o prefeito hoje está no comando de seu próprio processo de sucessão, algo que, oito anos atrás, poucos esperariam que acontecesse.