terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O divórcio do século


por Paulo Diniz
(publicado na edição de 21/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Celebridades do mundo artístico costumam ter suas vidas pessoais ativamente cobertas pela mídia. Brigas e divórcios despertam especial interesse no público, que se deleita em acompanhar as frustrações alheias. Um processo semelhante marca a política brasileira, envolvendo o ex-presidente Lula e a atual mandatária Dilma Rousseff: dada a importância política que a relação entre eles adquiriu, a curiosidade em torno de qualquer abalo nesse relacionamento beira a histeria. Para contornar a torrente de boatos sobre o assunto, e assim extrair valor político desse cenário, é essencial analisar quais interesses poderia haver, para qualquer parte, em encerrar essa feliz união política.
Ano passado, quando Dilma atravessava seus piores momentos, se multiplicaram rumores de que Lula hesitava em se arriscar na defesa de sua sucessora. Adepto de estilo político personalista, Lula sabe que a imagem é seu maior patrimônio, protegendo-a com muito zelo. A crise econômica, que aniquilou a popularidade de Dilma, poderia poupar Lula se esse não fosse associado ao cotidiano da gestão do país. Esse raciocínio, feito por vários analistas, ganhou credibilidade à medida que o ex-presidente criticava os erros cometidos pela equipe econômica.
O pedido de impeachment contra Dilma pode ter funcionado como um divisor de águas, forçando sobre Lula duas opções extremas: voltar aos braços de Dilma ou, calando-se, endossar a visão daqueles que a queriam destituída. Preferindo a reaproximação, Lula fez gestões pelo apaziguamento do PMDB, sem muito sucesso, e indicou seu aliado Jacques Wagner para o comando da Casa Civil de Dilma. Não foi, definitivamente, a salvação do governo, mas contribuiu para que 2015 se encerrasse com Dilma ainda no cargo. Independentemente das cogitações que habitaram as profundezas da mente de Lula, a conjuntura que lhe permitia ganhos a partir do rompimento com Dilma se esgotou.
No início de 2016, quanto mais se aperta o cerco de investigações ao ex-presidente Lula, mais esse se torna uma figura cuja parceria política se mostra potencialmente arriscada. Diante da exposição das suspeitas sobre o ex-presidente, ligadas a questões de fácil compreensão pela população, pouco importa a comprovação de qualquer crime: o estrago à imagem de Lula já foi feito. Agora, enquanto o público concentra sua atenção sobre Lula, configura-se o momento ideal para Dilma se distanciar do caso, obtendo o sossego muito esperado para trabalhar a gestão de seu governo.
Desconsiderando os boatos que já enxergam como fria a relação entre Dilma e Lula, o fato é que a conjuntura atual beneficiaria à presidente em caso de rompimento. Além de ganhar sobrevida para sua popularidade, Dilma reduziria a influência do PT em seu governo, o que lhe daria a possibilidade de construir uma aliança mais ampla de sustentação política. Porém, considerando o histórico de Dilma em termos de articulação e estratégia, o mais provável é que ela mantenha o casamento de aparências, frustrando os boateiros da vez.

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