terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O exército de um homem só


por Paulo Diniz
(publicado na edição de 07/02/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Ao longo da história, certos regimes políticos foram popularmente conhecidos por símbolos específicos, fruto de associações de imagens voluntárias ou não. Um exemplo marcante foi o da monarquia francesa do século XVIII, lembrada a partir da Bastilha, uma prisão cuja tomada pela população, rebelada em 1789, marcou a Revolução Francesa. Das pirâmides do Egito antigo ao Fusca do governo Itamar Franco, tais símbolos resumem tanto os pontos positivos quanto os negativos de cada era na vida de um povo. Considerando os treze anos de governo petista, assim como o período de preparação para a conquista do poder, o símbolo mais evidente dessa época salta aos olhos na pessoa de Luís Inácio Lula da Silva.
Muitos já apontaram, tanto de forma crítica quanto elogiosa, o tremendo impacto que significou a união entre o grupo de elite altamente intelectualizado que deu origem ao PT, e o líder sindical Lula na década de 1970: um trabalhador típico, e não um integrante de família tradicional e abastada como Eduardo Suplicy, seria o responsável por encarnar a imagem pública do Partido dos Trabalhadores. Do ponto de vista eleitoral, a aliança foi tremendamente feliz, uma vez que Lula soube representar muito bem o papel do “brasileiro comum”, fustigado pela fome, baixos salários, vida difícil nas cidades e, mesmo assim, esperançoso em relação a um futuro melhor. É irrelevante determinar o ponto a partir do qual a mensagem de Lula deixou de ser genuína e passou a ser uma encenação para comover o eleitor; até porque, por definição, discursos eleitorais sempre carregam algum quesito emotivo, que quase sempre é motivado e artificial. O mais importante é perceber que, ao longo dos anos, o PT passou a acreditar piamente em uma das máximas mais presentes em sua propaganda: aquela que propagava que “só quem já passou fome, pode resolver o problema da fome”, articulada também para todos os demais problemas do país. Essa lógica tornou a organização partidária praticamente refém do poder eleitoral de Lula.
Sem coragem para planejar, ou sequer imaginar um futuro sem Lula, o PT se tornou um partido personalista, desperdiçando incrivelmente o enorme potencial intelectual que abrigava em seus quadros. Hoje, boa parte da elite acadêmica brasileira se esforça para dar lustros técnicos, econômicos, táticos e éticos para as decisões que são tomadas em torno da conveniência política de uma só pessoa; trata-se um debate delirante que constitui uma lástima para a academia, para o partido e para o Brasil.
Por ter alcançado a posição de símbolo, que pouco tem a ver com seus méritos como gestor dos problemas nacionais, Lula acaba por atrair as mais extremas paixões. Sua queda, seja por meio de alguma das investigações em curso que o envolvem, ou graças a uma derrota eleitoral, anima a oposição e desespera o governo. Como não houve, no PT, o surgimento de outras figuras populares, a ruína de Lula afetaria gravemente o partido, restando o árduo caminho de construção de um novo caminho até o eleitor.

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