(publicado na edição de 29/03/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 27/03/2015 do Jornal de Uberaba - Belo Horizonte, Minas Gerais)
Ao final da década de 1960, o governo norte-americano
se deparou com uma dificuldade a mais, na árdua tarefa que desempenhava para
combater na guerrilha comunista no Vietnã: a difusão de imagens televisivas
para milhões de lares nos EUA se tornou um fator importante para corroer o apoio
popular à participação do país no conflito. O poder das imagens, mostrando
combates e sofrimento, tocou profundamente as famílias americanas impulsionando
vários protestos contra a guerra. A identificação entre o conflito no Vietnã e
a cultura popular norte-americana foi tão forte que, até hoje, a indústria
cinematográfica desse país ainda explora o tema com considerável sucesso. É
nesse apelo que têm as imagens junto ao mundo pop que se apoia, em muito, o
grupo extremista Estado Islâmico para atrair novos membros para suas fileiras,
constituindo uma curiosa ligação entre Oriente e Ocidente.
Uma das maiores preocupações dos governos europeus, no
momento, é o trânsito de jovens de seus países para os palcos de conflito na Síria
e Líbia, engajados em milícias muçulmanas radicais. O que atrai a juventude
muçulmana europeia é principalmente a divulgação de vídeos e depoimentos nas
redes sociais, apresentando os bastidores desses conflitos em nítida referência
à vida de emoções e aventuras valorizada pela cultura pop ocidental.
Considerando o histórico de segregação à qual está
sujeita a juventude das periferias europeias, o simples assédio das
organizações extremistas já constitui mais atenção do que essa sempre recebeu
do Poder Público e da sociedade onde vivem. Assim como o crime organizado, o
extremismo político-religioso leva grande vantagem ao oferecer uma perspectiva
de futuro, seja qual for, para quem nunca a teve. Assim, boa parte do alerta
europeu quanto à infiltração do terrorismo em suas periferias metropolitanas
está temperada de remorso pelo descaso social ao qual relegou boa parte de sua
população de origem imigrante.
Mas a sedução de grupos como o Estado Islâmico sobre a
juventude marginalizada da Europa tem também um forte apelo cultural. Segundo
vários relatos, os vídeos promocionais do EI são bem produzidos e mostram os
conflitos armados como uma rotina de emoção e aventura, temperada por heroísmo
e ascensão espiritual. Mais do que isso, é constante a promessa de uma vida de
luxo e bens de consumo caros, de marcas internacionais, proporcionada pelos
saques realizados nas áreas conquistadas. Em resumo, pouco falta para que a propaganda
do Estado Islâmico se equipare ao ícone máximo da sedução adolescente na
cultura ocidental: o videoclip de rap norte-americano.
Nesse sentido, as brutais execuções de prisioneiros
que o EI realiza e divulga não passam de um sangrento ritual midiático,
planejado para mostrar força e conquistar a atenção de um público altamente
conectado à Internet e à cultura pop ocidental, e por isso, já habituado ao uso
de imagens de guerra como entretenimento. Trata-se, afinal de uma cultura
mundial de violência, gerando frutos na vida real.