domingo, 29 de março de 2015

Terrorismo e cultura pop: o show do Estado Islâmico

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/03/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 27/03/2015 do Jornal de Uberaba - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Ao final da década de 1960, o governo norte-americano se deparou com uma dificuldade a mais, na árdua tarefa que desempenhava para combater na guerrilha comunista no Vietnã: a difusão de imagens televisivas para milhões de lares nos EUA se tornou um fator importante para corroer o apoio popular à participação do país no conflito. O poder das imagens, mostrando combates e sofrimento, tocou profundamente as famílias americanas impulsionando vários protestos contra a guerra. A identificação entre o conflito no Vietnã e a cultura popular norte-americana foi tão forte que, até hoje, a indústria cinematográfica desse país ainda explora o tema com considerável sucesso. É nesse apelo que têm as imagens junto ao mundo pop que se apoia, em muito, o grupo extremista Estado Islâmico para atrair novos membros para suas fileiras, constituindo uma curiosa ligação entre Oriente e Ocidente.
Uma das maiores preocupações dos governos europeus, no momento, é o trânsito de jovens de seus países para os palcos de conflito na Síria e Líbia, engajados em milícias muçulmanas radicais. O que atrai a juventude muçulmana europeia é principalmente a divulgação de vídeos e depoimentos nas redes sociais, apresentando os bastidores desses conflitos em nítida referência à vida de emoções e aventuras valorizada pela cultura pop ocidental.
Considerando o histórico de segregação à qual está sujeita a juventude das periferias europeias, o simples assédio das organizações extremistas já constitui mais atenção do que essa sempre recebeu do Poder Público e da sociedade onde vivem. Assim como o crime organizado, o extremismo político-religioso leva grande vantagem ao oferecer uma perspectiva de futuro, seja qual for, para quem nunca a teve. Assim, boa parte do alerta europeu quanto à infiltração do terrorismo em suas periferias metropolitanas está temperada de remorso pelo descaso social ao qual relegou boa parte de sua população de origem imigrante.
Mas a sedução de grupos como o Estado Islâmico sobre a juventude marginalizada da Europa tem também um forte apelo cultural. Segundo vários relatos, os vídeos promocionais do EI são bem produzidos e mostram os conflitos armados como uma rotina de emoção e aventura, temperada por heroísmo e ascensão espiritual. Mais do que isso, é constante a promessa de uma vida de luxo e bens de consumo caros, de marcas internacionais, proporcionada pelos saques realizados nas áreas conquistadas. Em resumo, pouco falta para que a propaganda do Estado Islâmico se equipare ao ícone máximo da sedução adolescente na cultura ocidental: o videoclip de rap norte-americano.

Nesse sentido, as brutais execuções de prisioneiros que o EI realiza e divulga não passam de um sangrento ritual midiático, planejado para mostrar força e conquistar a atenção de um público altamente conectado à Internet e à cultura pop ocidental, e por isso, já habituado ao uso de imagens de guerra como entretenimento. Trata-se, afinal de uma cultura mundial de violência, gerando frutos na vida real.

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