segunda-feira, 23 de março de 2015

Venezuela: perigosa combinação

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/03/2015 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e na edição de 22/03/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)



As notícias que vêm da Venezuela, nas últimas semanas, têm variado entre o caricato e o preocupante: da realização de exercícios militares com o objetivo de intimidar os EUA até a concessão de poderes absolutos pelo Legislativo ao presidente Nicolás Maduro, entretanto, o ponto em comum é a firmeza com a qual o país caminha para o autoritarismo e a crise. Considerando a influência que esse país exerce sobre a maioria dos governos de esquerda do continente, é urgente uma visão atenta sobre o exemplo no qual tantos buscam inspiração.
Apesar de realizar votações com frequência, fator incessantemente repetido pelos apoiadores do governo, a Venezuela se encontra distante de uma vivência democrática; afinal, até a ditadura brasileira manteve a prática das eleições por toda a sua vigência. Segundo Robert Dahl, um dos principais teóricos da democracia, votos e urnas pouco significam sem a realização de outros direitos, que buscam garantir a igualdade entre aqueles que participam do sistema político.
O direito à informação é um exemplo do argumento de Dahl: sem acesso a distintos pontos de vista, o eleitor deixa de ter parâmetros concretos para avaliar diferentes candidatos e propostas. Na Venezuela, o último canal de televisão a criticar o regime deixou de fazê-lo em 2013, enquanto a mensagem de cunho oficialista ocupa todos os meios de comunicação, tornando o pensamento do governo onipresente.
Outro ponto chave da democracia é o respeito às minorias políticas e sociais. A observância única da vontade da maioria, mesmo que expressa nas urnas, produziu algumas das maiores tragédias da humanidade, como a ascensão do nazismo na Alemanha. Sendo assim, democrático é o governo que considera não apenas seus eleitores, mas o conjunto da população, reconhecendo a legitimidade das lideranças políticas derrotadas.
Nos últimos meses, os principais políticos de oposição da Venezuela foram lançados ao cárcere mediante acusações de crimes banais. A prisão recente do prefeito de Caracas deixa claro que o regime busca neutralizar as lideranças capazes de galvanizar a insatisfação popular em torno de uma alternativa política. Ninguém está seguro ao fazer oposição ao governo que, cada vez menos, consegue disfarçar seu perfil de ditadura. Sem igualdade e respeito às minorias, afinal, a democracia passa a ser apenas um slogan vazio de significado, voltado para ganhar apoio a um governo autoritário.
Dona da maior reserva de petróleo do mundo, a Venezuela enfrenta hoje queda acentuada nos preços internacionais dessa mercadoria: detém o mais alto índice de inflação do mundo, aliado a uma crise de desabastecimento que castiga a toda a população. A oposição ao regime, nesse contexto, deixa de ter origem nas clivagens políticas e ideológicas que marcam o país, para tirar motivação do simples desejo de sobrevivência da maioria da população. Autoritarismo político e crise econômica formam uma perigosa combinação na Venezuela dos dias atuais, na qual ninguém está disposto a dialogar ou ceder.

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