domingo, 8 de março de 2015

Pão e circo com os dias contatos

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/03/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais - e na edição de 05/03/2015 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais)

O cancelamento das festividades de Carnaval foi notícia comum em 2015, registrada em 25 cidades mineiras. Os motivos se relacionam, além da crise hídrica, com a aceitação pelos governos locais do fato de que muitas cidades não apresentam condições para realizar atividades não essenciais desse porte. Mesmo sendo uma realidade triste para os habitantes desses municípios, é possível ver nesses casos motivos para comemoração, pois representam sinal de importante mudança no padrão de comportamento dos gestores locais mineiros.
São inúmeros os estudos que apontam para o Carnaval como elemento crucial da cultura e identidade do brasileiro. Tal festa popular desempenha papel tradicional de subverter a ordem vigente no dia a dia, trazendo um alívio momentâneo à população em relação à dura realidade do restante do ano. Portanto, longe de ser supérfluo, o Carnaval é indispensável para que o Brasil mantenha sob controle seus altos níveis de tensão social; mesmo não tendo consciência nítida dessa lógica social, a população sempre demandou muito do Poder Público em relação à festa, o que torna o assunto de grande sensibilidade política. Mesmo assim, em 2015 vimos um rompimento desse padrão, com a priorização de outras necessidades que não o alívio da realidade proporcionado por essa forma de cultura popular.
Se hoje é possível testemunhar prefeitos cancelando a principal festa do Brasil, trata-se da evolução de um processo ainda pouco estudado. A mudança de paradigma que leva a tais atitudes teve como marco o ano de 2000, quando entrou em vigor a conhecida “Lei de Responsabilidade Fiscal”. Esse regulamento, que contou com feroz oposição da bancada petista à época de sua tramitação, tem o intuito de tornar o governante responsável pela gestão financeira realizada durante seu mandato: pune o tradicional inchaço da folha de pagamento, até então usado para conseguir apoio político pela via das contratações desnecessárias, assim como estabelece regras e limites para o endividamento da administração pública local. A possibilidade de perda de mandato eletivo, e mesmo de reclusão por até quatro anos, serviu como impulso para que os governantes brasileiros começassem a ter uma conduta administrativa mais responsável, relativizando a lógica tradicional de que o único objetivo realmente prioritário era a obtenção de votos na próxima eleição.
Em que pese a condenável atitude do Governo Federal ao fim de 2014, que reduziu as metas de superávit fiscal para evitar descumprir a LRF, ainda não é possível dizer que governos estaduais e municipais estão dispostos a se arriscar seguindo tal exemplo. Do ponto de vista político, portanto, continua como regra o comedimento dos administradores eleitos ao realizarem gastos.
Os primeiros sinais de um novo cenário municipalista em Minas Gerais, mais maduro do ponto de vista político e administrativo, merecem comemoração. Porém, resta ainda a confirmação das urnas em 2016, indicando se o eleitorado soube compreender o novo tempo em que vivemos.

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