sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O ódio está no ar

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 15/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Chama a atenção, nos últimos 12 meses, a ocorrência de episódios nos quais figuras eminentes do PT são hostilizadas em ambientes públicos. O caso mais recente envolveu o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, em um conhecido bar de Belo Horizonte. Pacífico como poucos e nunca relacionado em qualquer dos escândalos de corrupção de seu partido, Patrus pagou pelo extremo grau de desgaste que atinge o PT, o que configura mesmo uma onda de ódio contra o partido.
Na recente história democrática brasileira, governos impopulares não são incomuns: José Sarney, por exemplo, amargou baixíssimos níveis de aprovação enquanto a inflação anual se media com quatro dígitos. Por uma crise econômica muito mais modesta, entretanto, Dilma Rousseff se tornou unanimidade na rejeição popular. Não se pode imaginar, assim, que a corrente antipetista tenha origem apenas na frustração nacional devido aos índices gerais de emprego e consumo.
Ao mesmo tempo, também não faz sentido crer na interpretação divulgada por lideranças petistas, segundo as quais as elites nacionais são responsáveis pelo atual humor político. Nesse complô imaginário, essas elites teriam orquestrado praticamente uma rebelião popular por puro despeito, já que a população de baixa renda passou a frequentar aeroportos e universidades, espaços anteriormente exclusivos dos mais abastados. Essa ideia não apenas torna vítima indefesa um dos partidos mais ricos e poderosos que o país já viu nas últimas décadas, como também superestima o poder dessas supostas elites. Trata-se, afinal, de uma simplória tentativa de se gerar apoio político a partir do contexto desfavorável atual: algo como um apostador que, diante do azar no jogo, decide dobrar suas apostas.
Assim, é na estratégia política recente do PT que se deve buscar as raízes do atual ódio antipetista. O conceito de luta de classes, tido como inevitável por Karl Marx no século XIX, foi reduzido pelo PT a um refrão de torcida de futebol: usado para reunir apoio a Dilma enquanto essa perdia popularidade junto à classe média. A lógica era a de garantir o apoio da população de baixa renda, fomentando nessa uma aguda rivalidade em relação à classe média; nesse embate, lideranças como Lula se colocaram como defensores heroicos dos despossuídos. O ódio, afinal, foi solto ao ar em grandes proporções, na expectativa de que essa fúria poderia ser domesticada e controlada a favor do PT.
Com ânimos acirrados, bastou que a crise afetasse o bolso dos mais carentes para que, até esses, desertassem em massa do campo governista; a exaltação dos ânimos se voltou contra que a incentivou. A estratégia petista partiu, também, de um risco potencializado pelo alto grau de exposição que o partido obteve na última década: o PT se tornou vítima de sua própria onipresença quando as coisas começaram a dar errado no Brasil. Patrus Ananias, manso bocaiuvense, sentiu injustamente o peso de todo esse contexto em seu momento de lazer: uma vez no ar, o ódio não escolhe suas vítimas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O populismo nosso de cada dia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As eleições presidenciais nos Estados Unidos devem ocorrer em um ano. Porém, o clima político nesse país já é frenético, em parte devido a um acontecimento incomum: o Partido Republicano, em busca da fórmula para voltar ao poder após oito anos, apresentou a seus filiados nada menos do que quinze pré-candidatos para concorrer à Casa Branca. Participam desse confuso grupo de postulantes figuras tradicionais da política dos EUA, como o ex-governador da Flórida Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes; porém, acabou por despontar um exótico novato, o bilionário Donald Trump.
Chocando o mundo com declarações agressivas e conservadoras, Trump manteve por meses a liderança na preferência dos eleitores republicanos; mesmo perdendo essa posição para o neurocirurgião Ben Carson, analistas locais destacam a pequena vantagem desse sobre Trump, assim como a indecisão de seus apoiadores. Por detrás do fenômeno Donald Trump, está uma dinâmica bastante comum no mundo da política, bem conhecida dos brasileiros: o populismo.
Utilizado por lideranças de todos os matizes ideológicos no século XX, o populismo é caracterizado pela preocupação constante em cativar o eleitor, fazendo da conquista e manutenção do apoio político um fim por si só. Governos e líderes populistas se concentram nas pesquisas de opinião como orientação maior de suas ações e discursos; os projetos que, mesmo impopulares, são necessários, acabam encontrando o fundo de alguma gaveta como destinação final.
Como forma de melhor atingir ao público com sua mensagem sedutora, o líder populista simplifica seu discurso: coloca a si mesmo como referência, falando sempre diretamente com a população; a fala institucional é abandonada, em favor da construção de uma relação pessoal entre o povo e seu líder. Basta ver, nesse sentido, a forma como Donald Trump sempre tem um episódio de sua vida pessoal para contar ao público, servindo como ensinamento para qualquer problema nacional que se esteja discutindo.
O sociólogo alemão Max Weber, um dos maiores nomes desse campo da ciência, descreveu esse tipo de relação como uma “dominação carismática”: se sustenta no estabelecimento de um laço sentimental entre o líder e aqueles que se quer influenciar. Admiração, respeito, amizade ou até amor: são sentimentos fomentados no público pelo líder populista, quando esse se concentra em acompanhar o gosto popular em seus discursos e ações.
A trajetória de sucesso de Donald Trump nos negócios é apresentada ao eleitorado dos EUA como uma sequência de eventos decisivos, nos quais a sagacidade ímpar de seu protagonista foi responsável pelos bons resultados; enfim, o pré-candidato republicano se coloca como um super herói da gestão, dotado da coragem de um caubói de cinema. Esse enredo, típico do início ao fim, é prova de que o populismo não é só um fenômeno internacional, como também continua extremamente atual. Afinal, as metáforas futebolísticas de Lula encontram par até mesmo em um contexto político tão diverso quanto o dos EUA.

Todos os olhos sobre Cunha

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 01/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A divulgação de notícias cada vez mais fundamentadas de que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, mantém recursos não declarados no exterior ameaça mudar o cenário da crise política que atinge o Governo Federal. É consenso entre os analistas políticos dizer que, sob as atuais condições, toda previsão é plausível, até mesmo as mais mirabolantes. O ponto central, por isso, deve ser a importância que se atribuiu à figura de Eduardo Cunha, visto agora como protagonista da cena política de 2015.
Há de se questionar se é mesmo possível que apenas um personagem seja capaz de tamanho tumulto, como o que testemunhamos. Primeiramente, é importante destacar que as relações no âmbito da coalizão governista já vinham se aproximando da ruptura há algum tempo: o rompimento do PSB de Eduardo Campos, em setembro de 2013, indicava que o número de partidos, lideranças e interesses a serem conciliados havia se tornado grande demais, mesmo para um governo que tinha quase 40 ministérios. O potencial para conflito na base governista era latente e antigo, sendo impreciso imputar a Eduardo Cunha o protagonismo da atual rebelião partidária.
O mesmo pode ser dito em relação à Câmara dos Deputados, onde parlamentares governistas acumulavam rancores contra Dilma por motivos que iam desde o atraso nas nomeações de seus indicados para cargos no Governo Federal, até a demora no pagamento das emendas parlamentares. A própria eleição de Cunha, em fevereiro, para a liderança da Casa, pode ser vista como sinal de insatisfação da base governista, e não apenas como fruto de uma capacidade de articulação política extraordinária, que se atribuiu inicialmente ao líder do PMDB fluminense.
A impopularidade da presidente Dilma, atingindo recordes históricos na atual democracia brasileira, pode ser atribuída grandemente à crise econômica que gerou efeitos cada vez mais perceptíveis pela população ao longo de 2015. Também os sucessivos escândalos de corrupção e a própria fadiga da opinião pública em relação aos métodos e discursos do governo, após mais de uma década de gestão petista, podem ser mencionados como causadores do desgaste da imagem de Dilma. Nesse contexto, normalmente, é comum que aliados reflitam sobre a utilidade de permanecer associados a um governo impopular, sob o risco de sofrerem também eles danos em suas imagens pessoais. Assim, quando Cunha se declarou oficialmente como adversário do governo, provavelmente sua única diferença em relação a outras centenas de deputados da base aliada foi a franqueza de seu discurso e os holofotes que esse atraiu. Sua ação, portanto, condiz mais com o comportamento do rebanho, do que com o do pastor.
Uma visão mais ampla do quadro político nacional, portanto, é capaz de colocar em perspectiva o protagonismo de Eduardo Cunha em relação aos eventos do turbulento ano de 2015. Seu futuro pessoal, em risco pelo envolvimento com o escândalo da Petrobrás, não melhora em quase nada as perspectivas políticas do governo de Dilma Rousseff.