segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Combatendo apenas os sintomas

por Paulo Diniz
(postado na edição de 27/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A definição do STF sobre pontos do rito de impeachment pode ser vista, do ponto de vista estratégico, como uma vitória do governo. A proibição do voto secreto no processo de impedimento da presidente, por exemplo, muda muito o panorama na Câmara dos Deputados: a insatisfação que se acumula há anos nessa Casa, responsável até pela eleição de Eduardo Cunha para seu comando, terá mais dificuldade para se expressar. Cada deputado será obrigado a assumir seu oposicionismo, arriscando sofrer as retaliações de praxe. Esse tipo de medida, determinada pelo Judiciário, ataca os sintomas mas deixa intactas as causas da crise política atual: dificultar a atuação dos deputados insatisfeitos não os torna felizes, apenas os obriga a procurar uma nova maneira de expressar sua frustração.
Sendo o PMDB o ponto central da atual conjuntura política, é possível dizer que a abordagem feita por Dilma em relação a esse partido está em algum lugar entre o amadorismo e o desrespeito. É fato que o PMDB é dono de um apetite gigantesco por cargos, mas acreditar que um punhado de nomeações seria suficiente para apaziguar o partido foi uma leitura superficial da situação. O que o PMDB deseja, e não recebeu, é a participação efetiva no exercício do poder: foi o que quis dizer Michel Temer quando disse, em sua carta à presidente, ter sido relegado a um papel “decorativo”.
Considerando que na equipe de coordenação política de Dilma Rousseff exista alguém sensível a ponto de perceber esse contexto, porque então seria tão difícil ao governo petista compartilhar parte do poder? A partir de falas e atos de lideranças do PT, é possível conjecturar que o principal obstáculo é a própria concepção de democracia que predomina nas mentes e instituições petistas. Basicamente, o PT trata por democracia a simples ideia de maioria nas urnas: a partir dessa, o “vencedor” teria direito a todo o butim que restou da “batalha” eleitoral.
Essa noção superficial da democracia, portanto, impede que o governo perceba as consequências práticas do apertado resultado das urnas de 2014: se Dilma venceu por uma margem mínima acima da metade dos votos, significa que sua gestão não foi desejada pela outra metade do eleitorado; qualquer outro observador esperaria, portanto, forte rejeição ao governo desde o início. Não há como esperar que os eleitores tucanos esquecessem suas insatisfações e se tornassem, automaticamente, fieis ao novo governo petista após a apuração das urnas: toda essa insatisfação, em uma democracia representativa, adentra o sistema político e alimenta a crise que temos hoje.
Dividir poder e buscar compor com quem faz oposição são duas ações vitais para a sobrevivência do governo, mas que até agora sequer foram ensaiadas por Dilma e sua equipe política. Esses, aliás, se agarram aos números quase cabalísticos que saíram das urnas, como se a mera existência desses trouxesse cura a todos os males políticos; ignoram o quão dinâmica é a política, e indiferente aos frios papeis emanados do Judiciário.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Um problema chamado "Senado Federal"

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Frequentemente, como no momento atual de tramitação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o debate político se concentra sobre a instituição do Senado Federal, com destaque sobre algumas de suas distorções. Tão acalorada é a discussão, que recentemente um membro eleito dessa Casa, Cristovam Buarque, se declarou favorável à sua extinção.
Do ponto de vista institucional, na Federação brasileira, o Senado cumpre um papel indispensável: representa, igualmente, a todos os estados, garantindo que os interesses dos menos populosos sejam tão ouvidos quanto as vontades dos mais populosos e ricos. É o Senado que garante que Minas Gerais e o Amapá tenham a mesma presença em Brasília, já que cada um conta com três senadores; a importância dessa equiparação surge quando se vê que, na Câmara dos Deputados, cujo critério de representatividade é a proporcionalidade populacional, Minas pode eleger 53 deputados federais, enquanto os amapaenses elegem apenas oito.
A justificativa da existência do Senado, inquestionável para um país com as dimensões do Brasil, todavia não é suficiente para sanar as deficiências do funcionamento dessa Casa Legislativa. O critério de escolha de seus membros, por exemplo, é constantemente criticado: assim como os governadores, os senadores são escolhidos em eleição majoritária, tendo direito a dois “vices”, chamados suplentes. Porém, os suplentes costumam ser personagens de menor destaque público, cujas trajetórias apenas vêm à luz quando esses assumem o posto do titular eleito. Alguns anos atrás, por exemplo, figurou como representante de Minas o notoriamente carioca Wellington Salgado, durante o período no qual o titular Hélio Costa comandava do Ministério das Comunicações. Ante o insólito da situação, investigações da imprensa apuraram que sequer o domicílio eleitoral de Salgado em Minas era verdadeiro: tratava-se de um imóvel comercial, na cidade de Araguari, onde era desconhecido o político praiano.
Como solução, hoje, há quem sugira para o Senado a mesma regra vigente para a Câmara dos Deputados, a proporcionalidade: na ausência do mais votado, assumiria o segundo preferido das urnas. Sob essa lógica, imagina-se, teria-se necessariamente personalidades políticas de destaque e reconhecimento da população representando seu estado. Consideremos, entretanto, que em 2010 foram disputadas duas vagas ao Senado, tendo sido eleitos os ex-governadores Aécio Neves e Itamar Franco. Falecido após cumprir o primeiro dos oito anos de mandato, Itamar teria cedido seu posto ao terceiro mais votado, Fernando Pimentel, caso em voga a regra da proporcionalidade. Como o petista foi eleito governador em 2014, sua vaga no Senado teria sido transferida em definitivo para o pouco conhecido Zito Vieira, preferido por apenas 7% dos mineiros.
Garantir a representatividade dos senadores segue sendo um desafio. Porém, maior do que esse, só mesmo a tarefa de convencer um senador legitimamente mineiro a trocar as areias da orla carioca pela poeira das Alterosas.

Os áulicos e a faixa

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/12/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, chamou a atenção da imprensa uma faixa que ornamentava o encontro nacional de jovens petistas: nessa, eram chamados “heróis do povo brasileiro” a lideranças do PT condenadas no processo do mensalão ou detidas devido às investigações na Petrobras. Segundo jornalistas bem informados, a exposição da faixa causou constrangimento nas principais lideranças petistas, exatamente por trazer à tona os dois episódios mais polêmicos da história do PT. Do ponto de vista estratégico, esse raciocínio faz todo sentido, o que torna interessante questionar a lógica que pode ter animado o comportamento dos imberbes petistas.
Inicialmente, podemos tomar a faixa em seu sentido literal: a juventude petista realmente acredita que figuras como Delúbio Soares e João Vaccari Neto prestaram serviços inestimáveis ao povo brasileiro, merecendo por isso a alcunha de heróis. Nesse caso, nada há de surpreendente: nas redes sociais, hoje encontra-se defensores de figuras como o líder comunista cambojano Pol Pot, responsável pelo genocídio de metade da população de seu próprio país. O que surpreende, entretanto, é que um partido dotado da estrutura institucional, acesso a recursos e experiência de poder que caracterizam o PT, ainda abrigue quadros tão alheios à realidade do século XXI.
Outra interpretação possível parte do pressuposto de que os jovens petistas pouco se importam com a culpa das lideranças partidárias nos escândalos de corrupção. O objetivo é mostrar fidelidade ao partido, defendendo sua chefia sob quaisquer condições. Registre-se, portanto, a grande medida na qual o senso se oportunidade foi superado pela devoção ao partido, o que torna tais jovens mais um risco do que um recurso para o PT.
Sendo mais factível a segunda interpretação, então outros acontecimentos passam a fazer sentido. O toque messiânico e a certeza de perfeição, com os quais Lula reveste seus atos, fazem total sentido quando se leva em consideração a numerosa equipe de apoiadores, sempre presente em torno do poder, cuja única função é a de elogiar o líder.
Bajuladores em tempo integral não são novidade ou exclusividade petista. No século XIX, Dom Pedro II convivia com um grupo de pessoas que, da mesma forma que a juventude petista do século XXI, fazia de sua presença um elogio constante. Eram chamados áulicos, em um refinamento linguístico para evitar termo chulo. A visão de mundo “maravilhosa”, oferecida pelos áulicos, obstruiu no Imperador a percepção do mundo real: por exemplo, a preparação de um sucessor à altura só foi priorizada tarde demais por Dom Pedro II, sendo esse um dos motivos que levaram à queda da Monarquia Constitucional.
Guardadas as devidas proporções no que tange à importância histórica de cada um, Lula se vê envolvido em uma dinâmica semelhante já há alguns anos: pensa e reage nos limites da realidade que pintam seus jovens áulicos, um mundo povoado por conspirações terríveis da imprensa, em conluio com o poderoso PSDB. Falta saber, apenas, como e quando virá sua queda.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Uma vitória e uma esperança

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As eleições presidenciais na Argentina, marcadas pela vitória de Maurício Macri, foram acompanhadas com interesse ao redor do mundo. Esperava-se que o resultado das urnas pudesse indicar uma perspectiva de superação da crise econômica que assola o país, de forma quase ininterrupta, desde 2001. As expectativas internacionais, assim, reproduziram o tom que marcou a campanha: a dicotomia entre a eficiência do Estado e a concessão de benefícios à população de baixa renda; em termos econômicos, seria a oposição entre a permanência da instabilidade econômica, fundada em uma política de gastos públicos mais generosa, ou a adoção de um roteiro de estabilização, que necessariamente demandaria sacrifícios da sociedade como um todo.
Esses extremos, que simplificam absurdamente a realidade, servem como exemplo da maneira como se opõem direita e esquerda em muitos países do continente: através de um embate de slogans e imagens, de fácil compreensão, mas destituídos de conteúdo. No caso argentino, o candidato apoiado por Cristina Kirchner, o derrotado Daniel Scioli, tentou com todas as forças associar a imagem de seu adversário com o período neoliberal vivido pelo país nos anos 1990, que culminou na terrível crise de 2001. Mais do que isso, Scioli reforçou a mensagem simplista ao retratar Macri como obediente aos interesses dos credores norte-americanos, e mais ainda, tentou desqualifica-lo por suas origens de família rica e empresário de sucesso. Assim, necessariamente, apenas o pedigree governista tornaria um candidato apto a lidar com os problemas sociais do país.
Por sua vez, Macri buscou mostrar-se sensível às crescentes desigualdades sociais argentinas. Mas, principalmente, sua mensagem esteve centrada na eficiência do Estado e no equilíbrio das contas públicas, um discurso referendado pela sua boa gestão como prefeito de Buenos Aires.
Importa perceber, entretanto, a maneira como as plataformas de ambos os candidatos necessariamente se excluíam: o argentino se viu entre a opção por um Estado ineficiente que oferece benefícios sociais, ou um Estado competente porém insensível ao povo. A pobreza das mensagens eleitorais não só enfraquece as propostas, como também reduz a profundidade das promessas que, depois da votação, o vitorioso terá que cumprir.
Resta saber o que mais motivou a população argentina a eleger Macri: sua ênfase na recuperação econômica ou sua promessa secundária de manter as políticas sociais dos governos Kirchner. Na medida que o novo presidente se empenhar na realização de uma plataforma de governo conciliatória, e assim atender às necessidades da maioria, poderá contribuir para a superação de uma polarização política que muito já castigou a população sul-americana. Ter que escolher entre eficiência e estabilização, por um lado, e políticas sociais por outro, é um dilema cruel. Se concretizada essa hipótese, quiçá o Brasil possa buscar nela inspiração para combinar os pontos positivos de PT e PSDB, deixando de lado seus respectivos defeitos.

Os traumas da França

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 22/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A gravidade dos atentados ocorridos na França em 13 de novembro permite que se diga, sem medo de errar, que esses eventos constituirão um trauma nacional. O alvo do Estado Islâmico, se não escolhido para gerar impacto simbólico, todavia o fez: a boa vida noturna, tão valorizada pelo parisiense, foi a primeira vítima dos disparos dos extremistas. Ao tirar o hedonismo do primeiro plano, os franceses são forçados a encarar uma dura realidade: há uma guerra em andamento no Oriente Médio, e todos que se relacionam com essa estão sujeitos às suas consequências. O comportamento francês, representado tanto por seu governo quanto pelo povo, vinha tentando ignorar essa realidade desde janeiro de 2015, quando ocorreram os ataques ao jornal Charlie Hebdo. A opção pela continuidade da “vida normal” predominou na França, algo que demorou alguns anos para se reestabelecer nos Estados Unidos após os atentados de 2001.
Essa atitude remonta diretamente a outro trauma nacional francês: a invasão da França pela Alemanha em 1940. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o governo liderado por Hitler crescia em popularidade ao fomentar o desejo de vingança no povo alemão: a França, logo ao lado, era o principal alvo de seu discurso de ódio, responsabilizada pela decadência enfrentada pela Alemanha após o fim da Primeira Guerra Mundial. O primeiro sinal de que o discurso viraria prática veio em 1936, quando tropas de Hitler ocuparam a região alemã da Renânia, vizinha à França, porém desmilitarizada desde o armistício de 1918. O primeiro sinal de perigo foi deixado de lado, assim como ocorreria em janeiro de 2015.
Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, a França confiou nos números para se resguardar: tendo um número maior de tropas e uma barreira em sua fronteira com a Alemanha, os franceses mantiveram-se entretidos com as rivalidades político-partidárias usuais, alheios ao perigo eminente. Em maio de 1940 o pior aconteceu: usando equipamentos modernos e estratégias militares inovadoras, a Alemanha demorou apenas 40 dias para derrotar e ocupar sua rival histórica, a França. Maior trauma da história francesa recente, a ocupação alemã durou até 1945 e só foi encerrada pela intervenção dos Estados Unidos.
O evento deveria ter servido de exemplo de que valores e intenções, por nobres que sejam, não são capazes de se fazer valer por si mesmos: é necessária a força, em seu sentido mais primal, para sustentar ideias. Por mais que se discutam as causas profundas dos ataques de 13 de novembro, muitas ligadas à pobreza e à discriminação dos muçulmanos da França, não se pode deixar de tomar medidas para evitar suas consequências.
Uma sociedade como a francesa, que tem se mostrado incapaz de produzir consenso até mesmo diante das mais graves ameaças, tem muito que pensar sobre o futuro. Resta saber qual tipo de argumento seria capaz de levar a França, país de origem de boa parte da filosofia política Ocidental, à ação prática, deixando de lado o embate estéril entre correntes filosóficas.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O ódio está no ar

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 15/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Chama a atenção, nos últimos 12 meses, a ocorrência de episódios nos quais figuras eminentes do PT são hostilizadas em ambientes públicos. O caso mais recente envolveu o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, em um conhecido bar de Belo Horizonte. Pacífico como poucos e nunca relacionado em qualquer dos escândalos de corrupção de seu partido, Patrus pagou pelo extremo grau de desgaste que atinge o PT, o que configura mesmo uma onda de ódio contra o partido.
Na recente história democrática brasileira, governos impopulares não são incomuns: José Sarney, por exemplo, amargou baixíssimos níveis de aprovação enquanto a inflação anual se media com quatro dígitos. Por uma crise econômica muito mais modesta, entretanto, Dilma Rousseff se tornou unanimidade na rejeição popular. Não se pode imaginar, assim, que a corrente antipetista tenha origem apenas na frustração nacional devido aos índices gerais de emprego e consumo.
Ao mesmo tempo, também não faz sentido crer na interpretação divulgada por lideranças petistas, segundo as quais as elites nacionais são responsáveis pelo atual humor político. Nesse complô imaginário, essas elites teriam orquestrado praticamente uma rebelião popular por puro despeito, já que a população de baixa renda passou a frequentar aeroportos e universidades, espaços anteriormente exclusivos dos mais abastados. Essa ideia não apenas torna vítima indefesa um dos partidos mais ricos e poderosos que o país já viu nas últimas décadas, como também superestima o poder dessas supostas elites. Trata-se, afinal, de uma simplória tentativa de se gerar apoio político a partir do contexto desfavorável atual: algo como um apostador que, diante do azar no jogo, decide dobrar suas apostas.
Assim, é na estratégia política recente do PT que se deve buscar as raízes do atual ódio antipetista. O conceito de luta de classes, tido como inevitável por Karl Marx no século XIX, foi reduzido pelo PT a um refrão de torcida de futebol: usado para reunir apoio a Dilma enquanto essa perdia popularidade junto à classe média. A lógica era a de garantir o apoio da população de baixa renda, fomentando nessa uma aguda rivalidade em relação à classe média; nesse embate, lideranças como Lula se colocaram como defensores heroicos dos despossuídos. O ódio, afinal, foi solto ao ar em grandes proporções, na expectativa de que essa fúria poderia ser domesticada e controlada a favor do PT.
Com ânimos acirrados, bastou que a crise afetasse o bolso dos mais carentes para que, até esses, desertassem em massa do campo governista; a exaltação dos ânimos se voltou contra que a incentivou. A estratégia petista partiu, também, de um risco potencializado pelo alto grau de exposição que o partido obteve na última década: o PT se tornou vítima de sua própria onipresença quando as coisas começaram a dar errado no Brasil. Patrus Ananias, manso bocaiuvense, sentiu injustamente o peso de todo esse contexto em seu momento de lazer: uma vez no ar, o ódio não escolhe suas vítimas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O populismo nosso de cada dia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 08/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As eleições presidenciais nos Estados Unidos devem ocorrer em um ano. Porém, o clima político nesse país já é frenético, em parte devido a um acontecimento incomum: o Partido Republicano, em busca da fórmula para voltar ao poder após oito anos, apresentou a seus filiados nada menos do que quinze pré-candidatos para concorrer à Casa Branca. Participam desse confuso grupo de postulantes figuras tradicionais da política dos EUA, como o ex-governador da Flórida Jeb Bush, filho e irmão de ex-presidentes; porém, acabou por despontar um exótico novato, o bilionário Donald Trump.
Chocando o mundo com declarações agressivas e conservadoras, Trump manteve por meses a liderança na preferência dos eleitores republicanos; mesmo perdendo essa posição para o neurocirurgião Ben Carson, analistas locais destacam a pequena vantagem desse sobre Trump, assim como a indecisão de seus apoiadores. Por detrás do fenômeno Donald Trump, está uma dinâmica bastante comum no mundo da política, bem conhecida dos brasileiros: o populismo.
Utilizado por lideranças de todos os matizes ideológicos no século XX, o populismo é caracterizado pela preocupação constante em cativar o eleitor, fazendo da conquista e manutenção do apoio político um fim por si só. Governos e líderes populistas se concentram nas pesquisas de opinião como orientação maior de suas ações e discursos; os projetos que, mesmo impopulares, são necessários, acabam encontrando o fundo de alguma gaveta como destinação final.
Como forma de melhor atingir ao público com sua mensagem sedutora, o líder populista simplifica seu discurso: coloca a si mesmo como referência, falando sempre diretamente com a população; a fala institucional é abandonada, em favor da construção de uma relação pessoal entre o povo e seu líder. Basta ver, nesse sentido, a forma como Donald Trump sempre tem um episódio de sua vida pessoal para contar ao público, servindo como ensinamento para qualquer problema nacional que se esteja discutindo.
O sociólogo alemão Max Weber, um dos maiores nomes desse campo da ciência, descreveu esse tipo de relação como uma “dominação carismática”: se sustenta no estabelecimento de um laço sentimental entre o líder e aqueles que se quer influenciar. Admiração, respeito, amizade ou até amor: são sentimentos fomentados no público pelo líder populista, quando esse se concentra em acompanhar o gosto popular em seus discursos e ações.
A trajetória de sucesso de Donald Trump nos negócios é apresentada ao eleitorado dos EUA como uma sequência de eventos decisivos, nos quais a sagacidade ímpar de seu protagonista foi responsável pelos bons resultados; enfim, o pré-candidato republicano se coloca como um super herói da gestão, dotado da coragem de um caubói de cinema. Esse enredo, típico do início ao fim, é prova de que o populismo não é só um fenômeno internacional, como também continua extremamente atual. Afinal, as metáforas futebolísticas de Lula encontram par até mesmo em um contexto político tão diverso quanto o dos EUA.

Todos os olhos sobre Cunha

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 01/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A divulgação de notícias cada vez mais fundamentadas de que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, mantém recursos não declarados no exterior ameaça mudar o cenário da crise política que atinge o Governo Federal. É consenso entre os analistas políticos dizer que, sob as atuais condições, toda previsão é plausível, até mesmo as mais mirabolantes. O ponto central, por isso, deve ser a importância que se atribuiu à figura de Eduardo Cunha, visto agora como protagonista da cena política de 2015.
Há de se questionar se é mesmo possível que apenas um personagem seja capaz de tamanho tumulto, como o que testemunhamos. Primeiramente, é importante destacar que as relações no âmbito da coalizão governista já vinham se aproximando da ruptura há algum tempo: o rompimento do PSB de Eduardo Campos, em setembro de 2013, indicava que o número de partidos, lideranças e interesses a serem conciliados havia se tornado grande demais, mesmo para um governo que tinha quase 40 ministérios. O potencial para conflito na base governista era latente e antigo, sendo impreciso imputar a Eduardo Cunha o protagonismo da atual rebelião partidária.
O mesmo pode ser dito em relação à Câmara dos Deputados, onde parlamentares governistas acumulavam rancores contra Dilma por motivos que iam desde o atraso nas nomeações de seus indicados para cargos no Governo Federal, até a demora no pagamento das emendas parlamentares. A própria eleição de Cunha, em fevereiro, para a liderança da Casa, pode ser vista como sinal de insatisfação da base governista, e não apenas como fruto de uma capacidade de articulação política extraordinária, que se atribuiu inicialmente ao líder do PMDB fluminense.
A impopularidade da presidente Dilma, atingindo recordes históricos na atual democracia brasileira, pode ser atribuída grandemente à crise econômica que gerou efeitos cada vez mais perceptíveis pela população ao longo de 2015. Também os sucessivos escândalos de corrupção e a própria fadiga da opinião pública em relação aos métodos e discursos do governo, após mais de uma década de gestão petista, podem ser mencionados como causadores do desgaste da imagem de Dilma. Nesse contexto, normalmente, é comum que aliados reflitam sobre a utilidade de permanecer associados a um governo impopular, sob o risco de sofrerem também eles danos em suas imagens pessoais. Assim, quando Cunha se declarou oficialmente como adversário do governo, provavelmente sua única diferença em relação a outras centenas de deputados da base aliada foi a franqueza de seu discurso e os holofotes que esse atraiu. Sua ação, portanto, condiz mais com o comportamento do rebanho, do que com o do pastor.
Uma visão mais ampla do quadro político nacional, portanto, é capaz de colocar em perspectiva o protagonismo de Eduardo Cunha em relação aos eventos do turbulento ano de 2015. Seu futuro pessoal, em risco pelo envolvimento com o escândalo da Petrobrás, não melhora em quase nada as perspectivas políticas do governo de Dilma Rousseff.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Um impeachment de papel

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/10/2015 de O Tempo, Belo Horizonte - Minas Gerais)

O cenário político nacional vem se polarizando de forma surpreendente nas últimas semanas, à medida que se torna cotidiano o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff. A palavra impeachment, tida como heresia poucos meses atrás, hoje passeia com desenvoltura por discursos governistas e oposicionistas, marcando a primeira grande derrota petista: enquanto o afastamento de Dilma se torna o ponto central do debate político, em torno do qual cabe a cada um se posicionar, o governo fica preso em uma armadilha na qual só pode atuar defensivamente; o melhor resultado possível não é a vitória, mas um empate.
Curiosamente, a escalada do impeachment não tem ocorrido a partir de discursos ou ações extremadas, mas de um sutil enfrentamento de caráter jurídico e burocrático: uma avalanche de forças e interesses políticos fica suspensa, indefinidamente, até que se produzam sentenças, pareceres ou protocolos que se acreditam ser cruciais para o prosseguimento da carnificina política que definirá a continuidade do governo de Dilma Rousseff.
Serve de exemplo o anticlímax ocorrido recentemente, no qual o STF suspendeu o rito de impeachment definido por Eduardo Cunha, levando o presidente da Câmara dos Deputados a sustar a aceitação de um pedido de afastamento da presidente. Dessa forma, acontecimentos de enorme importância foram cancelados, ou adiados, devido ao receio de que a falta de uma chancela judicial ou técnica ao processo de impeachment possa manchá-lo com as cores da ilegalidade.
O ponto principal, portanto, é a extrema preocupação de todos em relação às aparências que terão as medidas que se quer tomar. O afastamento de Dilma tem que parecer o mais técnico e apolítico possível: a seus autores, portanto, interessa posar no papel de simples executores de ordens imparciais que emanam de um poder neutro. Querem conduzir um processo de impeachment sem parecer ávidos ou “sujar as mãos”: considerando sua natureza eminentemente política, independente do mérito, trata-se de objetivo impossível de ser cumprido dessa forma.
Quanto ao campo governista, por sua vez, resta saber como poderá reagir quando alguma ofensiva jurídico-burocrática ameaçar causar danos reais à administração de Dilma Rousseff: aceitarão tranquilamente abrir mão do poder diante de simples trocas de despachos entre o Legislativo e o Judiciário federais? Tendo o comando do aparato estatal em mãos, será possível resistir à tentação de usá-lo em favor próprio, repudiando uma institucionalidade que não reconhecem como válida? Trata-se de um questionamento extremamente válido, já que não foram poucas as promessas, feitas por lideranças petistas, no sentido de promover uma resistência extremada àquilo que denominam como tentativas de golpe de Estado.
Não necessariamente, ambas as partes dessa disputa pelo poder estão falando a mesma língua e, principalmente, estariam dispostas a se enfrentar pelas mesmas regras: um impeachment “de papel” pode encontrar pela frente uma resistência de ferro e fogo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O especulador

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 18/10/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Ministro das Cidades e ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab vem causando alvoroço na cena política ao pressionar pela criação de mais um partido, o Liberal. Trata-se da segunda vez, em quatro anos, na qual Kassab adota a mesma estratégia para incrementar seu prestígio: não apenas busca criar um partido, como também recupera o nome de uma agremiação extinta.
Em 2011, o nome do antigo partido que abrigou figuras como Juscelino Kubitschek foi usado para batizar a agremiação articulada por Kassab em sua saída do Democratas. O “novo” PSD, pensado a partir dos desvãos da legislação eleitoral, pode ser considerado um sucesso pelo critério de seu mentor: recebeu a adesão de vários políticos com mandato, já que o surgimento de um novo partido é situação na qual a migração partidária é autorizada sem o risco de perda do cargo eletivo. Cacifado pela constelação que reuniu, Gilberto Kassab entrou para a base do governo de Dilma Rousseff pela porta da frente: de político sem mandato filiado a um decadente partido de oposição, passou a comandar uma das pastas de maior orçamento do Governo Federal.
A política, entretanto, segue em muitos aspectos as regras inexoráveis da economia, segundo as quais a riqueza que se produz de forma especulativa costuma ter fôlego curto. Ao testar as regras do jogo partidário, Kassab produz mais uma aparência de poder do que, de fato, os fatores estruturais que fazem com que as lideranças partidárias sejam respeitadas e tenham seu apoio cobiçado. Assim, se o que levou muitos políticos a aderir ao PSD foi a conveniência pessoal na manutenção de suas carreiras, nada há nessa equação que obrigue os novos integrantes desse partido a submeterem seus planejamentos eleitorais à liderança de Kassab; afinal, uma constelação de nomes não forma um partido coeso. Se instado a agir como grupo coordenado, em favor do governo, em alguma situação que gere desgaste político, é provável que o PSD se constitua como uma decepção para Dilma.
Tenso como anda o quadro político brasileiro, com o PMDB cada vez mais se colocando como pretendente ao comando do Governo Federal, não poderia haver momento mais inoportuno para um novo malabarismo institucional de Gilberto Kassab. A recriação do PL, mesmo que ainda pendente de autorização por parte do Superior Tribunal Eleitoral, foi vista como um desafio à posição de conforto ocupada pelo PMDB; pior, esse movimento tem sido atribuído também à cúpula petista, beneficiária que seria da criação de uma bancada de apoio parlamentar mais dócil. Ameaçado na própria raiz de seu poder, o PMDB pode se unir em nome da autodefesa, adotando postura ainda mais agressiva em relação ao Planalto.

Os efeitos da especulação político-partidária podem extrapolar em muito os interesses diretos de seus articuladores iniciais: assim como Eike Batista enfrenta hoje uma amarga derrocada, consequência de suas manipulações no mercado financeiro, também Gilberto Kassab parece construir para si, no futuro, uma estrondosa bancarrota política.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Márcio Lacerda: No caminho para Barbacena

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 09/10/2015 do Correio de Uberlândia - Uberlândia, Minas Gerais - e na de 11/10/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A filiação do prefeito de Barbacena, Toninho Andrada, ao PSB de Márcio Lacerda foi notícia que não produziu repercussão no noticiário político recente. Compreende-se, uma vez que essa aconteceu em meio a várias outras trocas de partido, por parte de políticos de destaque, com vistas às eleições de 2016. A migração de Andrada, porém, tem significado maior do que se pode perceber, principalmente porque parece fazer parte de um movimento amplo, voltado para a campanha estadual de 2018, e não apenas ligado às disputas locais do ano que vem.
Inicialmente, é preciso considerar o fator simbólico envolvido: os Andradas constituem uma das mais antigas e influentes famílias políticas de Minas Gerais e do Brasil, sendo difícil nomear um evento histórico que não tenha contado com a participação decisiva de um dos membros do clã. Desde a Independência do Brasil, articulada pelo patriarca da família, passando pela Revolução de 1930, que tinha um Andrada no governo mineiro e que só teve início a partir de sua aprovação: o poder e a habilidade política fazem parte da definição dessa família.
Entretanto, além do apoio qualificado que Márcio Lacerda ganha na articulação de seu grupo político, mais importante é atentar para o fato de que o prefeito da Capital está estabelecendo uma importante base de poder fora da Região Metropolitana de Belo Horizonte, área na qual já é conhecido e popular. O sucesso desse movimento será visto no futuro, a partir da definição das lideranças municipais que ocorrerá em 2016; porém, o mais importante já se pode identificar: o interesse de Lacerda em construir uma candidatura competitiva para disputar o comando de Minas. Complexa como é a política mineira, só se pode pleitear de fato o Palácio da Liberdade quando se tem presença nas dez regiões mineiras; o destaque obtido em Belo Horizonte não se transfere ao interior.
A estratégia estadual de Márcio Lacerda, da qual se pode ver indícios cada vez mais numerosos com o tempo, transcende o campo da simples especulação sobre as perspectivas pessoais de poder das principais lideranças políticas do Estado: envolve, principalmente, o reequilíbrio do jogo de forças da atual oposição ao governo petista de Fernando Pimentel. Em 2014, Lacerda não pôde contar com o apoio do PSDB de Aécio Neves, optando por permanecer na prefeitura de Belo Horizonte, após um certo período de suspense e hesitação: abortou suas pretensões estadualistas que, mesmo nunca assumidas, sempre foram mal disfarçadas. A se confirmar o crescimento do PSB de Márcio Lacerda no interior mineiro, é possível prever a relação entre esse e Aécio em outros termos em 2018: considerando o distanciamento do senador em relação ao cotidiano da política em suas bases eleitorais, é provável que esse acabe sendo o recebedor, e não mais o provedor, de apoio eleitoral na próxima disputa estadual. A reconstrução do grupo político que fará frente ao PT em 2018 pode ocorrer sob uma nova liderança, diferente da que predominou em Minas entre 2003 e 2014.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Tinha uma Hungria no meio do caminho

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 04/10/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Os refugiados que caminham pela Europa em busca de vida melhor têm marcado o mundo pelas imagens emblemáticas produzem. O corpo do menino sírio Aylan, afogado enquanto sua família tentava chegar à Grécia, comoveu governos e multidões, gerando uma onda de apoio aos outros milhares de pessoas que se dirigem, sobretudo, à Alemanha e Suécia. Dessa tragédia, enfim, nasceram solidariedade e compaixão. Outra imagem se deu em território europeu: a cinegrafista húngara Petra Lazslo derrubava e chutava refugiados sírios, ao mesmo tempo em que registrava a fuga desesperada desses, caçados polícia da Hungria. O mundo despertou para a brutalidade do governo da Hungria, assim como do povo que o apoia.
Membro recente da União Europeia, pois aderiu ao bloco em 2004, a Hungria ergueu uma cerca ao longo de toda a fronteira com a Sérvia, principal rota de passagem dos refugiados. Como essa medida não surtiu efeito, o governo húngaro adotou postura mais enérgica: criou legislação criminal voltada para coibir a entrada ilegal de pessoas no país, deslocando juízes para as áreas de fronteira com o intuito punir com mais rapidez os refugiados. Prefeituras de várias cidades húngaras têm aconselhado seus habitantes a não fazer contato com os refugiados, sob a alegação de que esses seriam portadores de doenças contagiosas; tropas deslocadas para as áreas de fronteira já usaram canhões de água e spray de pimenta para dispersar multidões exaustas e repletas de crianças.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, argumenta estar defendendo os valores e o modo de vida europeu, fingindo ignorar quão recente é a própria presença de seu país na UE. Orquestrando toda essa ação brutal, o líder da Hungria viu sua popularidade crescer junto à população desde o meio do ano, o que pode ser interpretado como o consentimento do eleitorado à maneira como seu governo vem lidando com a crise humanitária. A retórica nacionalista, portanto, ganhou mais força, com acusações de que o país se encontra sob ameaça de uma invasão estrangeira, e a promessa de que a cerca anti-refugiados será estendida também para a divisa com a Croácia. No mesmo sentido, o governo de Orban tem custeado anúncios, de página inteira, nos jornais de maior circulação do Líbano e da Jordânia, avisando aos refugiados que se encontram ainda nesses países para que não se dirijam à Hungria, uma vez que lá chegando, serão presos.
O desgaste sofrido pela Hungria no cenário internacional tem sido enorme, algo que deveria ser levado em conta por um país que tem cerca de 9% de seu PIB originado no setor de turismo. Em 2014 apenas, quase 32.000 brasileiros visitaram a Hungria, segundo dados do governo desse país. A julgar pela onipresença de cercas, tropas e dificuldade de movimentos, certamente milhares de pessoas irão pensar duas vezes antes de visitar um país que se assemelha cada vez mais com a Faixa de Gaza: um destino que, apesar das belas praias mediterrâneas, está longe de ser considerado como sinônimo de bem estar e relaxamento.

domingo, 27 de setembro de 2015

Ajuste fiscal: uma questão de compromisso

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 27/09/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A perda do grau de investimento pelo Brasil, na opinião da agência de classificação de risco Standard & Poor’s, foi decisivamente influenciada pelo cenário político nacional. Na análise dos norte-americanos da S & P, o Congresso Nacional tem relutado em aprovar os ajustes propostos pelo governo, às vezes até elevando o nível de despesas públicas. O desacerto entre Dilma Rousseff e o PMDB, assim como a deserção formal e informal da maior parte dos partidos da base governista, se tornaram obstáculos significativos para a execução da política econômica escolhida pelo governo: o anúncio de um novo imposto foi respondido pelo presidente da Câmara dos Deputados com um lembrete de que o governo não conta com o apoio suficiente para aprovar medidas impopulares. De fato, defender maior taxação sobre os cidadãos, em época de recessão, implica em um grande risco de não ser reeleito para os deputados, que dependem de votos para se manter em atividade.
Esperar que um grande número de parlamentares arrisque suas carreiras em nome da fidelidade governista não é um dilema recente. Tratando do período que vai do final da década de 1950 ao final dos anos 1960, a socióloga Lourdes Sola fez uma importante análise a respeito do descompasso entre os poderes Executivo e Legislativo, responsável em grande medida pela crise econômica que afetou o Brasil nesse período. Desde meados do governo de Juscelino Kubitschek, a aceleração do endividamento público e da inflação demandavam do governo federal medidas que, se não eram impopulares, com certeza esfriariam a euforia da população pelo rápido desenvolvimento nacional. Os governos seguintes, de Jânio Quadros e João Goulart, também se viram pressionados pelo mesmo dilema, porém sem contar com os altos índices de popularidade que ajudavam a sustentar JK. Lourdes Sola mostra que, sempre que instada a decidir entre a estabilização da economia e a defesa da própria carreira, a classe política nacional optou pela segunda, abandonando sucessivos pacotes de medidas para controle da inflação e do gasto público. Merece destaque o Legislativo, instância na qual a responsabilidade pelos erros é diluída entre centenas de tomadores de decisão. Dessa forma, há menos constrangimento em buscar os próprios interesses, desde que todos mais estejam fazendo o mesmo. As medidas impopulares de estabilização econômica só foram de fato executadas após o golpe militar de 1964, quando o Congresso já havia sido profundamente cerceado pelos expurgos e ameaças do novo regime.
De volta a 2015, em plena vigência da democracia representativa, todo o dinamismo da política parlamentar conspira contra Dilma Rousseff e Joaquim Levy. A declaração de Eduardo Cunha, de que o novo imposto não será aprovado, faz mais sentido como uma simples constatação, do que como a ameaça de um opositor que muitos acreditaram escutar. Os avaliadores norte-americanos, que em 2008 falharam ao prever a crise do sistema financeiro dos EUA, nesse ponto têm mesmo motivos concretos para temer.

Uma incrível confusão na Síria

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 20/09/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

O drama dos refugiados sírios, que buscam chegar aos países mais ricos da Europa, tem atraído a atenção de todo o mundo. Entretanto, mesmo as dimensões dessa tragédia humanitária não são capazes de refletir a gravidade da situação que aflige hoje a Síria. É tamanho o número de forças e interesses envolvidos nesse país, que se torna muito difícil prever quando ou como os enfrentamentos podem ter fim.
Começando pelo fato mais recente: o engajamento militar da Turquia, compondo a força aérea multinacional, liderada pelos Estados Unidos, e também enviando tropas terrestres para ações pontuais. Além de colaborar no combate aos extremistas do Estado Islâmico, os turcos trouxeram ao campo de batalha sírio mais um complicador político do que uma ajuda militar: realizam também ataques às forças curdas, principais antagonistas do EI, mas que já mantinham um enfrentamento armado em relação à Turquia há alguns anos, pois lutam pelo estabelecimento do Curdistão independente, cujo território incluiria algumas províncias turcas. Essa relação traz ainda outro agravante: nas últimas eleições gerais, em junho passado, poderoso presidente turco Recep Erdogan sofreu uma considerável derrota nas urnas, principalmente devido à expansão nacional de um partido de origem curda, que o impediu de construir a maioria parlamentar que desejava. Sendo a Turquia um regime parlamentarista, a ausência de maioria parlamentar, ou de uma coalizão que cumpra esse papel, demanda a realização de um novo pleito, previsto para novembro. Nesse ambiente tenso, o presidente turco busca atacar os curdos da Síria como forma de influenciar o cenário eleitoral de seu país, pintando tal povo como inimigo da nação e, assim, afastando votos do novo partido que centraliza a oposição a seu regime.
Não bastasse abrigar rivalidades eleitorais, o conflito sírio também envolve a crescente oposição entre Estados Unidos e Rússia, no melhor estilo da antiga Guerra Fria. Os norte-americanos fornecem material militar, treinamento e apoio aéreo efetivo a grupos moderados voltados a derrubar o governo de Bashar al Assad. Já os russos têm investido pesadamente na manutenção do regime de Assad, não apenas fornecendo material militar em grande escala ao governo, como também colocando no campo de batalha algumas de suas próprias tropas de combate, de acordo com relatos frequentes dos demais envolvidos na guerra.
Outra complexa relação que contamina os acontecimentos na Síria envolve a intensa movimentação do Irã, em busca de se tornar um protagonista político do mundo islâmico.  O governo de Teerã não apenas financia diretamente a sobrevivência de Assad, como também participa indiretamente de combates através da milícia libanesa Hezbollah, à qual direciona recursos há vários anos.
Apesar de todos esses países terem sofrido de alguma forma os efeitos prejudiciais da instabilidade política que tomou conta do Iraque depois de 2003, agora contribuem, com sua atuação na Síria, para reproduzir o mesmo cenário de caos nacional.

sábado, 19 de setembro de 2015

Síndicos politizados

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 13/09/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Dentro de menos de um ano, estará em andamento o processo eleitoral para a escolha dos governantes nos 5.570 municípios brasileiros. O papel administrativo dos prefeitos costuma ser colocado em primeiro plano, sendo esses muitas vezes descritos como “síndicos” de suas respectivas prefeituras. Ao mesmo tempo, existe a visão que destaca o papel crucial desempenhado pelo prefeito municipal nas eleições estaduais e nacionais no Brasil. Em cidades de todos os tamanhos, mas com maior ênfase nas de menor porte, o posicionamento do prefeito é um referencial decisivo para boa parte da população na hora de escolher governadores e presidentes.
Porém, a conjuntura política brasileira dos últimos anos guarda pouca semelhança com a normalidade da atual democracia brasileira, o que cria expectativas adicionais em relação ao pleito do ano que vem; afinal, em 2016 serão estabelecidas muitas das posições a partir das quais serão disputadas as eleições de 2018. Os principais partidos políticos brasileiros caminham para esse enfrentamento com objetivos bem distintos, integrados em suas estratégias de poder nacionais.
O PMDB, partido que mais vem ganhando poder a partir do enfraquecimento do governo petista, manifestou através de suas lideranças o interesse em expandir sua presença nas grandes cidades e capitais estaduais. Não que o partido se encontre em situação desvantajosa no cenário municipalista, muito pelo contrário: trata-se da legenda que mais comanda prefeituras no Brasil, com 1.019 eleitos em 2012. Porém, para que possa cogitar a empreitada presidencialista que acalenta para 2018, o PMDB não pode estar ausente das capitais, marcando presença nas principais vitrines administrativas e políticas do país. Mais do que votos, assim, o PMDB precisa acumular credibilidade administrativa para oferecer à população; hoje, essa tarefa é desempenhada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, de forma praticamente solitária.
O PT deve enfrentar o cenário eleitoral mais negativo de sua história em 2016: não só terá que comprovar eficiência administrativa na gerência das prefeituras, como também evitar os efeitos locais do desgaste profundo que atinge o nome do partido. A dúvida mais comum nas campanhas municipais se refere à contaminação dessas por temas de âmbito nacional; esse questionamento deve afligir aos estrategistas do PT, que terão sucesso se oferecerem mais “síndicos” e menos políticos ao eleitorado das cidades.
O PSDB, por sua vez, deve ter em Minas Gerais seu alvo principal se pretende obter ganho político a partir da derrocada do PT nacional. Não apenas Minas é o estado com o maior número de municípios do país, 853, como também foi onde os tucanos mais perderam espaço em 2014. Reconstruir a rede de prefeitos que dava suporte à plataforma tucana de governo em Minas vai exigir do PSDB um esforço colossal: sem o controle da burocracia estadual, a habilidade para se compor forças, conjugar interesses distintos e, sobretudo, negociar, será posta à prova em 2016.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um futuro sem opinião

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 06/09/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recentemente, um grupo de humor brasileiro que atua na internet produziu, com enorme sucesso, dois vídeos retratando os estereótipos de professores mais comuns no Ensino Médio; somadas, as visualizações de ambos se aproxima da casa dos dez milhões. O sucesso desse quadro ilustra o quão sintonizados estavam seus autores com a mentalidade dos jovens estudantes brasileiros, com o folclore escolar e, indiretamente, com o que acontece nas salas de aula: após apresentar o rigor sádico de uma professora da área de exatas e o desleixo de um docente desmotivado, surge a figura do “professor comunista”, desvelando a culpa eterna dos Estados Unidos e da grande mídia sobre todas as mazelas nacionais. Mesmo caricatos, os personagens compõem um retrato aproximado do dia a dia dos docentes no Brasil que, se por um lado são vítimas da falta de valorização pela sociedade, por outro são autores de certa cota de abusos.
Contra o típico “professor comunista”, o deputado federal Rogério Marinho, do PSDB potiguar, tomou atitude drástica: elaborou o projeto de lei 1.411, que criminaliza a discussão política em sala de aula. O absurdo da proposta começa no fato de que essa busca combater fogo com fogo: assim como o docente-militante, o PL 1.411 também sufoca a capacidade de crítica do aluno, exatamente na hora em que essa deveria ser estimulada. Cada um à sua forma, problema e solução se equivalem por impedir o aluno de pensar sobre a realidade que o cerca.
É importante perceber como surgiu essa armadilha extremista; mais um exemplo de como o Estado desempenha papel dominante sobre a sociedade brasileira. Afinal, incapazes de lidar com a discordância de ideias no campo interpessoal, apelamos ao Estado como regulador de nossas vidas. Segundo o sociólogo José Murilo de Carvalho, a forma como o Estado se fez presente na história brasileira foi, muito frequentemente, apenas como aparato burocrático dissociado de direitos civis ou políticos garantidos à população. Esse papel dominante e centralizador do Estado sobre a vida social brasileira fez surgir o conceito de “estadania”, no lugar da cidadania: a vida do brasileiro é, tradicionalmente, mais sofrida para quem não possui contato, pessoal e privilegiado, com algum integrante do corpo de servidores públicos.
No Uruguai, país com fortes laços históricos em comum com o Brasil, um dilema semelhante vem ocorrendo: os livros didáticos adotados por muitas escolas vêm sendo apontados como politicamente tendenciosos, o que despertou debate a respeito dos critérios existentes para a aprovação oficial desse material. Assim como no Brasil, não demorou a ganharem coro clamores pelo braço forte do Estado: proibindo, fiscalizando e, sobretudo, ocupando o espaço do debate e da construção da autonomia da juventude.
A situação é cruel por encerrar um círculo vicioso: formar gerações conscientes de seu papel e capazes de retirar do Estado o protagonismo sobre a vida social é algo que demanda, justamente, um ambiente escolar que construa autonomia.

domingo, 30 de agosto de 2015

República dos pijamas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 29/08/2015 do Jornal de Uberaba - Uberaba, Minas Gerais - e de 30/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Muito pode ser aprendido a respeito da política de um país a partir da forma como se comportam suas principais lideranças após o fim de seus mandatos. Em regimes presidencialistas, como o vigente no Brasil e nos Estados Unidos, essa questão chama a atenção devido à concentração de poder e à intensa cobertura de imprensa que se associam à figura do presidente da República. Regimes parlamentaristas, nos quais quem ocupa o Executivo é o líder da maior bancada parlamentar, costumam ser marcados por uma fluidez maior nas relações de poder, de forma que um mesmo político pode ocupar o posto de primeiro-ministro em várias ocasiões e por períodos distintos de tempo.
O folclore político brasileiro é rico em expressões que descrevem os mandatários após o cumprimento de seus mandatos: todas os igualam a algo inútil e sem valor. O exercício do poder Executivo é percebido pelo senso comum brasileiro como a única medida possível para o mérito de um homem público, um raciocínio que explica o escasso reconhecimento do mérito de grandes parlamentares como Ulysses Guimarães, um dos responsáveis diretos pelo reestabelecimento da democracia no Brasil.
Curioso perceber que muitos dos ex-presidentes brasileiros permaneceram envolvidos com disputas eleitorais após deixarem o cargo maior da nação. Foram eleitos senadores desde Arthur Bernardes, que protagonizou um dos governos mais polêmicos da história, passando pelos icônicos Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, até os três primeiros presidentes da atual democracia: Sarney, Collor e Itamar. Fernando Henrique Cardoso e Lula, por sua vez, já recusaram pedidos para que voltassem às urnas, seja para disputas senatoriais ou mesmo presidenciais. Lideranças em seus partidos, FHC e Lula buscam de formas distintas redefinir o papel do ex-presidente: o tucano acreditou, durante certo tempo, ser adequada a função de conselheiro, na qual sua experiência poderia ser empregada opinando sobre os maiores problemas do país; com esse objetivo, FHC chegou a compor um grupo internacional, juntamente com o sul-africano Nelson Mandela e o norte-americano Bill Clinton.
Já Lula, que desprezava seu antecessor ao afirmar que esse deveria “vestir o pijama” e deixar de opinar sobre seu governo, optou por um caminho eminentemente privatista em sua carreira pós-presidência: associou-se a grandes empreiteiras e passou a auxiliá-las, com seu prestígio pessoal, em negócios ao redor do mundo. Atuando recentemente no combate ao incêndio que ameaça o mandato de Dilma Rousseff, Lula tem voltado a se envolver com o cotidiano da política.
Atualmente, nos EUA, dois ex-presidentes têm se envolvido ativamente com a política partidária: Bill Clinton apoia a candidatura de sua esposa nas eleições de 2016, enquanto George W Bush articula a indicação de seu irmão para o mesmo pleito. Interessa a ambos impedir a entrada de novos competidores na disputa: por isso, têm participado em eventos conjuntos. Resta saber, no Brasil, como andam tais articulações de longo prazo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Frágil equilíbrio

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 23/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

As manifestações realizadas em 16 de agosto foram cheias de significado para as diversas correntes políticas atuais. Para a classe média, que pela terceira vez deixou as panelas para ir às ruas, está ficando claro que não basta expressar sua indignação aos quatro ventos: para concretizar a mudança que desejam, é preciso uma tática concreta, assim como atores do sistema político dispostos a assumir tal empreitada. Por isso, foi possível perceber a predominância dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff, assim como uma aproximação discreta em relação a lideranças do PSDB.
A queda no número de manifestantes também é significativa: mostra a percepção de que a simples presença nas ruas, mesmo que reúna milhões, não é capaz de alterar os rumos do governo, ou mesmo de suscitar a autocrítica nas cúpulas palacianas. O governo se acostumou a conviver com altos índices de rejeição popular, fazendo uso de um raciocínio que combina recortes pontuais da realidade com altas proporções de uma fantasia persecutória que vitimiza o PT; um enredo que curiosamente coloca como fraco o partido que exerce o poder há mais de uma década, controlando os bilhões do orçamento da União com singular desenvoltura. No mesmo sentido, reputar o descontentamento popular unicamente à crise econômica significa simplificar de forma conveniente o contexto político: afinal, protestos contra o governo vêm ocorrendo desde 2013, e mesmo nas eleições de 2014, as urnas mostraram o país claramente dividido. O desgaste petista vem se acumulando ao longo dos anos, e a negação desse fato não torna o partido mais apto a superar tais desafios.
Derrotado no campo da popularidade, o governo também enfrenta dificuldades no âmbito jurídico: a operação Lava Jato produz suas primeiras condenações, enquanto investigadores continuam encontrando novas ramificações na teia de agentes governistas que desviam recursos de contratos públicos. O cerco ao governo também se aperta devido ao julgamento das contas federais de 2014, algo que envolve diretamente Dilma Rousseff, sobretudo por seu conhecido zelo pela questão orçamentária. Acumulam-se, assim, ameaças reais em mais um flanco do governo.
No campo da política, foi rompido o isolamento quase total que afligia a Dilma Rousseff: uma trégua foi feita com o presidente do Senado, Renan Calheiros, o que dividiu temporariamente as forças do PMDB e enfraqueceu o movimento pró-impeachment que se alastrava pelo Legislativo. Essa ponte construída entre governo e PMDB é indispensável para que Dilma se sustente no poder, pois é capaz de evitar que a queda de sua popularidade, por si só, dê origem a um processo de impeachment.
A concomitância permanente entre as crises de popularidade, jurídica e de sustentação política do governo, que até se configurou por breves momentos no mês de agosto corrente, significaria um cenário fatal para o mandato de Dilma. É graças a um fragilíssimo equilíbrio, portanto, que foi adiada a formação da tempestade completa nos céus sobre Brasília.

domingo, 16 de agosto de 2015

Humildade ainda que tardia

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 16/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A divulgação de pesquisa de popularidade do Governo Federal, feita pelo mesmo instituto que primeiro previu a vitória de Dilma Rousseff em 2014, deu contornos matemáticos a uma realidade que quase todos percebem: o isolamento da presidente. Os números estabelecem novos recordes, superando os piores momentos de José Sarney e Fernando Collor, nos anos 80 e 90. Não por acaso, em ambas situações o Brasil vivenciava descontrole na economia, com taxas inflacionárias altas e muita incerteza da população sobre o futuro. Collor, sem apoio legislativo e envolvido em escândalo de corrupção, teve seu mandato abreviado por pressões populares e políticas. Já o habilidoso Sarney soube manter sua coalizão parlamentar unida, sustentando seu governo até o último dia, apesar do enorme desgaste político que o acompanha até hoje.
Essa simples comparação deveria servir como orientação para o comando do atual governo; afinal, trata-se das únicas referências existentes, na democracia vigente, de gestões que atingiram graus de rejeição popular que beiravam a unanimidade. Porém, o conjunto das atitudes da cúpula do governo Dilma não indica que lições desse tipo foram aprendidas. O ministro da Casa Civil, Aloísio Mercadante, parece integrar o time de petistas que se conscientizaram a respeito da situação atual do governo e, também, em relação à forma como funciona a política no Brasil. Recentemente, o ministro elogiou a forma “elegante” como o PSDB vinha fazendo oposição nos últimos 12 anos, aproveitando a ocasião para reconhecer o enorme ganho social representado pela estabilização da economia brasileira, fruto de governos tucanos. Contradizendo toda a propaganda petista das últimas décadas, Mercadante se reconcilia com a razão: PT e PSDB podem ser adversários, mas nunca antagonistas, uma vez que, cada um a seu modo, ambos partidos levaram a cabo projetos de sucesso para o avanço do Brasil.
O ex-presidente Lula, apesar de ter agido às escondidas, também seguiu o raciocínio de Mercadante: lançou sinais de que gostaria de se reunir com Fernando Henrique Cardoso, para conversar sobre a estabilidade do país. Escaldado após ser atacado por décadas, FHC recusou a proposta petista; ficou claro que foram queimadas algumas pontes ao longo da trajetória de Lula, o que dificulta recuperar relações que, no passado, haviam sido amistosas.
Contrastando com essas duas sinalizações de aproximação em relação aos tucanos, a recente propaganda partidária do PT insistiu na estratégia do isolamento, chegando a mostrar imagens de líderes do PSDB e imputar-lhes desejos golpistas. Contradizendo a maioria dos analistas econômicos, o programa petista também afirmou que a atual crise econômica será rápida, o que só serve para granjear ainda mais antipatia junto à população dentro do médio prazo.

Somando-se tais fatos soltos, não é possível obter nada concreto: percebe-se a ausência de uma estratégia geral consistente no PT para recuperar o governo Dilma, que segue a correnteza da política de forma inerte.

O gatilho da pobreza

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 09/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Os dois atentados contra turistas na Tunísia, que esse ano totalizaram 59 vítimas fatais, chamam a atenção da imprensa mundial não apenas por seu custo humano, mas pelo histórico recente desse país norte-africano. O primeiro ato da “Primavera Árabe” surgiu na Tunísia, em dezembro de 2010, como movimento popular e secular contrário às péssimas condições de vida enfrentadas pela população; passados quatro anos e profundas reformas políticas, agora é o radicalismo religioso que colhe adeptos em larga escala no país, já que a pobreza e a insatisfação ainda predominam. A relação entre pobreza e política, entretanto, pode ser vista a partir de uma perspectiva mais ampla.
Em 1958, o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek apresentou aos demais governantes do continente uma proposta batizada “Operação Pan-americana”, consistindo basicamente em um grande projeto de cooperação regional que esperava financiamento dos Estados Unidos. O objetivo era, diretamente, reduzir os alarmantes níveis de pobreza e desigualdade encontrados na região e, como conseqüência, deixar as populações carentes das Américas menos suscetíveis ao apelo de movimentos políticos de esquerda radical. Afinal, vivia-se o auge da Guerra Fria. Recebida pelos ianques com desconfiança, a OPA progrediu pouco, mas serviu de inspiração para um programa semelhante, lançado pelos EUA em 1961.
A abordagem proposta por Kubitschek em 1958 permanece válida no mundo de hoje, tendo mudado apenas o tipo de radicalismo político para o qual se voltam as populações mais carentes. Se no passado a atração era pelo extremismo de orientação marxista, hoje é o radicalismo muçulmano que serve de saída aos milhões de atingidos pela pobreza crônica, gerando ameaças à segurança das principais potências ocidentais. Diferente da década de 1960, entretanto, atualmente não é possível identificar nenhum movimento de escala multinacional voltado para o combate à pobreza, apenas iniciativas de cunho militar para conter as suas conseqüências políticas.
Além do Oriente Médio, em evidência pela guerra na Síria, também o continente africano, o centro e o sudeste da Ásia se encontram afetados por rebeliões de aspecto religioso. Invariavelmente, são as regiões mais carentes que registram quadros de radicalização religiosa e, ato contínuo, canalização dessa para a política: desde o árido Afeganistão, até a estagnada Faixa de Gaza, além da Somália, país mais pobre do mundo onde até o Estado deixou de existir em 1991.
Simples que pareça o problema, não há iniciativas de porte para soluciona-lo. Com esforço próprio, o Brasil superou a extrema pobreza ao longo das duas últimas décadas, porém aumentou o nível de desigualdade social: talvez por isso, a insatisfação social por aqui ainda se expresse por meio de fenômenos de menor intensidade, como o crime organizado. Casos de pobreza estrutural, entretanto, dependem de esforço de âmbito mundial para serem equacionados: um assunto que não consta das agendas das nações mais ricas do mundo.

domingo, 2 de agosto de 2015

Eduardo Cunha: o involuntário aliado de Dilma

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 02/08/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A crônica política brasileira, que vem registrando surpresas a uma velocidade incrível, foi surpreendida pelas declarações recentes de Eduardo Cunha: não apenas se assumiu como oposição, como também autorizou a abertura de duas CPIs que desagradam ao Governo Federal. A associação entre as duas declarações foi inevitável, indicando que o presidente da Câmara dos Deputados vai fazer uso de sua posição institucional para enfrentar Dilma Rousseff, mesmo que o próprio Cunha tenha negado protocolarmente essa nova atuação. Dois aspectos chamam a atenção nesse posicionamento de Eduardo Cunha, sendo que em ambos há pontos de contato com o PT.
O primeiro indica o quão benéfica a nova atuação de Cunha pode ser para Dilma: tomando a frente do amplo grupo de adversários da atual presidente, Eduardo Cunha acaba por encarnar o personagem do “inimigo golpista”, central para a estratégia de defesa petista. Desde o início da crise da Petrobrás, um dos fatores que mais prejudicou a reação do governo foi a leitura equivocada da conjuntura política: os petistas acreditavam ser vítimas de um plano, patrocinado pelas “forças reacionárias”, dedicado a afastar o PT do poder. A fé nesse enredo conspiratório fez com que as lideranças petistas não se dessem conta dos próprios erros, responsáveis pelo desgaste do governo em relação à quase unanimidade da população. Desligado da sociedade, o governo de Dilma vinha investindo em estratégias equivocadas para recuperar a popularidade.
Porém, quando Eduardo Cunha passa a investir furiosamente contra a presidente, assume o papel do conspirador reacionário, emprestando veracidade do delírio persecutório dos petistas. A simplicidade do duelo entre os bons e os maus, que orienta o raciocínio petista na atual crise, ganhou sentido e legitimidade. Essa situação foi percebida com rapidez pela direção do PMDB, que se apressou a rotular a atitude de Cunha como pessoal e contrária ao posicionamento oficial do partido. Mesmo assim, o dano político já estava feito: as articulações do partido para a retirada de Dilma do poder foram explicitadas.

O outro ponto interessante no episódio em questão se refere à motivação de Eduardo Cunha para investir de forma agressiva, explícita e até imprudente contra o governo de Dilma: a crença de que as investigações da Polícia Federal, que ligam seu nome ao escândalo da Petrobrás, tivessem origem política e autoria governista. Trata-se, afinal, da mesma paranóia conspiratória nutrida pelo petismo governante, só que atribuída ao próprio Eduardo Cunha e a setores da oposição formal. Dessa forma, temos uma surreal inversão de valores: ambas as partes preferem imaginar e reagir a complicados enredos de articulações políticas urdidas contra si, do que encarar a realidade segundo a qual Poder Judiciário e Polícia Federal têm feito um incomum trabalho para combater os corruptos do Brasil. Continuando essa tendência de negação da realidade, muitas serão as vítimas dessa luta política desesperada, e não haverá vencedores.

Uma guerra fria apenas retórica

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/07/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A participação de Dilma Rousseff na reunião do grupo de países tidos como potências emergentes chamou a atenção para a atuação da Rússia no mundo de hoje. Envolvida em uma guerra não-assumida com a Ucrânia, país do qual já havia anexado parte do território no ano passado, a Rússia tem adotado retórica hostil em relação aos EUA à União Europeia. Devido a esse quadro, muitos têm imaginado a volta da Guerra Fria.
A Rússia continua a ser uma potência militar formidável, única capaz de fazer frente à máquina de guerra norte-americana. Não por acaso, o general Joseph Dunford, ao ser sabatinado recentemente pelo Senado dos EUA no processo de admissão ao comando das forças armadas, apontou a Rússia como uma ameaça existencial aos Estados Unidos. Antes da ação militar, entretanto, há o cálculo político, que frequentemente inclui o interesse econômico; é sob essa lógica que a Rússia deixa de parecer tão ameaçadora. Como parte do sistema econômico capitalista, a Rússia está integrada de forma definitiva ao resto do mundo.
Entre 1947 e 1989, período de tensão entre EUA e União Soviética batizado como Guerra Fria, havia uma diferença estrutural em relação ao momento atual: a adoção do socialismo real pelos soviéticos. Além da diferença entre regimes políticos, a economia era determinante: a existência de um conjunto de países que organizava suas economias a partir do socialismo dividia o mundo em duas metades, com pouca relação entre si. Não havendo propriedade privada dos meios de produção, o Estado ocupava o lugar do empresário, agindo como gerente onipresente preocupado em organizar cada engrenagem do sistema produtivo. A economia socialista, portanto, seguia suas próprias regras, englobando dezenas de países em um sistema de comércio independente da outra metade do planeta. Nesse sentido, o esfacelamento da União Soviética significou a falência do modo socialista de organizar a produção: esse sistema não pôde igualar o dinamismo e a capacidade sempre crescente do capitalismo para gerar riqueza.

Ao adotar o capitalismo, em 1991, a Rússia se encontrava falida em todos os sentidos, passando por uma traumática década de crise e adaptação ao novo sistema. A ascensão ao poder de Vladimir Putin, enérgico e centralizador como vários outros na história russa, assim como a alta nos preços do petróleo que o país passou a explorar, deram início a uma época de prosperidade. Portanto, o ressurgimento da Rússia como potência mundial depende da manutenção de resultados positivos em sua economia, que ultimamente vem sofrendo sanções por parte dos EUA e da União Europeia devido à intervenção russa na Ucrânia. Mais do que isso, a queda recente nos preços internacionais do petróleo também tem causado efeitos negativos na economia russa, algo que causa desconfiança nos mercados financeiros mundiais. Assim, se não conseguir reverter sua retórica militarista em resultados econômicos positivos em breve, Putin provavelmente deve devolvê-la à prateleira de relíquias da era soviética.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Indústria da miséria em expansão no Norte de Minas

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 16/07/2015 do Correio de Uberlândia - Uberlândia, Minas Gerais - e na edição de 19/07/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A recente crise do setor siderúrgico no Norte de Minas Gerais tem causado pânico na região, ameaçada que está de sofrer duplamente os efeitos da desaceleração da economia nacional. Além da redução da atividade econômica em todo o país, agora o Governo Federal define, através da medida provisória 677, que apenas empresas localizadas na área nordestina da Sudene poderão contar com preços reduzidos de energia elétrica, enquanto o Norte mineiro, também incluído nessa superintendência, perderá o benefício. Contra essa discriminação, empresários, sindicalistas, trabalhadores e prefeitos da região se uniram em uma série de protestos contra os governos estadual e federal, que mesmo sendo do mesmo partido, apresentam dificuldade de entendimento sobre assunto tão importante.
A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste foi criada pelo mineiro Juscelino Kubitschek em 1959, que convidou para sua direção o economista paraibano Celso Furtado, responsável por colocar em prática ideias inovadoras para o desenvolvimento econômico da região. O Norte de Minas participa da Sudene desde seu início, pois tem elementos de clima em comum com o Nordeste. Conta o folclore político regional que coube a José Maria Alkmin, amigo e ministro de JK, dar os retoques finais no mapa da Sudene em Minas Gerais: afinal, era nativo da cidade norte-mineira de Bocaiuva.
Concentrada na concessão de financiamentos à produção e incentivos fiscais, a Sudene foi responsável pela instalação de várias indústrias no Norte de Minas, gerando polos de riqueza ao longo dos anos. A refundação da Sudene em 2007, pelo então presidente Lula, foi vista com bons olhos na região, uma vez que a Superintendência havia sido extinta em 2001, após denúncias de corrupção. A esperança foi em vão: a Sudene do período petista trouxe o vício de diferenciar Minas Gerais dos estados nordestinos que também a compõem. Em 2009, a indústria norte-mineira da cana de açúcar sofreu grande revés, quando a medida provisória 615 excluiu da região os benefícios concedidos à área nordestina da Sudene. Já em 2010, a edição da medida provisória 512, que concedia incentivos para a indústria automotiva, excluía de sua abrangência os municípios do norte mineiro; ao ser convertida em lei no ano seguinte, essa medida foi alterada pelo Congresso para incluir as cidades mineiras, uma alteração que foi sumamente vetada por Dilma Rousseff. O Norte de Minas perdeu a oportunidade de receber investimentos de grande porte, que hoje geram frutos em Pernambuco.
Perdendo indústrias e dinamismo econômico, o Norte de Minas hoje vê irem embora bons empregos e a renda de sua população. Seu povo caminha de volta para a simples luta pela sobrevivência, situação na qual o Governo Federal se faz presente com galhardia, oferecendo como benesse o auxílio social mínimo que impede a morte por inanição. Não por acaso, em 2014 a votação petista foi predominante na região, fruto da gratidão dos humildes, cada vez mais condenados a levar uma triste vida de gado.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Querer não é poder: Por que Dilma não cai

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 12/07/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Recém chegada dos Estados Unidos, a presidente Dilma Rousseff embarcou para novo compromisso no exterior, agora na Rússia. Essa agenda internacional pode produzir efeitos sobre a conjuntura política nacional, pois afasta Dilma do desgaste do dia a dia, enquanto mostra a presidente de forma positiva: representando o Brasil junto aos principais líderes mundiais. Porém, há riscos nessa movimentação: afastar-se de Brasília deixa todo o espaço disponível para as correntes políticas se articularem, algo arriscado no contexto atual.
A teoria política tradicional considera que o principal fator responsável pela manutenção do poder é a legitimidade. Um governo considerado adequado e justo pela maioria da população, tanto na forma como chegou ao poder quanto na maneira com a qual o exerce, tende a se sustentar com base nesse capital político conquistado. Executivo e Legislativo refletem, cada um à sua forma, essa mesma relação da sociedade com o poder estabelecido. Os baixos índices de popularidade de Dilma são um perigoso indicador de perda de legitimidade de seu governo, porém mais grave é seu enfraquecimento junto ao Legislativo, dominado por elementos hostis do PMDB.
A calmaria do cenário político nacional parece esconder articulações intensas. Diante da impopularidade do governo, e de sua inoperância na construção de alianças, não faz sentido esperar que a gestão de Dilma Rousseff se sustente por inércia. O futuro de Dilma pode ser avaliado pela medida na qual as atuais lideranças políticas encontrem motivos para investir em favor da atual presidente, e não em sua remoção do poder.
A começar pelos líderes maiores do PMDB, é importante questionar quais seriam seus próximos passos a partir da situação atual, na qual estabeleceram um polo de poder alternativo no Legislativo. Por exemplo, seria razoável prever que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, após impor várias derrotas ao governo de Dilma, planejaria apenas repetir essa atuação indefinidamente pelos próximos anos? Não por acaso, Cunha recentemente defendeu a adoção do parlamentarismo no Brasil, usando como argumento a facilidade para se substituir governantes sob esse regime.
A remoção de um governo no presidencialismo demanda um esforço coletivo de grande escala, assim como argumentos jurídicos que o justifiquem. É provável que, atualmente, as lideranças contrárias a Dilma não reúnam todas essas condições, e por isso, ainda se restrinjam à criação de desgaste no parlamento.
Outro obstáculo a uma ação contra Dilma pode ser a articulação entre seus vários desafetos: para além de partes do PMDB, há ainda a oposição formal ao governo, na figura do PSDB, que poderia se interessar pelo fim do governo petista. Porém, é pouco provável que qualquer grupo político se lance a uma arriscada empreitada sem ter definida, desde o início, a quota que lhe será devida dos louros da vitória. Conciliar tantos interesses e apetites pode ser uma tarefa difícil, ainda mais do que formar uma coalizão eleitoral.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A viagem da oposição

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 05/07/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Geras)

A comitiva de senadores brasileiros de oposição que recentemente foi à Venezuela trouxe, na bagagem, alguns pontos importantes para a discussão sobre política externa: a violação flagrante da cláusula democrática dos acordos do Mercosul pela Venezuela, a continuidade desse país na associação regional e, principalmente, a posição omissa do Brasil em relação aos acontecimentos do país vizinho. Isso, porém, teve pouco destaque em relação à repercussão política que a aventura dos senadores brasileiros gerou no cenário nacional.
Planejada, executada e divulgada como uma tentativa de associar a imagem do Governo Dilma à truculência do regime implantado por Hugo Chavez na Venezuela, a expedição dos senadores da oposição brasileira pode ser considerada um sucesso nessa perspectiva. Porém, apesar de ter causado desgaste e constrangimento ao governo, o episódio foi um fracasso no que tange àquilo que se espera de parlamentares cujo ofício é o de fazer oposição ao Governo Federal.
O efeito político obtido foi praticamente nulo, uma vez que a complexidade do tema o torna pouco acessível e interessante à grande parcela da população que conta com poucos anos de educação formal; estatisticamente, o grupo que mais apoia o governo petista. As classes médias brasileiras, tanto a nova quanto a tradicional, que podem ter tido interesse pela jornada dos senadores, já antipatiza o atual governo a ponto de não ter sua opinião alterada pelo episódio em questão.
Em suma, a simples ideia de que essa viagem pudesse ser entendida como “ato de oposição” já ilustra o pouco que o PSDB aprendeu sobre esse ofício nos últimos anos. Desde 2003 os tucanos se orgulham em dizer que não praticam um modelo destrutivo de oposição, característica que atribuem com bastante razão ao comportamento passado petista. Porém, ao invés de desenvolverem uma nova forma de exercer o contraditório, os tucanos simplesmente abdicaram da tarefa.
A complacência que o PSDB mostrou durante o escândalo do mensalão e a inoperância que apresenta hoje, diante da crise na Petrobras, fizeram que o público não tivesse opção efetiva ao PT. Historicamente, o PSDB tem preferido investir nos estados que governa, a travar o duro e diário combate parlamentar. Para evitar o silêncio completo, escolhem um senador para se pronunciar com mais alarde, que acaba agindo sozinho, uma vez que não se registram grandes articulações tucanas no Congresso Nacional nos últimos anos.
O PSDB se dedicou a construir vitrines de gestão pública em estados como Minas Gerais e São Paulo, buscando alavancar a imagem de suas lideranças à condição de “supergestores”: uma estratégia que, mesmo sensata, peca por ser o único caminho concreto desenhado pelo partido.

A política, diziam seus grandes artífices, é a arte da composição; mas raras têm sido as composições tucanas nos últimos anos. Há, portanto, algo muito errado no comportamento de um partido de oposição que não consegue agregar apoios contra o governo mais impopular da história da Nova República.