por Paulo Diniz
(publicado na edição de 22/11/2015 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
A
gravidade dos atentados ocorridos na França em 13 de novembro permite que se
diga, sem medo de errar, que esses eventos constituirão um trauma nacional. O
alvo do Estado Islâmico, se não escolhido para gerar impacto simbólico, todavia
o fez: a boa vida noturna, tão valorizada pelo parisiense, foi a primeira
vítima dos disparos dos extremistas. Ao tirar o hedonismo do primeiro plano, os
franceses são forçados a encarar uma dura realidade: há uma guerra em andamento
no Oriente Médio, e todos que se relacionam com essa estão sujeitos às suas
consequências. O comportamento francês, representado tanto por seu governo
quanto pelo povo, vinha tentando ignorar essa realidade desde janeiro de 2015,
quando ocorreram os ataques ao jornal Charlie Hebdo. A opção pela continuidade
da “vida normal” predominou na França, algo que demorou alguns anos para se
reestabelecer nos Estados Unidos após os atentados de 2001.
Essa
atitude remonta diretamente a outro trauma nacional francês: a invasão da
França pela Alemanha em 1940. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o governo
liderado por Hitler crescia em popularidade ao fomentar o desejo de vingança no
povo alemão: a França, logo ao lado, era o principal alvo de seu discurso de
ódio, responsabilizada pela decadência enfrentada pela Alemanha após o fim da Primeira
Guerra Mundial. O primeiro sinal de que o discurso viraria prática veio em
1936, quando tropas de Hitler ocuparam a região alemã da Renânia, vizinha à
França, porém desmilitarizada desde o armistício de 1918. O primeiro sinal de
perigo foi deixado de lado, assim como ocorreria em janeiro de 2015.
Quando
eclodiu a Segunda Guerra Mundial, a França confiou nos números para se
resguardar: tendo um número maior de tropas e uma barreira em sua fronteira com
a Alemanha, os franceses mantiveram-se entretidos com as rivalidades
político-partidárias usuais, alheios ao perigo eminente. Em maio de 1940 o pior
aconteceu: usando equipamentos modernos e estratégias militares inovadoras, a
Alemanha demorou apenas 40 dias para derrotar e ocupar sua rival histórica, a
França. Maior trauma da história francesa recente, a ocupação alemã durou até
1945 e só foi encerrada pela intervenção dos Estados Unidos.
O
evento deveria ter servido de exemplo de que valores e intenções, por nobres
que sejam, não são capazes de se fazer valer por si mesmos: é necessária a
força, em seu sentido mais primal, para sustentar ideias. Por mais que se
discutam as causas profundas dos ataques de 13 de novembro, muitas ligadas à
pobreza e à discriminação dos muçulmanos da França, não se pode deixar de tomar
medidas para evitar suas consequências.
Uma
sociedade como a francesa, que tem se mostrado incapaz de produzir consenso até
mesmo diante das mais graves ameaças, tem muito que pensar sobre o futuro. Resta
saber qual tipo de argumento seria capaz de levar a França, país de origem de boa
parte da filosofia política Ocidental, à ação prática, deixando de lado o embate
estéril entre correntes filosóficas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário