por Paulo Diniz
(publicado na edição de 26/10/2015 de O Tempo, Belo Horizonte - Minas Gerais)
O
cenário político nacional vem se polarizando de forma surpreendente nas últimas
semanas, à medida que se torna cotidiano o debate sobre o afastamento da
presidente Dilma Rousseff. A palavra impeachment, tida como heresia poucos
meses atrás, hoje passeia com desenvoltura por discursos governistas e
oposicionistas, marcando a primeira grande derrota petista: enquanto o
afastamento de Dilma se torna o ponto central do debate político, em torno do
qual cabe a cada um se posicionar, o governo fica preso em uma armadilha na
qual só pode atuar defensivamente; o melhor resultado possível não é a vitória,
mas um empate.
Curiosamente,
a escalada do impeachment não tem ocorrido a partir de discursos ou ações
extremadas, mas de um sutil enfrentamento de caráter jurídico e burocrático:
uma avalanche de forças e interesses políticos fica suspensa, indefinidamente,
até que se produzam sentenças, pareceres ou protocolos que se acreditam ser
cruciais para o prosseguimento da carnificina política que definirá a
continuidade do governo de Dilma Rousseff.
Serve
de exemplo o anticlímax ocorrido recentemente, no qual o STF suspendeu o rito
de impeachment definido por Eduardo Cunha, levando o presidente da Câmara dos
Deputados a sustar a aceitação de um pedido de afastamento da presidente. Dessa
forma, acontecimentos de enorme importância foram cancelados, ou adiados, devido
ao receio de que a falta de uma chancela judicial ou técnica ao processo de
impeachment possa manchá-lo com as cores da ilegalidade.
O
ponto principal, portanto, é a extrema preocupação de todos em relação às
aparências que terão as medidas que se quer tomar. O afastamento de Dilma tem
que parecer o mais técnico e apolítico possível: a seus autores, portanto,
interessa posar no papel de simples executores de ordens imparciais que emanam
de um poder neutro. Querem conduzir um processo de impeachment sem parecer
ávidos ou “sujar as mãos”: considerando sua natureza eminentemente política, independente
do mérito, trata-se de objetivo impossível de ser cumprido dessa forma.
Quanto
ao campo governista, por sua vez, resta saber como poderá reagir quando alguma
ofensiva jurídico-burocrática ameaçar causar danos reais à administração de
Dilma Rousseff: aceitarão tranquilamente abrir mão do poder diante de simples
trocas de despachos entre o Legislativo e o Judiciário federais? Tendo o
comando do aparato estatal em mãos, será possível resistir à tentação de usá-lo
em favor próprio, repudiando uma institucionalidade que não reconhecem como
válida? Trata-se de um questionamento extremamente válido, já que não foram
poucas as promessas, feitas por lideranças petistas, no sentido de promover uma
resistência extremada àquilo que denominam como tentativas de golpe de Estado.
Não
necessariamente, ambas as partes dessa disputa pelo poder estão falando a mesma
língua e, principalmente, estariam dispostas a se enfrentar pelas mesmas
regras: um impeachment “de papel” pode encontrar pela frente uma resistência de
ferro e fogo.