por Paulo Diniz
(publicado na edição de 03/07/2016 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)
O
plebiscito que decretou a saída do Reino Unido da União Europeia deve gerar
impactos por muitos anos. As consequências esperadas dessa separação,
popularmente chamada de Brexit, são desastrosas para a economia britânica. A
pergunta que se destaca, portanto, se relaciona com os motivos que levaram a
população a fazer essa escolha. Analistas têm destacado a rejeição britânica à
quota de refugiados que, de acordo com as negociações em curso na U.E., cada
país membro terá que receber. Também é mencionada a irritação britânica em
relação aos regulamentos obrigatórios vindos de Bruxelas, sempre percebidos
como burocracia desnecessária e excessiva.
Sem
dúvida, todos esses fatores desempenharam papel importante no resultado do
plebiscito de 23 de junho. Porém, um olhar mais preciso é capaz de perceber que
a dinâmica decisiva foi outra: a utilização da campanha eleitoral como palanque
para que figuras políticas locais se destacassem, e assim, abreviassem o
caminho até o poder. O ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, se destaca nesse
processo, não só por ter sido um dos líderes mais veementes em favor do Brexit,
como também por ser até então uma figura secundária dentro do Partido
Conservador.
Reeleito
com folga em maio do ano passado, o primeiro-ministro David Cameron não só
tinha diante de si a perspectiva de um tranquilo mandato a ser cumprido, como
também era indubitavelmente o líder inconteste do Partido Conservador; vale
lembrar que, sob o regime parlamentarista britânico, o eleitor escolhe o
partido no poder, sendo o cargo de primeiro-ministro exercido pelo líder da
agremiação vencedora, também um deputado eleito. Como governante sensato,
Cameron defendia a permanência do Reino unido na U.E., contando com o apoio
maciço do Partido Trabalhista, que normalmente faz oposição a seu governo.
A
jogada de Boris Johnson, nesse sentido, foi um sucesso: não apenas o estridente
ex-prefeito londrino pôde fazer uso dos palanques do plebiscito para expor sua
imagem à mídia intensivamente, como também desafiou o poder de Cameron dentro
do partido do qual ambos fazem parte. Derrotado no plebiscito, Cameron anunciou
sua renúncia como primeiro-ministro, dando início ao processo interno de
escolha do novo líder do Partido Conservador, que exercerá o cargo de
primeiro-ministro do país a partir de setembro. Johnson é, logicamente, o
favorito.
As
semelhanças com o plebiscito realizado no Brasil em 1993 são grandes: nesse
ano, Leonel Brizola assumiu a frente do movimento de manutenção do
presidencialismo como forma de governo, se opondo à implantação do parlamentarismo.
De olho nas eleições do ano seguinte, Brizola ganhou os holofotes na esperança
de construir uma vantagem no pleito de 1994: seu apelo popular foi crucial para
a causa presidencialista, mas teve efeito nulo nas urnas do ano seguinte. Ficou
para o Brasil a herança de um sistema de governo que precisa chegar à beira do
colapso, para realizar uma troca de governo que sob o parlamentarismo é algo
cotidiano e estável.