domingo, 30 de novembro de 2014

O drama oculto dos micromunicípios

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 30/11/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A conclusão do ciclo eleitoral de 2014 traz uma triste certeza ao cenário das relações federativas no Brasil: os problemas das menores cidades, passada a mobilização em torno dos votos, voltarão a ter pouquíssimo destaque na agenda dos gestores estaduais e federais. A relação entre o interesse político e a motivação dos gestores eleitos para solucionar problemas específicos é um tema tradicionalmente estudado no campo da Ciência Política: a norte-americana Barbara Geddes batizou como “dilema do político” à hesitação dos mandatários em empregar recursos nas regiões onde, eles acreditam, há pouco potencial para obterem apoio eleitoral. Sendo assim, a ação do Poder Público tende a ser atraída pelas demandas dos maiores grupos sociais e das regiões que mais concentram eleitores.
É destaque, nesse sentido, a prioridade que têm recebido as regiões metropolitanas brasileiras, tanto em termo de verbas recebidas quanto em matéria de programas específicos elaborados para essas áreas nas últimas décadas. Isso desperta em muitas cidades o desejo de fazer parte, ou mesmo de constituir uma nova região metropolitana, como forma de receber maior apoio por parte dos governos federal e estadual. Entretanto, o que torna as regiões metropolitanas prioritárias não é seu estatuto jurídico, mas sim a grande quantidade de eleitores que essas concentram.
Como contraponto a esse cenário, temos os micromunicípios, cidades com população inferior a cinco mil habitantes que vivenciam da maneira mais aguda os desequilíbrios do federalismo brasileiro. A Constituição reservou aos poderes locais competência sobre dois impostos importantes, ISS e IPTU. Para os micromunicípios, porém, essa distribuição de fontes de receita foi cruel: não só o pequeno contingente populacional gera diminuta movimentação econômica a ser taxada, como também ambos os tributos são de difícil arrecadação, demandando equipe de fiscais para serem cobrados. Dessa forma, os micromunicípios se encontram em uma situação de carência estrutural de recursos, incapacitados de oferecer serviços adequados a seus cidadãos.
Dependentes de recursos dos governos estadual e federal, os micromunicípios são lançados à arena política: só atraem investimentos na medida que geram retorno eleitoral aos governantes. Essa lógica deixa os micromunicípios à míngua, pois um mesmo investimento, se aplicado em região metropolitana, atrairia milhares de votos a mais do que a população de uma pequena cidade.
O “dilema do político”, assim, se resolve em favor das regiões metropolitanas, a despeito das limitações estruturais que enfrentam as 240 prefeituras mineiras que administram cidades com menos de cinco mil habitantes, ou seja, 28,13% dos municípios de Minas. A autonomia de tais entes federados, diante da falta de recursos próprios e de atratividade política, se torna uma abstração jurídica. Esse cenário dificilmente será revertido sob o marco do atual pacto federativo brasileiro, a não ser por uma inédita mobilização dos micromunicípios.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A nova cara da velha política

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 23/11/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

Passadas as eleições presidenciais, a cena política brasileira vive um intenso e incomum momento de atividade, marcado por uma sucessão de fatos que dizem muito a respeito da correlação de forças que se configura para o período de 2015 a 2018. O primeiro ocorreu poucos minutos após a reeleição de Dilma Rousseff: em seu discurso de vitória, a presidente prometeu se empenhar na realização da reforma política, a ser feita através de plebiscitos populares. Isso levou sinais de alerta a soar por todo o país: após conquistar uma vitória dificílima, atravessando uma campanha que feriu gravemente a imagem do Partido dos Trabalhadores, a presidente reeleita teve sua atitude interpretada como sinal de que buscaria vingança pela provação que havia acabado de superar, elegendo como alvo não apenas o PSDB, mas todo o sistema político brasileiro. Se o momento da proposta representou uma escolha infeliz da petista, seu conteúdo foi ainda pior: o uso de plebiscitos para tomar decisões de conteúdo técnico complexo extrapola os limites da participação popular, resvalando nos procedimentos próprios de regimes populistas hispano-americanos.
Poucos poderiam esperar, entretanto, os acontecimentos que se seguiriam a esse rompante presidencial, nos quais o PMDB saltou ao primeiro plano da política brasileira. Consciente de que o apelo popular do PT se desgastou muito pelas atuais denúncias de corrupção, assim como pelo embate com o PSDB na campanha, o PMDB decidiu fazer valer sua força no Parlamento. Não apenas desautorizou o impulso bolivariano de Dilma através de declarações imediatas de suas principais lideranças, com destaque para o vice-presidente Michel Temer, como também articulou a derrubada do decreto presidencial que concedia mais poder aos conselhos populares de políticas públicas. Sem dar tempo para reação petista, o PMDB passou a articular a aprovação de projetos que desagradam a União: além de representarem aumentos nos gastos públicos, também concretizam desejos antigos de estados e municípios, como a repactuação de débitos desses com o Governo Federal. Para o início de 2015, mais nuvens de tempestade no horizonte petista: ganha força a candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados, o mais destacado nome da ala oposicionista do PMDB.
O recado emitido pelo PMDB é tão claro quanto agressivo: no novo governo petista, o PMDB quer mais espaço institucional e mais poder. Ao chacoalhar as bases de sustentação de Dilma, criando empecilhos reais ao invés das usuais ameaças de retirada de apoio, o principal partido governista se coloca como o fiador maior da nova administração. A mensagem é clara: sem o apoio da bancada parlamentar do PMDB, a gestão de Dilma se torna inviável, como se vivesse o Brasil sob um legítimo regime parlamentarista. A julgar pela variedade e gravidade das denúncias de corrupção que se avolumam na Polícia Federal, pode-se entender que nunca antes em sua história, o PT esteve tão dependente de defensores no Congresso Nacional.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

À sombra de Cuba

por Paulo Diniz
(publicado na edição de 16/11/2014 de O Tempo - Belo Horizonte, Minas Gerais)

A imersão da população na política pode ter se firmado como um legado positivo das eleições de 2014. Entretanto, uma outra reminiscência não tão benéfica seria a consolidação da polarização entre PT e PSDB. A abertura de uma terceira frente no cenário político não obteve apoio do eleitorado a ponto de constituir uma disputa de segundo turno, de maneira que a oposição entre favoráveis e contrários ao atual governo prevaleceu.
O principal problema da polarização política não decorre, em si, da pequena oferta de opções partidárias viáveis ao eleitor: democracias consolidadas, como a britânica e a norte-americana, funcionam há séculos em torno de dois grandes partidos. No caso brasileiro, uma das principais derivações da polarização política é o empobrecimento do debate público: as campanhas dos principais candidatos à Presidência giraram em torno de poucos tópicos, em relação aos quais cada um pedia a aprovação ou rejeição popular.
Um ícone dessa dinâmica foi o papel central desempenhado por Cuba na campanha de 2014, algo somente possível devido à forma superficial como decorre o debate no cenário polarizado da política brasileira. O principal programa de saúde da gestão de Dilma Rousseff foi ponto de embate na campanha eleitoral: consiste da importação de profissionais de saúde cubanos para atendimento em periferias metropolitanas e zonas rurais isoladas. O modelo de saúde da ilha comunista, tido como inovador no passado mas exaurido nos dias de hoje, passou a ser a referência a partir da qual se discutiu, apoiando ou rejeitando, o futuro da saúde no Brasil.
Cuba também foi mencionada por receber, durante as gestões petistas, vultuosos investimentos brasileiros na área de infraestrutura. O debate que se seguiu, sobre a validade dos mecanismos de cooperação internacional praticados pelo Brasil, foi dominado por considerações sobre detalhes do regime cubano, hoje a ditadura mais longeva das Américas.
Com uma agenda política tão engessada, a opinião pública brasileira perdeu a habilidade de sonhar mais longe. Quando vem à tona a antiga paixão juvenil dos dirigentes petistas pela simbologia que envolve a ilha dos irmãos Castro, só resta aos tucanos buscar desconstruir o estilo cubano de governo e gestão: assim, é com a medida da falida Cuba que se projeta o futuro do Brasil. Não houve menção, por exemplo, ao modelo de sociedade adotado nos países nórdicos, que há oito décadas distribuem riqueza entre as classes sociais de forma radical, viabilizando o mais alto padrão de vida do planeta; ao mesmo tempo, se constituem como as sociedades mais livres do mundo. Será impossível ao Brasil atingir esse patamar enquanto Cuba continuar dominando corações e mentes dos brasileiros.
Considerar Cuba como modelo implica aceitar um axioma surreal: o de que a liberdade do ser humano pode ser trocada por um conjunto de políticas públicas que garanta um padrão mínimo de vida. Essa lógica, afinal, só pode ser levada a sério por quem planeja abrir mão apenas da liberdade alheia.